O discurso lírico de José Telles
A projeção dos sentimentos, das atitudes individuais, ou seja, o eu que se inscreve como motivo maior, tudo isso tem caracterizado a poesia de José Telles. Seu discurso se volta, predominantemente, para o mundo interior, de onde se evolam imagens de um passado distante, fragmentos de paisagens, sombras de seres e coisas, para que, enfim, tudo se converta num exercício do encantatório. Percorrer tal universo é o motivo central dessa edição.
A escritura de José
Telles é, em sua
essência, sobretudo
lírica. Sua
cosmovisão,
portando, advém
filtrada pelo que,
dependendo da
relação que
estabeleça com o
estar-no-mundo, pode
anunciar-se como a
expressão de um
desencanto em
relação à engrenagem
social ou mergulhar
mais em suas
próprias entranhas,
mostrando-se, desse
modo, introspectiva
e de um acentuado
individualismo.
O solo das chuvas
Seu
mais recente livro,
O solo das chuvas,
vencedor do Prêmio
Osmundo Pontes/2007,
não só confirma tal
tendência, mas lhe
aponta, por outro
lado, mais uma
faceta: a de, livro
a livro,
concentrar-se,
predominantemente,
num determinado
interesse temático;
e, com tal
procedimento,
encontrar - o que
não deixa de ser
inusitado - caminhos
novos.
|
JOSÉ
TELLES,
em "O
solo das
chuvas",
firma-se
como uma
das
vozes
mais
destacadas
no
lirismo
contemporâneo
|
A
obra aberta
A obra de arte
literária comporta
abertura; nesse
sentido, visaremos a
uma exegese desse
livro, na busca de
identificar-lhe os
processos
estilísticos e os
caminhos temáticos,
visando, com isso,
descrever-lhe a
composição,
concentrando-nos,
especificamente, nos
processos
metalinguísticos.
O poema-título
imprime-se, antes de
tudo, como uma
epígrafe do próprio
livro, uma vez que ,
de certa forma,
tanto lhe antecipa
as preocupações
temáticas, como, por
outro lado, também
diz respeito a
determinados
procedimentos
estilísticos por que
há de orientar-se a
expressão literária
do Autor,
constituindo caminho
para a sua poética:
(Texto I).Trata-se,
portanto, de um
metapoema, uma vez
que reflete acerca
da relação que o eu
lírico mantém com o
fazer poético.
Decompostas as
"têmperas", isto é,
o ímpeto para a sua
caça às palavras,
entrega-se,
passivamente, à
insônia. No entanto,
surge "Um solo de
chuva", com a força
de seu sumo
inaugural: a poesia
apresenta-se ao
poeta, rompendo a
crosta que o
separava do
encantamento; por
isso, tudo o que é
efêmero se conserva,
magicamente, em sua
escritura, sendo,
assim, "o sal" de
seu "delírio". O que
a vida lhe tira, com
a gravidade de sua
ferrugem, recupera
poeticamente - e
isto o pacifica. O
verso "Um solo de
chuva", relacionado
à natureza geral das
composições, revela
a natureza plural do
título "O solo das
chuvas": se há uma
relação intrínseca
entre o poeta e o
poetar, o "solo" é o
livro; e as
"chuvas", os poemas
- suor e lavoura,
colheita do embate
do eu lírico com o
mundo.
A leitura da poética
de José Telles,
alicerçada na
recorrência dessas
imagens, deve levar
em conta o fato de
que, a rigor, o
silêncio a que visa
o poeta não
constitui um
elemento integrado
ao mundo exterior;
é, sim, oriundo do
próprio poema,
implicando, assim, a
busca da articulação
de uma outra
linguagem. Partindo
desse princípio, o
poema tem que ser
pensado, conforme as
reflexões de Carone,
"nos termos
dinâmicos de
movimentos
reversíveis que vão
da linguagem para o
silêncio que ela
mesma instaura" - a
perseguição de
possibilidades
outras de
construção.
