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Luís Antonio Cajazeira Ramos



O Poeta é entrevistado por Kátia Borges


A celebração da poesia
 


In A Tarde, Literatura
19.08.02

 


LANÇAMENTO - O poeta Luís Antonio Cajazeira Ramos lança o livro Temporal Temporal, na próxima quinta-feira, na Academia Brasileira de Letras.
 

A poesia baiana faz festa no saguão do Espaço Cultural da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, na próxima quinta-feira, às 17 horas. Na ocasião, o poeta Luís Antonio Cajazeira Ramos estará lançando nacionalmente o livro Temporal Temporal, grande vencedor do Prêmio Gregório de Mattos, promovido pela Academia de Letras da Bahia, com a presença do presidente da ABL, Alberto da Costa e Silva, e do secretário-geral, Ivan Junqueira. O presidente da ALB, Cláudio Veiga, também estará presente, bem como a poeta e acadêmica Myriam Fraga, dentre outros escritores, que irão da Bahia especialmente para o evento. Na entrevista a seguir, o autor fala sobre as polêmicas que envolvem o fazer poético no Brasil e sobre as peculiaridades da sua obra, elogiada por Antônio Houaiss e Moacyr Scliar, dentre outros.

“À crescente agitação do mundo corresponde uma poesia que leva cada vez mais à reflexão”
 



Kátia Borges - Em seu livro, antes de qualquer coisa, o leitor depara-se com um pedido, quase um desafio: “Não leia agora, aguarde a solidão tomar conta de você”. Em sua opinião, qual o espaço da poesia em um mundo em que momentos de solidão, propícios à leitura, são cada vez mais raros?

Luís Antonio Cajazeira Ramos - O édito não é um pedido, é uma ordem. O leitor que ousou desobedecer caiu em desgraça e desaprendeu a ler poesia. Anda por aí, confundindo-se e confundindo, cantarolando graciosamente. Com certeza, vai morrer como as cigarras, as formigas e as vacas de presépio. Enquanto isso, o poeta, em seu fazer poético mais autêntico, lê poesia. A sós aí e em tudo. E não creio que hoje somos menos solitários. O ser humano é essencialmente só. Estar no mundo é comunhão em solidão. Quanto mais ocupação, tanto mais solidão. À crescente agitação do mundo corresponde uma poesia que leva cada vez mais à reflexão.

KB - Para aqueles que acompanham sua trajetória poética, Temporal Temporal surge, com grata surpresa, como uma compilação deliciosa, incluindo tudo o que foi publicado até então. Se inicialmente o livro seria apenas a poesia inédita que venceu o Prêmio Nacional Gregório de Mattos, o que fez com que o formato fosse alterado, transformando o trabalho em obra reunida?

LACR - Quando saiu o resultado do prêmio, eu vinha trabalhando numa segunda edição do primeiro livro, Fiat Breu. Trabalhando mesmo, pois a releitura fez-se acompanhar de um refazimento dos poemas, mudando uma palavra aqui, uma frase ali, um ou mais versos acolá, mexendo em quase tudo. O livro é quase outro. No embalo, editorei o conjunto dos três livros num só, enquanto Aleilton Fonseca fazia um estudo de minha poética, que aproveitei como prefácio. Gláucia Lemos fez a revisão e Vauluizo Bezerra, a capa. Editorado, prefaciado, revisado, ilustrado, a Relume Dumará aceitou editar tudo com o orçamento previsto para um só livro. A Academia de Letras da Bahia, a Copene e o Fazcultura não colocaram obstáculos.

KB - Como foi o processo de seleção dos poemas anteriores e do material inédito, que entrou como uma espécie de bônus poético?

LACR - Fui tão condescendente comigo mesmo que quase não houve seleção de textos. Eliminada a meia dúzia de três ou quatro poemas equivocados, incluí no livro todo o resto, como se qualidade tivesse. Antes de excluir definitivamente um poema, tento recuperá-lo. Só o dou por terminado quando cada palavra, cada verso, cada encadeamento de idéias e imagens está ritmicamente disposto para expressar a carga lírica que eu quis imprimir. Então, leio e releio o poema, deleito-me e assino embaixo. Lá adiante, minha compulsão devolve-me ao mesmo poema, para repetir o processo. Nenhum poema está acabado. Temporal Temporal é a poesia provisória na data em que o livro foi para a gráfica.

KB - Como funciona a cabeça de alguém que se encontra com a poesia, como você, após certa maturidade profissional e é arrebatado por ela, acolhido por ela e laureado continuamente? O desafio do verso novo ainda o estimula ou aterroriza?

LACR - Essa história de maturidade profissional... Não é bem comigo que você está falando, é? Realmente, a poesia veio a mim na idade adulta, e insisto sempre em dizer que não fiz um único poema na infância nem na adolescência. Tinha 23 anos quando escrevi o primeiro verso. Virei poeta quando passava dos 30 anos. Em meu caso, não há como fugir à embromação de dizer que a poesia foi arrebatamento e acolhimento, sim. No entanto, não faço versos como desafio de estímulo ou pavor. Outro dia, James Amado me disse que via perpassar meu livro algo mais que surpresas formais e riqueza de conteúdo. Ele compartilhou de uma onipresente alegria poética que não está escrita nos versos, um permanente gozo de ser poeta. Quanto à láurea contínua, chama-se Laura, minha filha adotiva.

