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José Telles

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


 


Alguma notícia do poeta: 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Natércia Campos

 

Eleuda Carvalho

 

 

 

 

 

 

 

 

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José Telles

  Fortaleza, Ceará - Sábado 11 de agosto de 2001

 


 
Sermões de Pradaria 

 
     Medicina e Literatura andam juntas, numa parceria improvável, mas que tem revelado talentos inquestionáveis no País. No Ceará não é diferente, temos médicos escritores que nos envaidecem pela qualidade e consistência do trabalho publicado, não só o científico, mas também o literário. O anestesiologista José Telles é um exemplo disso 

     Em seu livro “Sermões de Pradaria”, o terceiro de poesias, podemos ver o que ele chama de “metáfora do afeto, do passionalismo, das grandes paixões”. A obra foi lançada esta semana, com apresentação do acadêmico Juarez Leitão. 

     Tanto é verdade que na apresentação da obra, o professor e membro da Academia Cearense de Letras, Carlos D'Alge, analisa isso. “O poeta pratica e percorre a planície que é o objeto do seu desejo”. Ele cita os versos da “Sinfonia das marés e areias semoventes ou o Poema de Bitupirá” em que o poeta recria imagens líricas e telúricas dos pescadores, do quebra-mar, da sua aldeia, recordando, neste caso, o verso de Fernando Pessoa “todo cais é uma saudade de pedra”. 

     Ele completa: “José Telles mergulha fundo nos desencantos, angústias e conquistas. Sabe ele muito bem que tudo é efêmero ainda que possa nos parecer eterno”. 

     O livro de Telles tem aproximadamente 90 poemas. Como influências maiores, cita os escritores locais Jorge Tuffic, Francisco Carvalho, Dimas Macedo e Pedro Henrique Saraiva Leão, este último também médico e, como Telles, membro da Sobrames (Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Seção Ceará). Aliás, a obra é o primeiro livro editado pela Sobrames. 

     Sobre a quantidade de médicos escritores, Telles avalia que pela profissão ver muito a dor alheia, ter contato com a alma humana sofrendo, automaticamente “o ato de escrever é uma espécie de catarse”. 

     Essa catarse, Telles mostra em “Sermões de Pradaria”, com poemas prontos já há um ano, mas todos retrabalhados. Para publicá-los contou com o estímulo de Dimas Macedo e dos amigos. Foram eles que o autor recebeu na noite de lançamento, e que ficaram embevecidos com os poemas.André Marinho 

     Da Editoria do Caderno 3 

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José Telles

Ventanias dos Girassóis

 

 

     O perfume em ventania dos girassóis
     acorda meu olfato deprimido,
     espio pátinas de tempo
     em armários envelhecidos
     à procura de momentos em correria.

     No ancoradouro das latitudes
     ouço batidas e soluços protegidos
     nas salmouras do passado,
     do anátema das dores
     ou da argamassa dos meus sonhos
     retiro penas de choro
     e lágrimas de sofrença.

     Derramo a mágoa impura
     no úbere materno ou na cisterna do medo
     um tempo sem abrigo
     se deita comigo em correria
     a despeito da calma do efêmero
     —, o meu relógio eletrônico
     bate meia-noite na sínfise do meu púbis.

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José Telles

Autofagia

 

 

     Minhas
     lágrimas à noite,
     se escondem nos bares,
     onde derramo dores
     que escorrem lúpulo
 

     Os meus
     sonhos de dia,
     eu guardo em retalhos
     que embrulham lágrimas
     de vários tamanhos
 

     Os meus
     anseios acoplam,
     consuetudinários,
     nos meus escaninhos,
     buscando fórmulas de envelhecer
 

     E ainda
     agora, a minha aura
     esqueceu a hora de avisar
     meus sonhos, que se foram
     embora sem pedir licença.

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José Telles

Odor de Mistério

 

 

     No teu corpo
     há uma volúpia armada
     querendo sangue e areia
     e uma fuga amotinada
     no desabafo das convenções
     nas tuas margens profanas
     eu sou enchentes e cheias
     e na tua alma cigana
     o riso da minha alcova é a surpresa do dia.

     Essências e ritmos
     atropelam a minha carne
     e trucidam o odor do mistério
     lavas de alcova
     consomem pássaros de lama
     e ainda ouço a combustão do silêncio
     mas nossos corpos já ardem.

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José Telles

Acrofobia

 

 
 

     Na vastidão
     do meu corpo e no
     mistério da minh'alma,
     há um prolapso
     de tempo em
     compasso de espera.

     Porquês
     abrem e devoram
     meus escaninhos
     e podem, a qualquer
     hora, sair voando.

     E, quando
     às soltas,
     voam comigo
     em choro baixo,
     porque têm medo
     de acordar respostas.

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José Telles

O poeta e a rosa

 

 

     Estes seios bastos
     ora róseos, ora alabastros
     esperam cautelosos, momentos suicidas;
 

     Este ventre escondido
     querendo procura,
     esta pérola embutido
     nas cores do meu silêncio;
 

     Este corpo sem remorso
     insultando a vida
     e querendo desejos;
 

     Deixa-me expô-lo
     na clausura dos maus versos
     ou na agonia das minhas dúvidas.

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José Telles

O cio das palavras

 

 

     Nos altiplanos
     do teu corpo
     eu me escondo e me protejo,
     acalentando sonhos,
     fantasias e desejos.
 

     Cauteloso,
     colo pedaços de tempo
     no teu corpo onívoro,
     e descubro prazeres superpostos
     entre curvas e contornos.
 

     Deslumbrado,
     devasso o labirinto
     do teu leito, e sorvo
     essências cristalinas
     em conchas abstratas.