Do silêncio
Enumeram-se,
portanto, tais
procedimentos de
composição em
consideráveis
passagens do livro,
instaurando, muitas
vezes, um movimento
de fluxo e de
refluxo - da
linguagem para o
silêncio; deste para
aquela, como, por
exemplo, no excerto
do poema
"Fragmentos": (Texto
VI)
Como se vê, agora, a
"copa do silêncio"
já não se impõe como
uma crosta
inviolável; ao
contrário, nela as
"intimidades e
juras", porque são
fragmentadas têm
ferida a "virgindade
dos segredos". Uma
desordem, portanto,
imprimi-se; assim, o
"hálito das
palavras" - tomado
aqui com a mesma
ideia de sopro, de
criação, assoma,
para, com a sua
semente de vida,
outra vez
estabelecer a "ordem
das coisas",
reinventando a
existência.
O poema-mundo
As composições de
metapoesia
constituem,
curiosamente, um
caminho por que se
constrói a teia que
envolve as relações
do eu com o mundo. A
simples contemplação
das palavras ou
mesmo o registro do
processo de
construção do texto,
qualquer desses
expedientes pode
servir de recurso
para a explicação do
haver. É como a
seguinte paráfrase:
conhece a palavra
para conhecer-te a
ti mesmo. Quanto a
isso, vejam-se os
versos do poema
"Prelúdio": (Texto
VII)
A ideia de prelúdio,
exposta no título,
relaciona-se a
prenúncio, isto é,
ao que precede ou
anuncia alguma
coisa. Sendo assim,
na primeira estrofe,
a atmosfera é de dor
e de melancolia -
prenúncio das perdas
que caracterizam o
ato de viver: os
sonhos que, pouco a
pouco,
transformam-se em
detritos.
Na segunda estrofe,
porém, surge a
natureza de remissão
da poesia, pois esta
faz ressurgir o que
tempo vai,
paulatinamente,
corroendo com a sua
indefectível
ferrugem. Ao
fotografar "noites
para guardar
silêncios", o eu
lírico anuncia a
disposição para o
ato de escrever; o
que, por certo,
deverá acontecer no
tecido das
"madrugadas" - a
concha em que se
depositam os
"segredos".
As palavras, por sua
vez, necessitam ser
cortejadas por ele,
ou seja, ele há de
persuadi-las a um
encontro, para que
delas extraia o
"mofo" que se
deposita sua pele,
para, enfim, ser
revelada a natureza
daquela "solidão",
motivo da "tristeza"
do eu lírico.
Notícias do eu
Tendo como base
ainda essa temática,
outro bem-realizado
poema, em que os
elementos do eu se
fundem às entranhas
do poético, está em
"Autorretrato":
(Texto VIII)
Em muitos momentos,
de O Solo das
Chuvas, direta ou
indiretamente,
ocorre a associação
entre poema e sal;
nesse sentido, ambos
comportam o poder da
conservação;
entanto, o que não
se decompõe, o que
não se corrompe é o
passado, que a
memória, através do
poético, esculpe em
experiências as mais
diversas: "havia uma
fita-veludo / no
solar da minha
infância"; "Em
legendas de pedra, /
madrugadas me
contemplam"; "porta
aberta / dentro de
mim"; "Nas tábuas
onde escrevo minhas
juras, / o indez do
passado me alucina";
"Fatias de paisagem
/ alimentam meus
olhos empalhados";
"A fúria dos
espelhos / trinca o
azul de minhas
lágrimas"; "Minha
realidade é feita de
histórias / que meu
corpo já viveu";
dentre tantas outras
passagens que
confirmam o verso:
"Tudo é cadastrado
no sal de meus
poemas".
Outro topos
Também, em muitos
poemas de José
Telles, revela-se a
concepção do mundo
às avessas, cerzido
por linhas de
contrastes. O
indivíduo, isto é, o
ser que se divide,
perdido de si e dos
outros, despido das
utopias em geral,
sofre uma
estranheza, daí a
sua inquietude.
