Lau Siqueira
Breve itinerário de uma busca
(Prefácio do livro Insensatas Palavras, 2003)
Sempre leio
muitos poetas. Uma viagem que vai das líricas camonianas à
inventividade de Hopkins. Logicamente que o itinerário vem sendo
permeado pelas necessárias colheitas da produção contemporânea.
Observo que os poetas do nosso tempo, aos poucos, vão se insurgindo
diante de mugidos arcaicos e engessamentos vanguardistas. Um
exercício lógico, se observarmos que as nossas caminhadas mais
prazerosas começam sempre no encantamento com os próprios passos.
Nossos olhos precisam estar atentos e a nossa mente, calma.
Talvez, por isso, a leitura dos dois livros anteriores de Regina
Lyra tenha remetido tão imediatamente as minhas observações para um
momento do romance "Lavoura Arcaica", de Raduan Nassar: "(...) não
podemos nos permitir a pureza dos espíritos exigentes que, em nome
do rigor, trocam uma situação precária por uma situação inexistente
(...)". A partir daí surgem algumas deduções meramente intuitivas,
mas que me deixam a vontade para apresentar aos leitores de
Insensatas Palavras, algumas observações tão sinceras quanto
despretensiosas. Afinal, os poemas de Regina Lyra dizem muito mais
de si mesmo que qualquer análise fugidia que a minha indigência
crítica.
Nesta virada de milênio a poesia universal encontra-se diante de um
cardápio fabuloso de possibilidades. E a poesia é a mais universal
de todas as artes.Também porque, além de possibilitar uma releitura
das demais formas de expressão, ainda encontra vigor para
embrenhar-se nas cordilheiras do seu próprio território, cometendo
atos de permanente subversão estética. É uma arte libertária que não
permite calabouços conceituais. E esta compreensão talvez seja esta
a melhor fortuna da poesia contemporânea.
A possibilidade de exercitar livremente o verso, em verdade,
significa o comprometimento com uma tradição que antecede Ovídio,
Homero e até as primeiras expressões da linguagem escrita.
(Especulando-se aí o fato de que a poesia tem a idade do mundo). Mas
a poesia não é, definitivamente, como diria Mário Quintana, "uma
corrida de cavalos". Portanto, brindemos previamente com nossas
colheitas de camomila aos generais da política literária. Ao invés
de procedimentos arrogantes e excludentes, devemos sempre acolher
aqueles que buscam firmar os pés nesta areia movediça.
Regina Lyra não necessita de aprovações e acenos de boas vindas. Ela
escreve o que vive no cotidiano, com a ternura de quem acredita que
a felicidade não é um ponto perdido na memória. E nem pede passagem,
porque caminha sem medo pelas próprias emoções, despindo-as,
desvendando-as, transmutando-as em versos que buscam "fertilizar o
solo estéril do cotidiano abrindo as comportas dos sentimentos
(...)" como diz o poeta Sérgio Castro Pinto, na orelha do seu
primeiro livro (O Livro das Emoções). E, continua o poeta, dizendo
que para Regina "as palavras parecem ser uma espécie de cordão
umbilical atando-a firmemente à fugacidade da vida". Perfeita a
digressão do mestre. Nada mais precisaria ser dito. No entanto,
muito tem se falado acerca do sentimento expresso na obra poética.
T. S. Eliot, afirmou que é mesmo necessário ao poeta desnudar-se de
sentimentos. E concluiu: "mas, quem poderá desvestir-se do que não
possui?". E aí completo o raciocínio, lembrando o velho Mallarmé
dirigindo-se ao seu amigo pintor impressionista, Degas, que afirmava
ter boas idéias, mas não conseguia escrever poemas: "poemas não se
fazem com idéias, mas com palavras". E logicamente que nem com
sentimentos. Mas a palavra é apenas um dos instrumentos de expressão
que pode dar asas ao poema. Talvez por isso, para Mário Quintana, "a
poesia se resume na procura da poesia". E Regina Lyra, quando
escreve poemas como "Banquete", muito mais do que expressar os seus
sentimentos, está buscando sua melhor utopia.
O lado racional da docente do Departamento de Administração da UFPB
conflita com a alma em chamas da mulher, na busca da evolução de
seus versos "polimétricos", como diria Alberto da Cunha Melo.
Por todos os seus versos, por todos os seus esforços para publicar
seus poemas nesta terra de política editorial nenhuma, eu ouso
parodiar Drummond para dizer: "vai, Regina, ser poeta na vida".
Leia a obra de Regina
Lyra |