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José Telles

O dilema dos encontros

 

 

     Um tempo
     em síntese
     encurta o meu silêncio
     e adormece
     as vivências que já tive
 

     As horas
     em desmaio
     contraem os meus dias
     querendo
     ir embora a qualquer custo
 

     Há uma
     ventania do tempo
     abraçando o meu silêncio
     pelas costas
     num espaço muito curto
 

     Há um Eu
     formatando cálculos
     em círculos ou simulando
     números em
     minúsculas fórmulas de vida
 

     Há um
     começo e um fim
     fundido em paralelas
     na pressa dos meus
     poemas ou no dilema doas encontros.

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José Telles

Balada do amanhecer

 

 

     às manhãs
     o teu estro colorido
     esconde essências entre sorrisos indiscretos
 

     Indeciso,
     soletro dizeres e
     favores esculpidos no teu corpo
 

     Em tua
     tez onívora inda
     encontro restos de prazeres
 

     E nos teus
     olhos de surpresa,
     colho pedaços de talvez
 

     Piso palavras
     em tua boca mágica
     procurando a minha ausência
 

     Um silêncio
     mordomo confirma
     os meus desejos como vícios
 

     E, displicente,
     ao longe, longilínea,
     tu cavalgas sozinha, alada nos  meus sonhos.

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José Telles

In vino veritas

 

     Percebo
     os teus eflúvios concentrados
     facilitando
     o teu corpo intrometido
     no meu leito
     frágil, sem pedir licença.
 

     Sinto teus
     seios dourados e escanchados
     totalmente
     em minhas mãos e a tua face
     ansiosa
     repousando nos meus sonhos.
 

     Derramo
     amores no teu corpo eleito,
     e, alumbrado,
     acordo de peito aberto,
     apanhando
     saudades para quando eu me for.

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  Fortaleza, Ceará - Domingo 26 de agosto de 2001

  

Poeta de um novo tempo 
Até pouco tempo, José Telles era conhecido apenas por poemas esparsos nos jornais 
 
     A pradaria é por onde escorrem os ventos dos desabrigos - sinos do ar a excitar a mente dos loucos e dos poetas. Loucura e amor, sonhos e fantasias; magia, mistério e sortilégio, estão por dentro da poesia de José Telles.

     Sermões de Pradaria é um título estranho e singular, dos mais belos de nossa literatura. Na verdade, um achado poético raro e que se ajusta como luva ao todo simbólico do livro. É um texto substantivo: a palavra nova, essencial, em seu sentido totalizante e plural. A adequação é perfeita em sua organicidade - forma e estrutura conjugadas.

     Livro de um médico-poeta, ou melhor ainda, de um poeta-médico, o que não é a mesma coisa.

     Até pouco tempo, José Telles era conhecido apenas por poemas esparsos nos jornais e através das páginas da revista Literapia, que reúne intelectuais da Sobrames (Sociedade Brasileira de Médicos Escritores), confraria literária a que pertence. A obra foi editada recentemente pelas Edições Sobrames, Fortaleza 2001.

     É escusável dizer da beleza da edição (projeto gráfico de Heron Cruz, com ilustração de Alano de Freitas).

     A título de apresentação, o livro traz nas orelhas depoimento dos escritores Carlos d'Alge e Ruy Câmara; e na contracapa o crítico e poeta Dimas Macedo dá o alcance da obra no tempo. (O destaque vai para o retrato de Zé Telles, de casacão, lembrando Kafka e Samuel Bechett - Esperando Godot).

     O vigor de suas metáforas, por vezes audaciosas, oferecem ao leitor um mundo ainda virgem em sua visão premonitória.

     Zé Telles assume, em Sermões de Pradaria, um compromisso sério com a arte do fazer poético. E portanto é de se esperar que outros volumes de versos, à altura dos Sermões, apareçam no panorama da poesia brasileira, para dar continuidade à sua brilhante carreira, que ora se inicia promissora.

     O sensualismo não está ausente da sua poesia - é integração e tema - vertente rica e constante que afasta dúvidas e lembranças da morte e se mistura ao misticismo: "Estes seios bastos / ora róseos, ora alabastos / esperam cautelosos,/ momentos suicidas". Ou ainda: "No teu corpo / sobrevôo entranhas / e crucifico nos teus braços / os meus pecados em cruz".

     Por vezes metafísico, entre objetos e lembranças, descreve a casa: "Na sala/ um relógio de algibeira/ esconde o tempo no bolso".

     São muitos os arroubos líricos do poeta e suas confissões amorosas. José Telles nos oferece uma poesia de alto nível e traz uma carta de alforria no alforje que lhe assegura o êxito. O livro é bom quando não podemos deixar a leitura para mais tarde. E não foi outra coisa o que aconteceu comigo. Só encontrei o sossego ao virar a última página.

     José Telles é uma revelação da poesia de nosso tempo. Antes de mais nada, seu compromisso é com o homem e seu destino. E aqui encontramos o poeta social, solidário na dor e no sofrimento humano.Poeta heróico, exaltado no idílio amoroso e em todos os segmentos da vida. A delicadeza de seu verso não consegue esconder a angústia existencial que o oprime. Na luz de seus poemas a beleza flore e aflora aos nossos sentimentos. É este um poeta acentuadamente cristão, isso se constata a começar pelo título da obra. A plasticidade de seu estro é um detalhe impressionante: som, luz, cor, harmonia e musicalidade parecem andar de mãos dadas.

     Cultiva, Zé, com esperança a semente que Deus te deu. A semente que iguala os homens e marca sua breve passagem sobre a terra.
 
 
 
 

     José Alcides Pinto

     Ficcionista e crítico literário
   

 

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