Estrangeiro,
transita por uma
cidade outra,
caminha, por conta
disso, por outras
veredas.
Assim, o topos do
"paraíso perdido" -
daí a instauração de
um "mundo às
avessas" -
desenvolve-se por
linhas bem nítidas:
ora a apologia ao
passado como
oposição ao
contemporâneo; ora
na magia do poético,
por ser este capaz
de construir novos
mundos, ou melhor,
um mundo próprio,
tão-somente seu,
onde o eu lírico
possa, finalmente,
pacificar-se.
A face do ontem
Dentre os poemas que
se concentram no
tema da recuperação
do passado, "Ciranda
da minha vida", é,
sem dúvida, um dos
mais
representativos.
Trata-se de uma
composição de grande
fôlego, (é o mais
longo poema do
livro) de difícil
realização, mas que
não se desvia do
eixo do discurso
poético, em ritmos
Vila de
Bitupitá:das
cartilhas
de suas
areias e
do
discurso
das
águas, o
poeta
José
Telles
capta os
elementos
fundamentais
para a
construção
de seu
discurso
|
caudalosos
e prolongados:
(Texto IX). A vila -
metonímia da pátria
do eu lírico -, em
vez de surgir a
partir de
configurações da
arquitetura, da
fauna ou da flora,
instaura-se no olhos
do leitor, conduzida
por elementos da
natureza, uma vez
que tais comportam o
eterno.
A princípio,
depara-se o "vento"
- a imagem do
fugidio, mais
comumente associada
à ideia de tempo.
Não sem motivo, é
ele - o vento - o
mensageiro das
"ilusões", isto é,
tudo o que se
decompõe, o que,
inexoravelmente,
sofre a corrosão do
tempo.
As "tardes", por sua
vez, eram as "donas
das conversas";
assim, tanto as
"conversas" quanto
as "cirandas"
estavam sob o jugo
daquele "vento".
Depois, vê-se uma
medida agrária - o
acre - aplicada às
"lagoas"; o que nos
permite inferir a
presença das praias
e, assim, por
extensão de sentido,
a do mar, em cujas
espumas, o "sol"
cumpria o ritual de
seu "suicídio".
Tudo, em verdade,
são espelhos, abrigo
de intensa
luminosidade, a
inebriar as
lembranças do eu
lírico.
Por fim, a
contraposição com o
presente, impregnada
no termo "Hoje" - o
espaço da desolação
e dos tormentos. O
termo "fantasmas"
sintetiza a
desintegração de
tudo o que
alimentava, nas
terras do ontem, a
alegria do eu
lírico. Por isso,
nesse "Hoje", a
"vila" - a que
realmente é motivo
de seu interesse -
habita "velhas
fotografias",
impressas, com fogo,
nas páginas do
poema.
Ainda
levando-se
em
conta
os
elementos
recorrentes
na
escritura
de
José
Telles,
assoma
a
sua
forte
relação
com
o
passado.
Trata-se,
porém,
de
um
passado
imemorial,
pois,
sobre
este,
recai,
mais
do
que
a
imagem
da
infância,
a
reconstrução
de
um
tempo
marcado
por
intenso
atavismo,
consoante
a
leitura
de
"Jardim
com
pássaros
e
silêncios":
(Texto
II)
Leitura
do
poema
Nesse
poema,
o
espaço
é
absoluta
relevância.
A
voz
lírica,
naturalmente,
não
se
detém
por
sobre
os
elementos
colhidos
de
uma
vivência
cotidiana,
de
que
se
reconhecem
os
elementos
que
a
confiram.
Não.
Observemos
que,
na
primeira
estrofe,
em
vez
de
homens,
na
sua
luta
brava
pela
conquista
do
dia-a-dia,
"caminham
segredos"
nas
"ruas";
e se
há
"um
porto",
nele
"navegam
os
mortos".