KB - Recentemente, surgiu uma grande polêmica nos meios literários, instigada por críticas negativas ao poeta Alexei Bueno, que é seu amigo pessoal, e acirrada por uma carta assinada por Alexei, em que ele contesta todos os critérios hoje em voga, segundo ele, nas igrejas literárias do Sul do País. Qual sua opinião sobre isso?

LACR - Li o artigo de Alexei, mas não lembro de seus termos, a não ser em linhas gerais. Sua artilharia volta-se não contra tudo e todos, e, sim, contra a falsa poesia que boa parte da mídia destaca, abona e glorifica. Além de poeta, Alexei é grande leitor de poesia e sabe o que diz. Assim como ele, chamo de poesia algo cujo conceito não se expressa satisfatoriamente em palavras, mas cuja forma se expressa necessariamente em palavras, que se organizam em versos, numa sintaxe carregada de riqueza semântica e rítmica, constituindo-se numa linguagem que evolui continuamente no tempo e, paradoxalmente, é a mesma eternamente. A poesia é axial sob qualquer aspecto, mas, como não sou nada além de um poeta, que existam por aí os universos poéticos paralelos não é algo que me ocupa tanto a atenção.

KB - Você concorda que há resistência da imprensa do Sul aos nordestinos? Em caso positivo, de que modo poderíamos driblar o fato desfavorável de sermos do Nordeste?

LACR - Eu tinha essa impressão de resistência dos grandes centros aos autores de fora, até que passei a circular por lá e constatei que a resistência inclui os de dentro. É muito difícil para um poeta carioca ou paulista conseguir espaço em seus jornais. Os espaços para a literatura em cada jornal estão diminuindo muito, resumindo-se a noticiar os lançamentos de autores já firmados no mercado livreiro. Na Bahia, qualquer um que lança um livro pode obter uma nota, uma entrevista, uma matéria, uma resenha. Lá não é assim. A muito custo sai alguma coisa. As alternativas são pequenos jornais, revistas e outros periódicos específicos de literatura. Furar o cerco inclui persistência, oportunidade e sorte. Ou muita, muita qualidade.

KB - Fora do País, o poeta baiano encontra alguma acolhida?

LACR - Embora seja uma das mais faladas do mundo, a língua portuguesa não está no grupo das mais importantes hoje. Somente os portugueses, alguns brasileiros e mais uns gatos pingados’ lêem o português. De minha parte, mandei livros para Portugal e França. Não é que houve quem os lesse? Saiu resenha do livro Fiat Breu no Jornal da Amadora, de Lisboa, e a revista Latitudes, de Paris, publicou resenhas de Fiat Breu e de Como Se. Tenho mandado meus livros para poetas, críticos e jornalistas dentro e fora do Brasil e não tenho do que reclamar. Meus livros ganharam resenhas em jornais e revistas do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Recife, de Fortaleza, de Maceió, de João Pessoa, de Petrópolis. Até mesmo na internet. Não há correspondência escrita maior que a dos poetas, e já recebi centenas de cartas também.

KB - Você já lançou Temporal Temporal em Brasília e, agora, no Rio de Janeiro. Quando será o lançamento em Salvador?

LACR - O lançamento em Salvador ainda não tem previsão de data. A Copene, patrocinadora do Prêmio Gregório de Mattos, alega falta de recursos para realizar o evento. E nada posso exigir da Academia de Letras da Bahia, que, para tocar suas atividades, depende de recursos de terceiros e de boa dose de sacrifício de sua equipe. Para o lançamento no Rio, tenho livros oferecidos pela Relume Dumará, enquanto a Academia Brasileira de Letras deu o espaço, os convites, os gastos postais, os comes-e-bebes e a cobertura fotográfica. Acho que, aqui, tudo vai terminar sendo mais simples, embora nosso costume seja oferecer uma grande festa no lançamento de livro premiado. Vamos ver. Adoro quebrar costumes, tabus e protocolos, mas não nesse caso. Daqui para outubro, a gente viabiliza a celebração. Celebrar é comigo mesmo. Nada mais gostoso na vida do que a celebrar constantemente.


Musa

Nenhum perfume disse que chegaste.
Não houve sobressalto nem sinais.
Chegaste, assim como quem chega. E parte
de tudo parte, para nunca mais

achar o rumo, longe do que fui.
Resta de mim somente algo de novo,
muito antigo e completo, feito fogo
ou verdade, tão novo como luz,

cidade, paz, necessidade, pão...
Algo tão novo como tudo em vão.
E segue meu delírio a te seguir.

Nenhum perfume disse que partiste.
“E não partiste”, meu delírio insiste.
Perdido em ti, talvez dê trégua a mim.


EDITORA: RELUME DUMARÁ
PÁGINAS: 308
PREÇO MÉDIO: R$ 25
TELEFONE: (21) 2564-6869 (EDITORA)

 

Leia Kátia Borges