Jorge Tufic
"Suíte"de Beça ou a dança de Zorba diante dos furacões
Dominador infalível da nomenclatura
musicográfica, Aníbal Beça dedica o seu longo poema "Suíte Para os
Habitantes da Noite" exatamente aos que habitam as cavernas
luarenses da Deusa Negra, sorridente e misteriosa. mas o que tem a
ver esse título e os correspondentes subtítulos do livro com os
habitantes da suíte imaginária que lhe serve, no entanto, para
abraçar as múltiplas variações de um belo itinerário poético, sólido
e raro? É a pergunta que nos ocorre no decurso da viagem através de
suas páginas extensas e generosas. Logo logo, porém num como
regresso à ordem de leitura, Marcus Accioly abona os aparentes
excessos da titulagem com a palavra do mágico: "Aníbal Beça é Dédalo
(construtor do labirinto de palavras) e é Teseu (não perde o fio de
Ariadne) desafiando o Minotauro do poema".
Aparentemente subtraído à luta e aos
embates do nosso cotidiano operário, mas parte dele como aspiração
da Poesia ao pleno alcance de todos, pobres e ricos, este livro de
Aníbal pesa no tamanho e pesa no conteúdo. Esbanja poesia, recria o
discurso usual e chuta em gol, profundamente, abalando os arcos do
comodismo, da improvisação e da mania chula e corrente do fazer
marginal, sincopado e medíocre. Trabalho sereno o poeta mobiliza a
noite e seus habitantes como testemunhas da insônia criadora, da
nuvem, do solo ausente, da curva estelária, do tigre e do chão. O
livro todo, no fundo, é uma balada extraída da noite e dos
habitantes de uma cidade imaginária, de um tempo de seres remotos,
cujo resgate parece iminente.
Dignas de nota, por outro lado, são
as referências, embora de passagem, às raízes dessa cultura das mil
e uma noites ao som e à luz da herança andaluza, através do alfenim,
da laila (ou laile) e daquele trecho de Garcia Lorca que encima o
poema XVI (Pastorália com duas leituras para solo de avena). Estes
ares, solenemente enraizados na metáfora dosbons cantadores de cepa
lusitana, mergulham, também, na lembrança de um passado
inexplicavelmente submerso nas trevas do esquecimento e da morte.
Onde, assim, o fárass de Antar aos luares de Kadija? Onde os textos
de ouro recolhidos do saber indireto e da poesia dos Sufis? E a
noite dos contos intermináveis que transformam a sentença de morte
num cântico de amor e liberdade? As invocações do poeta são justas e
se encaixam na dança de Zorba como quem disputa um terreno arenoso e
difícil contra os redemoinhos do vento.
"Serpente furtiva", o poema ou os
poemas deste livro de Aníbal Beça restabelecem a vontade de criar e
dar à beleza das noites que trazemos dentro de nós o brilho inédito
de uma transfiguração a que nunca devem falta os brindes nem os
verdadeiros convivas da serenata. Amigos e autores prediletos
recebem, também, a homenagem do autor na parte final do volume,
"poemas dedicados".
Belíssima nave constelada por tantos
sons e orquestras fartamente dotadas dos mais sofisticados
instrumentos musicais, a "suíte dos habitantes da noite"segue,
repleta, em direção ao sucesso e ao merecido êxito literário. Finale
- Piú soave - de um período no qual Majnun ainda perde o juízo por
Laila: no caminho certo, entretanto, para incorporá-la, de vez, aos
tecidos do canto.
Leia Aníbal
Beça
|