Nesse
sentido,
as
imagens
das
"ruas"
e do
"porto",
sendo,
em
seu
bojo,
abstratas,
remetem
ao
longe,
uma
terra
talvez
da
infância,
quer
seja
esta
uma
experiência
individual
ou
coletiva.
Nesse
poema,
também,
os
exercícios
de
metalinguagem
orientam
a
criação
poemática,
ainda
que
possam,
também,
inscrever-se,
tão-somente,
como
uma
digressão
e
não
se
concentrar
nos
vazios
ou
nos
empecilhos
do
ato
de
criação
poética
O
eu e
escrita
Mais
uma
vez,
deparamos
a
relação
do
poeta
com
o
poema:
preso
a
uma
"gaiola
de
pedra",
as
palavras-pássaro
- as
que
comparecem
à
sua
ceia
-
incitam-no
à
libertação
pelo
poético;
é
como
se
apenas
a
partir
do
ato
de
fazer
poesia
fosse
possível
a
tessitura
dos
voos.
Sendo
assim,
contemplando
essa
inefável
e
incorpórea
"paisagem",
o eu
lírico
retira-lhe,
tacitamente,
o
adubo,
triturando
o
mosto
desse
momento,
para,
por
fim,
livrar-se
daquela
"gaiola"
e,
invertendo
a
situação,
encadernar
aquelas
palavras-pássaros,
isto
é,
pô-las
nas
grades
de
uma
folha
de
papel
e,
depois,
juntá-las
ao
livro.
A
natureza
do
poético
Em
"Palavras
no
azul",
José
Telles
versa,
mais
uma
vez,
acerca
da
problemática
da
palavra,
vendo-a,
ao
mesmo
tempo,
como
elemento-chave
para
a
inserção
do
sujeito
no
mundo.
Parece,
assim,
responder
às
inquietações
de
Bourdieu:
"O
que
faz
com
que
uma
obra
de
arte
seja
uma
obra
de
arte
e
não
uma
coisa
do
mundo
ou
um
simples
utensílio?".
Tomando
a
palavra
como
a
essência
do
material
poético,
procura
palmilhar,
assim,
a
natureza
de
sua
pele:
(Texto
III)
Ao
afirmar
que
espera
"a
noite"
para
escrever,
pois
esta
"facilita
o
amanhecer
das
palavras",
o eu
lírico,
a
partir
de
um
jogo
antitético,
atrela
o
poético
ao
espaço
do
sonho,
do
lúdico.
A
poesia
assume,
com
tal
perspectiva,
uma
forma
transcendental,
pois
além
da
procura
de
uma
expressão
formal
que
traga
novos
conteúdos
de
composição
textual,
o
poeta
visa,
também,
a
uma
própria
conceituação
de
sua
atividade
criativa:
põe-se,
de
chofre,
à
espera
das
palavras,
para
que
estas
ocupem,
em
definitivo,
a
sua
forma
definitiva,
a
ser
ditada,
então,
pelo
poema.
O
eu e
o
outro
Desse
modo,
num
emaranhado
de
sugestões,
o
poético
se
instaura
a
partir
do
desvio
sofrido
pelo
termo
"prolapso",
pois
este,
metaforicamente,
estabelece
um
elo
entre
a
exterioridade
-
sugerida
por
"contorno",
remetendo,
assim,
a um
corpo,
expressão
da
matéria
física
- e
a
interioridade,
definida
por
"alma".
As
"palavras"
expressam
o
sentido
do
que
seja,
deveras,
um
poeta:
um
ser
de
quem
só
se
conhece
o
"contorno",
ou
seja,
circunscrito
apenas
em
sua
superfície;
e é
exatamente
isso
o
que
dele
elas
dizem,
se
postas
no
eixo
da
horizontalidade;
por
outro
lado,
as
"palavras",
estando
num
permanente
torvelinho,
quando
mergulhadas
em
sua
subjetividade
-
dele,
poeta
-,
revelam,
agora
de
modo
vertical,
que
ele,
também,
não
sabe
de
si;
desse
modo,
por
desconhecer
seus
próprios
abismos,
vive
a
vigília
de
uma
vertigem,
sendo:
"prolapso
no
carrossel
das
heranças".
