Rodrigo de Souza Leão
Entrevista com José Paulo Paes
jun/98
José Paulo Paes nasceu em
Taquaritinga, SP, em 1926. Estudou química industrial em Curitiba,
PR. Trabalhou em laboratório farmacêutico e em editora; hoje se
dedica exclusivamente a escrever e a traduzir. Colabora regularmente
na imprensa literária de S. Paulo e de outros Estados. Fez palestras
em universidades e instituições culturais do Brasil e do Exterior.
Como poeta e tradutor convidado, participou de encontros e
congressos em Portugal, Grécia, Dinamarca e Colômbia. Foi professor
visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP em 1987; dirigiu
nesse mesmo ano uma oficina de tradução de poesia na UNICAMP; em
1995 deu um curso de pós-graduação no departamento de Teoria
Literária e Literatura Comparada da FFLCH da USP. Tem 16 livros de
poemas publicados sendo 7 deles dirigidos ao público
infanto-juvenil. É também autor de 10 livros de ensaios literários.
Sozinho ou em colaboração, traduziu mais de uma centena de volumes
do inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, latim, dinamarquês e
grego moderno e antigo. Tem-se dedicado preferencialmente à tradução
de poesia. Seus livros mais recentes são Prosas seguidas de Odes
minimas e A meu esmo (poesia), Transleituras e Os perigos da poesia
(ensaios literários), Poemas da Antologia grega ou palatina e Poemas
da carne e do exílio de Ovídio (tradução), e Um passarinho me contou
(poemas para crianças). Recebeu vários prêmios literários (Jabuti,
APLUB de poesia, da Associação Paulista de Críticos de Arte, da
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, do Pen Clube de S.
Paulo, e “Paulo Rónai” de tradução da Biblioteca Nacional). Foi
distinguido pelo presidente da Grécia com a Cruz de Ouro da Ordem de
Honra daquele país.
Jornal de Poesia - O que o poeta deve ter, de menino, para
realizar o seu trabalho?
José Paulo Paes - Uma pequena objeção: poesia não é trabalho, é
vocação. Para realizar a sua vocação, todo e qualquer poeta deve
preservar o menino que todos trazemos dentro de nós mas que a vida
dita prática nos obriga freqüentemente a renegar. O poeta é aquele
que se recusa a renegá-lo. E, paradoxalmente, é esse menino que o
torna o poeta o mais agudo dos adultos.
Jornal de Poesia - O que busca na sua infância para elaboração
dos seus poemas?
JPP - Não creio que se trate de uma busca deliberada. A rigor, o
poeta não escreve o poema: o poema é que se escreve através dele.
Não que o poeta escreva às cegas, como um medium em transe. Mas a
minha experiência me indica que o embrião do poema nasce por si,
fruto de uma intuição ou inspiração. À artesania do poeta compete
levar o embrião até o fruto final. As mais das vezes, tal embrião é
feito de uma ou mais proteínas da infância. Todavia, só as
descobrimos a posteriori, quando o poema se completa.
Jornal de Poesia - Como brincar de poesia sem ser infantil?
JPP - Sendo apenas e tão-somente poeta, tipo de homem que se orgulho
de ser um adulto infantil ou uma criança adulta.
Jornal de Poesia - Qual a diferença entre brincar com palavras e
brincar simplesmente? A poesia é uma brincadeira?
JPP - Você está levando ao pé da letra o que “Convite” diz. Nunca se
deve levar um poema ao pé da letra. A poesia está sempre além da
letra. O que eu quis dizer em “Convite” é quem se não se deleita,
passiva ou ativamente, no convívio com as palavras, jamais
conseguirá descobrir o que seja poesia. A quel é, no meu entender, a
festa das palavras. Festa no sentido de alegria gratuita, em
contraposição a utilização interesseira.
Jornal de Poesia - Como se fundem, num mesmo escritor, o
ensaísta, o tradutor e o poeta?
