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                   Para Luís 
                  Antonio Cajazeira Ramos  
  
                   
                  Já repeti o antigo encantamento. Sim, já repeti.  
                  Pousei meus olhos nas pausas do amplo vento.  
                  E nada. As feias deidades zombam de mim.  
                  Meu coração partido, assim, é como um pórtico sobre o mar.  
                   
                  Poesias de ninar o Tempo. Vêm de dentro,  
                  como se tivessem raízes. Amasso os versos e jogo no lixo.  
                  Bicho humano, saio à cata do que fui. E encontro.  
                  Poemas esparramados. O que me alimenta, flui em mim.  
                   
                  Na curva extrema do caminho, extremo do que penso.  
                  E o mundo inteiro cabe aqui, dentro do peito.  
                  Se eu morresse amanhã, meus sentimentos ainda estariam  
                  acesos. Minha mãe e minha irmã se resignariam.  
                   
                  Versejar é deixar-se perder, em mar aberto, sentindo a dor das 
                  quilhas.  
                  É entregar-se voluntário aos piratas em troca da visão do 
                  ouro.  
                  Cavar a terra, em busca dos tesouros, até que as unhas fiquem 
                  pretas.  
                  Toda vida é possível e suportável quando perdemos as certezas.
                   
                   
                  Restam as letras, crescendo para o nada.  
                  Dando em palavras, como rosas pluriabertas.  
                  Mando um buquê pro meu amor, depois de uma noite de tormenta.
                   
                  E navegamos, em prazer e dor. Será que eu sou medieval?  
                   
                  Na mídia da novidade média, em um museu de grandes novidades,
                   
                  às margens de um curral cheio de bestas. Sou eu,  
                  desferrolhado e indecente, fragmento de uma década.  
                  Pálida de espanto, escancaro as janelas.  
                  E o ar frio quase congela em meus pulmões.  
                   
                  Quem dera, irmos juntos, Anarina, viver de brisa.  
                  Descer do Rio pra Passárgada, hospedar-se no Esplanada.  
                  Viver de nada. “Freedon is just another word...”  
                  Passar na porta da Tabacaria, saudar a moça morta no edifício 
                  Miramar.  
                  Convencer Ismália a não se atirar. Quem dera, quem dera...  
                   
                  Tecer a pele com a poesia de todas as eras,  
                  todas as heras. Fechar as janelas, abrir o gás.  
                  Amar Faon, mais que a Anactória.  
                  Deixar que os corpos se entendam, para além das almas.  
                  E suspirar, fumando um cigarro. A boca seca de beijo e álcool.
                   
                   
                  Aqui estão as minhas armas. A munição é o sentimento.  
                  E sinto muito. Pelo que inexiste de poesia em minhas raízes.
                   
                  Hoje tão mal, entregue ao mal. E está tudo como antes,  
                  tudo como antigamente. A Divina Comédia Humana,  
                  cruel e cotidiana. Como em Dante e como dentes. 
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