Se,
dentro
dele,
muitas
"palavras"
se
perdem
em
múltiplas
veredas,
ele
sofre
o
mesmo
desastre
e,
sendo
um "prolapso",
conhece
quedas,
perdas;
e a
poesia
se
converte
em
elemento
de
salvação.
Sendo
"líquido"
quando
escreve,
o eu
lírico
precisa
dos
"cílios
da
memória"
para,
assim,
conservar
o
seu
"passado";
e
mais:
necessita,
antes
de
tudo,
inventar
uma
"realidade"
só
sua,
a
fim
de
que
possa,
com
tal
recurso,
estabelecer
uma
ponte
entre
o
ontem
e o
hoje,
na
cristalização
daquele
"azul"
- a
que
o
título
do
poema
remete
numa
rede
de
simbolização.
O
corpo
poético
A
leitura
de
José
Telles
deve,
também,
levar
em
conta
os
procedimentos
acumulativos
com
que
é
realizada
a
construção
do
eu
poemático.
Há,
uma
vez
sublinhadas
as
linhas
de
que
é
constituído
o
sujeito
da
escrita,
um
leque
de
fragmentos
desse
mesmo
eu,
que,
assim
reunidos,
estabelecem,
então,
entre
si
vasos
comunicantes.
À
medida
que
o
texto
vai
sendo
percorrido,
emana
um
conjunto
de
inferências
que
nos
coloca
diante
da
realidade
do
poético:
"Efetivamente,
se a
obra
poética
tem
seu
fim
em
si
própria,
tem
no
leitor
o
seu
meio:
objeto
essencialmente
sensível,
ela
só
existe
verdadeiramente
quando
apreendia
e
consagrada
por
esta
recepção",
conforme
reflexões
de
Dufrenne.
Um
desses
encontros
ocorre,
por
exemplo,
em
"Silhueta
Empalhada":
(Texto
IV)
Instaura-se,
aí,
o
conflito
eu
versus
mundo,
numa
perspectiva
pós-moderna,
pois
o
que
se
ressalta
é a
desfiguração
do
sujeito,
acentuada
por
uma
escolha
lexical
lancinante:
"olhos
empalhados";
"o
espantalho";
"fístulas"
e "ampulheto"
-
este
último
termo
como
uma
licença
de
neologismo.
Naturalmente,
inquieta
o
leitor
esse
ato
de "ampulhetar"
as
"fantasias":
ante
a
"falha
da
memória",
ocorre,
a
rigor,
uma
dissolução
-
parcial
ou
não
- do
tempo;
viscoso,
este
escorre
das
"fístulas
que
choram
lendas";
desse
modo,
a
magia
dessa
flauta
une-se
às
"Fatias
de
paisagem",
convertendo-se
em
alimento
para
aqueles
"olhos
empalhados",
para
que,
assim,
o
"espantalho"
consiga,
então,
de
todo,
libertar-se;
A
palavra,
em
seu
estado
poético,
é,
ao
mesmo
tempo,
voz
e
silêncio.
José
Telles
persegue
as
diversas
possibilidades
da
linguagem,
compreendendo-a
sempre
como
material
estético.
Sob
a
crosta
da
palavra,
adormece
um
mundo,
mas
disposto
a
descortinar-se.
A
palavra
traz
em
seu
bojo
um
simbolismo;
muitas
vezes,
o
poeta
constrói
um
dizer
quando
se
cala;
pois,
a
rigor,
é o
texto
literário
o
"lugar
de
uma
perda"
- a
perda
do
ignoto,
conforme
os
versos
do
excerto
do
poema
"Assimetria
dos
silêncios":
(Texto
V)
Feixes
estilísticos
Tais
"silêncios"
são,
evidentemente,
palavras
e,
por
extensão
de
sentido,
a
própria
poesia,
ainda
que
não
encarnada
sob
a
forma
de
versos.