JPP - Nenhum de nós é um só. Se o fôssemos, a vida seria
insuportável. Já imaginou alguém que pudesse ser, por exemplo,
funcionário público 24 horas por dia? Alguém que também também não
fosse pai que brinca com os filhos, torcedor que sofre e se alegra
pelo seu time, dançarino ou ouvinte de música? No meu caso, o poeta
é o ponto de partida. Não acredito em poeta que não pense acerca do
seu ofício: daí o ensaísta. Nem acredito em poeta que não aprenda
com outros poetas, principalmente de outras línguas que não a sua
própria: daí o tradutor.
Jornal de Poesia - Em “Acima de qualquer suspeita” o senhor jura
que não matou a poesia. Quem a matou?
JPP - A poesia morre toda vez que se publica um mau poema. Por isso
mesmo, só publico um poema quando acho que estou de mãos limpas. Se
me enganei, perdão: mandem-me para a guilhotina.
Jornal de Poesia - Sobre os poetas que o influenciaram, alguns
dos quais estão citados em “Acima de qualquer suspeita”. Fale um
pouco de cada um.
JPP - Em vez de responder à sua pergunta, que exigiria todo um
ensaio para ser respondida, prefiro remetê-lo à leitura dos poetas
citados e, se ainda tiver interesse, da minha poesia. Aí você verá
em que medida me influenciaram e em que medida lhes sublimei a
influência numa dicção diferenciada.
Jornal de Poesia - Considera-se injustiçado, esquecido ou
eclipsado por talentos duvidosos?
JPP - Não, pelo contrário. Acho que mereci mais atenção do que
talvez merecesse.
Jornal de Poesia -. Em “Elegia holandesa” você utiliza a
linguagem concreta. Que balanço faz desse movimento?
JPP - Não sou contabilista literário e não tenho a menor vocação
para balanços -- a menos que seja balanço de samba. Tampouco creio
que haja uma linguagem concreta. O que há são alguns procedimentos
verbais e visuais desenvolvidos pela poesia concreta. Deles me vali,
a uma certa altura, para levar avante o gosto pelo humor que sempre
foi consubstancial à minha dicção de poeta.
Jornal de Poesia - Acredita em poesia sem linguagem poética?
JPP - Depende. Se por linguagem poética se entender linguagem
enfeitada, repleta de metáforas que não sejam consubstanciais ao que
o poeta intenta dizer, ela em nada adianta à poesia. Poesia, para
mim, é a capacidade de iluminar a linguagem de todos os dias,
aprofundando-lhe os significados, tornando-os de tal modo memoráveis
que eles nunca mais consigam separar-se do modo por que foram ditos.
Jornal de Poesia - Como definiria poesia?
JPP - Não tenho nenhuma definição de bolso. Aliás, sou cético quanto
às definições de bolso. Mas poderia dizer que, ao longo da minha
experiência pessoal, deparei-me com três concepções de poesia. Os
professores do curso primário me incutiram a idéia de que ela era um
tipo especial de linguagem rimada, metrificada e enfeitada, para ser
declamada, mão no peito, durante as festas escolares. Mas os versos
metafísicos de Augusto dos Anjos, com que travei contacto aos l5 ou
16 anos, abalaram essa idéia primeva ao convencer-me, pela força do
exemplo, de que poesia é a linguagem de descoberta do mundo e das
perplexidades que ele podia suscitar em nós. Tanto o mundo fora como
o mundo dentro de nós. Um pouco mais tarde, com os seus poemas
desafetados que estilizavam a linguagem coloquial, Manuel Bandeira e
Carlos Drummond de Andrade me ensinaram que poesia é a redescoberta
da novidade perene da vida nas pequenas/grandes coisas do dia a dia.
Desde então, em maior ou menor grau, venho tentando ser fiel, em
quanto escrevo, a essas duas últimas concepções. Meu ideal poético é
a desafetação, a concisão e a intensidade postas todas a serviço da
minha própria visão de mundo.
Jornal de Poesia - “Lisboa: aventuras” é um poema-piada. Em que
condições o escreveu?
JPP - Certa vertente da geração de 45 via com maus olhos o
poema-piada. Pessoalmente, acho que o humor é um dos ingredientes de
base do sentimento poético. