José Nêumanne Pinto
Paris, Pernambuco
"Ah, Caicó arcaico, meu cashcouer é
mallarmaico", entoa Chico César, que nem de Caicó é, mas, sim, de
Catolé do Rocha, "praça de guerra, onde o homem-bode berra". Mas a
verdade é que Stéphane Mallarmé é presença marcante, seja na
literatura ocidental, seja na crítica, como reconhecerá o professor
Moacy Cirne, este de Caicó, sim, senhor. A presença do francês não
se limita ao expressivo retrato exposto no Museu D'Orsay, em Paris,
mas é marcante em toda produção poética contemporânea,
principalmente a vanguardista. No Brasil, seus herdeiros são, de um
lado, Mário Chamie, instaurador da Práxis, de outro,
Décio Pignatari
e os irmãos Campos, concretos, e, no meio, Wlademir Dias-Pino,
poeta-processo. Os herdeiros não se entendem, mas isso não quer
dizer que a herança não tenha valor.
Uma reedição provinciana, mostrando
que a vida inteligente no planeta cultural não se concentra nas
patotas metropolitanas, vem bem a calhar para traçar o trajeto do
"texto mallarmaico" desde Paris até Caicó ou Catolé do Rocha. Paulo
Bruscky, ele mesmo um herdeiro dos mais radicais do poeta, segundo
quem "um lance de dados jamais abolirá o acaso", providenciou a
reedição limitada, tanto quanto a de seu próprio lançamento, com 150
exemplares numerados, de Concrétion. Trata-se da seleção de
caligramas do artista plástico de renome Vicente do Rego Monteiro,
pernambucano e modernista, que teve seu coté poético, como pode
comprovar o livro, impresso pelo autor em seu próprio prelo, por
ocasião do Primeiro Congresso Internacional de Poesia de Paris, em
1952.
Eis, pois, Rego Monteiro, precursor
da relação Mallarmé- vanguarda brasileira pós-50, muito embora seus
caligramas, como, por exemplo, "Visage", combinando letra e cor, em
crayon, lembrem, à primeira leitura, outro mestre francês, Guillaume
Apollinaire. Nem é preciso apontar para a relação entre o título do
livro e o substantivo usado pelo trio concreto para batizar seu
movimento: o pioneirismo de Monteiro é evidente, embora não
signifique necessariamente influência.
Mário Hélio e Paulo Bruscky destacam,
com acerto, em seu texto de explicação, que o "Poema 100% nacional",
"uma alegoria ao jogo do bicho, da década de 40, de algum modo,
antecipa o poema-processo, como as suas Cartomancie e Chiromancie".
O humor de "Turfisme" ("Paris/Pari") - reforçado pela ironia (na
certa, alheia ao poeta-pintor) de que o Pari fica longe demais da
França - está mais para a práxis do que para a concretude e sua
ilustre descendência, pois seus cultores nunca foram de cultivar
muito a fina arte do humor. Esta, aliás, se aprimora no sarcasmo de
"Paradis-folies" ("Blues/Morphine/Fine/Mort"), que, se diga, en
passant, é um primor, em termos de construção poética.
Como de nossa Zona Leste, Paris
também fica muito longe de Pernambuco, mas Rego Monteiro, de forma
precursora, embora não necessariamente influente, estendeu uma ponte
poética sobre o Sena e o Capibaribe, ao traçar tramas como "Football"
("Révolution/À coups de pieds/Entre deux solstices").
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