Como
uma
cimitarra,
esses
"silêncios",
capazes
de
abrir
"feridas",
inexoravelmente,
"sangram"
-
não
o
seu
próprio
sangue,
mas
o
dos
seres
e o
das
coisas,
cujas
cartilagens
puseram
expostas.
Texto
e
contexto
Atentemos
para
o
jogo
sintático
do
terceiro
verso:
"a
boca
cheia
como
se
fossem
um
grito";
ao
realizá-lo,
o eu
lírico
desloca
o
sujeito
de
"fossem"
de
um
natural
referente
-
"boca"
- em
direção
a
"silêncios",
descortinando
as
vozes
que
carregam
consigo.
Essas
vozes,
porém,
permanecem
ainda
sob
a
crosta
do
taciturno,
do
que
não
se
revela
em
sua
corporeidade.
É
como
se
temessem
a
materialidade;
desse
modo,
dispensam,
assim,
"a
cortesia
das
lágrimas";
mas,
caladas,
falam.
São
sílabas
do
silêncio.
TEXTO
II
Nestas
ruas
onde
caminham
segredos
existe
um
porto
onde
navegam
os
mortos
Estes
pássaros
jantam
comigo
e me
convidam
a
voar
nem
percebem
que
estou
preso
nessa
gaiola
de
pedra.
No
salitre
da
paisagem
rumino
silêncios
e
encaderno
palavras
Os
pássaros
recolhem
minhas
perdas.
TEXTO
III
Quando
escrevo
espero
a
noite,
- a
noite
facilita
o
amanhecer
das
palavras.
As
palavras
definem
meu
contorno
e se
bifurcam
n´alma
sou
prolapso
no
carrossel
das
heranças.
De
meu
passado
fogem
pérolas,
enfeitadas
com
os
cílios
da
memória.
Invento
minha
realidade,
sou
líquido
quando
escrevo.
TEXTO
IV
Fatias
de
paisagem
alimentam
meus
olhos
empalhados
minha
silhueta
liberta
o
espantalho
oculto
em
minha
face
do
meu
passado
fístulas
choram
lendas
ampulheto
fantasias
por
falha
de
memória
sou
âncora
das
sombras
e
dos
ventos
TEXTO
V
Tenho
silêncios
que
abrem
feridas
e
sangram
a
boca
cheia
como
se
fossem
um
grito
e
tão
maltratados
pelo
medo
que
dispensam
a
cortesia
das
lágrimas.
TEXTO VI
Tudo fere a
virgindade dos
segredos,
até na copa do
silêncio
fragmentam-se
intimidades e juras,
o hálito das
palavras
estabelece a ordem
das coisas.
TEXTO VII
Quando a dor espalha
seus
despejos
minha tristeza dança
e se
agasalha
e minh´alma começa a
entristecer
fotografo noites
para guardar
silêncios,
escolho madrugadas
para
contar segredos,
cortejo dores e
metáforas
para o discurso do
medo,
tenho n´alma o pó da
solidão,
e mofo nas palavras
que escrevo.
TEXTO VIII
Erros apodrecem
minha carne, abrigo
nas entranhas
o sangue clandestino
de meu pai,
minh´alma é infiel
como o silêncio
e dona de profana
encarnação, na
flacidez de meu
corpo ela
se deita
e aproveita os
favores
do pecado
em dilemas vãos, que
a
mim trucidam.
Tudo é cadastrado no
sal de meus poemas.
TEXTO IX
Em minha vila,
o vento circulava
entregando
ilusões de porta em
porta,
as tardes eram donas
das conversas,
e se escutava a
ciranda
dos segredos das
morenas.
[…]
Em minha vila havia
acres de
lagoas,
onde minha
desobediência
alegremente
mergulhava,
as estrelas
iluminavam as ruas
e lamentavam o
mergulho
suicida do sol
[…]
Hoje, tenho
fantasmas
que Se obrigam a
dormir tarde, mas
tenho amores
que nunca saíram de
mim.
