À vista de ti

Nunca te vi, melhor que seja assim.

Teus cabelos seriam trinados ao vento?

Poderia eu dizer “treinados”, eles seriam –
porque aí corre
o vento da tardinha – sempre me dizes
do vento.

Guardo teus papéis eu guardo.
Perco-os, justo que me percam.

Um cartãozinho..., teu, a te encontrar, azul...,
azul seria a saia de sair?
Ou, haverias de preferir uma roupinha amarela
e os olhos vagos de nenhuma palavra?

O que poderei dizer quando te encontrar?..., se.

Nestes tempos modernos, teria lugar para um silêncio?

Falarias?
De que nos diríamos?

Melhor que teus cabelos fiquem ao vento.

Ah, vento doce, da noite,
como me perfumas o hálito desta noite cedo.

 

Salvador, BA, noite cedo, 06.05.1997

 

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Este, o 18º capítulo de Poética, um livro vivo, aberto, gratuito, participado e participativo, cheio de comentários que, a rigor — esta, a proposta —, os comentários, mais importantes que o texto comentado: abrir o debate, uma multivisão.

— Livro vivo, como assim?

— Porque em permanente movimento, espaço aberto a quem chegar, tão amplo como o espaço àqueles que aqui estão desde os séculos, todos em absoluta ordem alfabética. Seja bem-vindo!

POÉTICA: Capa, prefácio e índice poemas e poetas comentaristas

 

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Comentários:

LUCAS DE SOUZA: Feitosa, fizeste poesia com todas as letras, sem tirar nem pôr. Gostei da cadência dos versos, do poema, da matéria, em si.
Que teus poemas
fiquem no tempo.
Que teus cabelos
no vento.
Com a amizade de sempre. Lucas

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MARIA SANCHEZ LUZ: Caro poeta Soares Feitosa. Nunca te vi, sempre te amei – um dos filmes mais lindos que tenho por lembrança... esta tua frase me remeteu a ele... O quanto podemos conhecer e amar uma pessoa pelas palavras não proferidas, mas tão bem colocadas num pedaço de papel... Experiências trocadas à distância, enriquecidas pelo imaginário de cada um!
Teus cabelos seriam trinados ao vento? Sim, pois que o vento e seus mensageiros tilintam os mais diversos sons sobre eles!
Nestes tempos modernos, teria lugar para um silêncio? Um silêncio da voz, certamente! Bastaria a constatação da existência além da virtualidade.
Abraço-te, poeta. Márcia

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RUTH DE PAULA: Reafirmo que qualquer palavra que se quer dizer imediatamente após a leitura dos teus versos, parecem meias palavras. O sentimento não vem todo, como se precisássemos de mais tempo para gozar do afago recebido.
Festa para meus olhos e demais sentidos. Assim sendo, não silencio. Neste finíssimo “À vista de ti”, o poeta brinca delicadamente com suposições acerca do “vir a ser”, do medo que supostamente sentiríamos se...; como seria se víssemos os cabelos, se víssemos a roupa, se ouvíssemos ou não a voz de quem nunca foi visto e sempre foi por nós amado/a. Amado/a pelas palavras – bem ditas em cartõezinhos azuis, guardados ou perdidos. Amado/a pelas cenas idealizadas. O medo diante do poder de ver o amor tal qual foi pensado. Medo de fraquejar se porventura encontrássemos o amor logo ali na esquina, força tamanha, temer por estarmos tão próximo dele – oceano; e afogado/a retrocedermos à possibilidade do real e só imaginar e imaginar. Jamais ver olhos, quem sabe vagos de nenhuma palavra.
Ruth de Paula

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