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Rodrigo de Souza Leão




Entrevista com Alexei Bueno



 

Alexei Bueno nasceu no Rio de Janeiro, em 26 de abril de 1963. Publicou, entre outros livros, As escadas da torre, 1984, Poemas gregos, 1985, Nuctemeron, 1987, A decomposição de J. S. Bach e outros poemas, 1989, Magnificat, 1990, O Aleijadinho, roteiro cinematográfico, 1991, A chama inextinguível, 1992, Lucernário, 1993, A via estreita, 1995, A juventude dos deuses, 1996, Entusiasmo, 1997. Como editor da Nova Aguilar organizou a Obra completa de Augusto dos Anjos, 1994, a Obra completa de Mário de Sá-Carneiro, 1995, a atualização da Obra completa de Cruz e Sousa, 1995, a Obra reunida de Olavo Bilac, 1996, a Poesia completa, de Jorge de Lima, a Obra completa, de Almada Negreiros, 1997, a Poesia e prosa completas de Gonçalves Dias, 1998, e a nova edição de Poesia completa e prosa, de Vinicius de Moraes, neste mesmo ano. Publicou também, pela Nova Fronteira, Grandes poemas do Romantismo brasileiro, 1994, e uma edição comentada de Os Lusíadas, 1996. Traduziu As quimeras, de Gérard de Nerval, editado pela Topbooks, também com edição portuguesa, bem como, pela Lacerda Editores, a primeira edição brasileira, prefaciada e anotada, da História Trágico-Marítima.
 



Rodrigo — Você foi um "neto" de Lobato? Como começou na literatura?

Alexei Bueno — Se você pergunta se fui leitor na infância de Monteiro Lobato, sim, como todo mundo, assim como posteriormente de seus contos tantas vezes admiráveis. Mas minhas primeiras leituras especificamente literárias, se é a isso que você se refere por "começar na literatura", foram os românticos brasileiros e outros, muito precocemente, nas antologias do Tesouro da Juventude.

R — Quem é o escritor, o poeta menino atrás do poeta Alexei Bueno?

AB — Esse leitor mencionado acima.

R — Que análise faz dos modernistas, depois da geração de 45 e dos "malditos"? Qual o legadode gerações passadas à sua poesia?

AB — Dos modernistas tenho as admirações mais ou menos gerais de todos: Bandeira, Drummond, parte de Jorge de Lima, o Mário de Andrade da "Meditação sobre o Tietê" e de uns tantos outros poemas, Cecília, especialmente nos grandes momentos de Mar absoluto e todo o magistral Romanceiro da Inconfidência, posteriormente João Cabral de Melo Neto, etc... Quanto à Geração de 45, não me parece ter dado um poeta de verdadeira altitude, e não por assumir essa ou aquela posição estética, mas porque não o teve. O espírito sopra quando quer. Quanto a "malditos", não sei sinceramente de quem se trata. O legado das gerações passadas consiste em todo o tesouro estético e expressivo que elas nos deixaram, sem o qual não estaríamos aqui falando de poesia.

R — Quais os poetas, do Brasil e do mundo, que mais o influenciaram?

AB — Prefiro falar de admiração do que de influência. Tenho imensa admiração por Castro Alves, mas que influência posso ter dele? Nenhuma. O mesmo de Camões, uma paixão da vida inteira. Para resumir, dos brasileiros: Gonçalves Dias, Castro Alves, Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos e Cecília Meireles. Dos portugueses: Gil Vicente, Camões, Antero, Camilo Pessanha, Antônio Nobre, Cesário Verde, Florbela, Sá-Carneiro e Fernando Pessoa. Do mundo: Homero, Ésquilo, Sófocles, Virgílio, Horácio, Dante, Petrarca, Tasso, Shakespeare, Quevedo, Hugo, Nerval, Keats, Shelley, Eminescu, Goethe, Hölderlin, Poe, Whitman, Baudelaire, Verlaine, Rimbaud, Corbière, Laforgue, Cros, Mallarmé, Valéry, Toulet, Yeats, Blok, Rilke, Maiakóvski, Caváfis, Asunción Silva, Borges, etc... Tantos nomes, tantas omissões que chega a ser ridículo.

R — Acredita na inspiração?

AB — A inspiração é um fenômeno exaustiva e milenarmente conhecido pelo qual se designa o momento onde todas as reservas emocionais e conceituais, conscientes e inconscientes, entram em ação no artista, daí advindo a obra ser feita em tal época e não em outra, nem sobretudo a qualquer momento. É um fenômeno óbvio de psicologia, que só os perfeitos idiotas podem afetar desconhecer.

R — Como é seu processo de elaboração do poema?

AB — Cada vez mais só escrevo quando o poema se impõe. Então ele vem quase pronto, no geral mexo nele muito pouco posteriormente, só para ajustar certas inadequações.

R — O que é poesia?

AB — É do que estou falando nessa página.

R —Há poetas que dizem que a poesia é o nada. Como lhe parece esta questão?

AB — Não parece.

R — E sobre os concretos, o que têm de positivo e negativo?

AB — De positivo eles é que devem saber muito bem. De negativo, não me interessa.