Contente com a
fartura
de silêncios,
minha vila adormece
em
velhas fotografias
O QUE
ELES PENSAM
A trama da
sensibilidade lírica
do poeta
"Críticos da maior
expressão já
elogiaram os poemas
de José Telles com a
maior convicção. Seu
nome já é bastante
conhecido, dentro e
fora dos muros da
tribo, por
intelectuais afeitos
aos misteres e
desafios da
literatura. Sua
poesia foge
sabiamente às
seduções do
receituário
acadêmico. Seus
poemas são breves
revoadas de
palavras:
entrelaçamento da
ansiedade com a
técnica".
Francisco
Carvalho
Poeta
"A trama da
sensibilidade -
assim creio
poder-se-ia nomear o
exercício poético de
José Telles, todo
acompanhado de uma
técnica a guiar as
emoções. Não há - ou
é raríssimo
encontrar - uma
passagem, por mais
eivada de sentimento
(isso, sim, não raro
encontrar-se) que
não traga o timbre
de uma técnica de
linguagem erigida
sobre patamares de
uma sólida coesão
textual".
Luciano Maia
Poeta
"José Telles não
abre mão do silêncio
como a órbita de
suas constelações
temáticas. O
silêncio-personagem,
confidente ou
antagônico. O
silêncio da culpa
com suas "goteiras
de saudade". A
paisagem com suas
tardes viúvas. O
silêncio das
fraturas em tempos
de aceitação. A
pedra e o sangue das
raízes; a dor e o
pânico nos sargaços
da idade madura:
lembranças, fugas,
cicatrizes".
Jorge Tufic
Poeta
"No reino da imaginação, as possibilidades são infinitas e, nesse infinito, o realismo da irrealidade acontece".
Betina Rodrigues da
Cunha
Doutora em Letras
"Se quisermos saber
o que diz o texto,
devemos interrogar
também o seu
silêncio. Não o
silêncio que se
situa antes da
palavra, mas o
outro, o que fica
depois dela".
Berta Waldman
Ensaísta
"O poeta que apenas
se contenta com o
fácil, com a
primeira imagem, que
não a submete a uma
auto-análise, não
está, assim,
procedendo como um
artista".
Gilberto Telles
Poeta e ensaísta
"Entre linguagem e
sociedade corre um
vínculo estreito,
não determinista,
que faz com que a
sombra desta se
projete no semblante
dessemelhante
daquela".
Luiz Costa Lima
Ensaísta
Fique por Dentro
O poeta
lírico
O poeta,
quando lírico,
concentra-se no eu;
nesse sentido, a
poesia lírica trata
das projeções da
alma; isto é, a
maneira por que as
essências humanas
são filtradas pela
subjetividade da voz
poemática. O lírico
pouco se deixa tocar
pela realidade
circundante; a
matéria de seu
discurso é o círculo
fechado onde se
inscreve a sua
experiência anímica.
Assim, mesmo que, em
seus versos, haja
elementos
configuradores do
cotidiano, estes,
uma vez captados
pelo sujeito do
discurso, surgirão
deformados: o mundo
ao redor é, pois,
apenas um referente
para que o eu lírico
possa, então,
percorrer os
misteriosos
corredores de sua
interioridade. A
literatura
brasileira possui
uma fecunda tradição
lírica. Ainda no
período colonial, as
duas expressões
estéticas - o
Barroco e o
Arcadismo -
desenvolveram, o
discurso do eu.
Saiba Mais:
BOURDIEU, Pierre. As
regras da arte. São
Paulo: Companhia das
Letras, 1992
CARONE, Modesto. A
poética do silêncio.
São Paulo:
Perspectiva, 1979
CONNOR, Steven.
Cultura pós-moderna.
São Paulo, Loyola,
1993
DUFRENNE, Mikel. O
poético. Porto
Alegre: Globo, 1969
MASSAUD, Moises. A
criação literária.
São Paulo: Cultrix,
1967