R — Você estava no Espaço Aberto, do Bial, e ele comentava da dificuldade de encontrar três poetas para falar de poesia no seu programa. Tudo porque os poetas não são amigos ou formam patotas. Será que os poetas se agridem tanto pelo fato de a poesia não ter o devido valor diante da sociedade, dos midia, do governo...

AB — Essa animosidade é fruto da espantosa invenção de falsos valores, patrocinada pelo vácuo da crítica e pelas universidades, que obviamente não tem nem podem ter nada a ver com arte. Na primeira metade deste século, quando tínhamos uns tantos grandes poetas solidamente reconhecidos, porque o eram, não havia coisa semelhante.

R — Como é ser um poeta bem sucedido com apenas 34 anos?

AB — Não sei exatamente o que é ser um poeta bem sucedido. Há a satisfação pessoal de haver escrito certas coisas, e saber que algumas pessoas também as apreciam. Apenas isso.

R — Qual a importância da Teoria?

AB — Não acredito que a teoria tire a naturalidade de ninguém, do mesmo modo como acho que ela não tem nehuma importância, exceto para os teóricos, ou seja, aqueles que não fazem nada.

R — O que de mais caro a poesia lhe tirou e de mais valioso lhe deu?

AB — Pessoalmente, excetuando alguns excelentes amigos, julgo a poesia um desastre na vida de qualquer um, da paz de espírito ao orçamento doméstico.

R — Como é viver de literatura no Brasil?

AB — O Jorge Amado, o João Ubaldo Ribeiro ou o Paulo Coelho devem saber. Quanto a mim, não tenho a menor idéia.

R — Recentemente você deixou de lado a métrica e passou a escrever em verso livre. Conte-nos esta transformação?

AB — Usei versos livres porque os poemas em que os usei só poderiam ser escritos em versos livres, senão não seriam o que são. Tudo exige a sua forma. É o famoso óbvio ululante.

R — Por que Sousândrade faz tanto sucesso no Brasil?

AB — Sousândrade não faz nenhum sucesso no Brasil, faz sucesso nas universidades do Brasil. Ninguém lê Sousândrade, ninguém sabe quem é Sousândrade fora dos corredores universitários, desde que ele era vivo, quando ninguém o lia tout court e até hoje. Quem faz sucesso é Fernando Pessoa, Drummond, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Augusto dos Anjos, Vinicius de Moraes, etc... Nem no dia do Juízo Final ninguém lerá Sousândrade, graças a Deus.

R — Há muitos Sousândrades modernos. Há pouca polifonia e muito barulho. Fale sobre.

AB — Não creio que os haja, pois não têm o fôlego do maranhense. O normal da nossa poesia atual é a poesia cocô de cabrito, sequinha, apertadinha e idêntica.

R — Você acredita que poema sem linguagem poética?

AB — Não.

R — Existe crítica literária no Brasil?

AB — Cada vez menos. Um desastre, em comparação com algumas décadas passadas. Em poesia então, nem se fala. Com a exceção de uns poucos nomes, um Antônio Carlos Secchin, um Miguel Sanches Neto, só se vê o deserto.

R — Muitos traduzem poesia através da concisão. Como vê este caminho. Você é gosta de perfumar a flor?

AB — O dia em que tamanho for critério qualitativo de obra literária, a humanidade toda pode azurrar e andar de quatro. O que interessa é densidade e eficácia, não tamanho. A "Ode marítima" do Pessoa, que tem mais de 900 versos, tem menos coisas inúteis que 99% dos haicais que escrevem no Brasil, porque nela nada é inútil. Eu nunca perfumei coisa nenhuma, sou um poeta absolutamente direto e voltado para o cerne. Não há uma vírgula gratuita no que escrevo. Acontece que, ao contrário de muitos, tenho o que dizer.

R — Em que trabalha no momento?

AB — Como editor, na Nova Aguilar e na Lacerda Editores. Há sempre muitos projetos concomitantes.

R — Como é ser editor?

AB — É um trabalho fascinante, para quem gosta, com todas as dificuldades terríveis que envolvem o livro no Brasil.

R — Em que momento se fundem o editor e o poeta?

AB — Apenas no momento da fixação de textos de outros poetas, sobretudo os mais antigos, quando o ouvido pega todas as gralhas dissimuladas que um revisor comum jamais pegaria. Na verdade, é impossível editar textos clássicos sem um grande conhecimento histórico da língua, do léxico e da literatura.

R — Que livro (seu) lhe deu mais alegria? Comente sua obra.

AB — Talvez A via estreita, por ser uma espécie de poema extático, enquanto o que o segue, A juventude dos deuses, é uma descida trágico-satírica à extrema conteporaneidade, e Entusiasmo, de que também gosto imensamente, a síntese dionisíaca dos dois outros, que fecha a trilogia. Gosto, cada um em seu estilo e época, às vezes muito distantes, de todos os meus livros, senão não os republicaria.

R — Qual o papel do escritor na sociedade?

AB — O de erguer a obra de arte literária. Um papel estético. O mais alto que existe. Para a maior glória do homem.
 




Leia a obra de Alexei Bueno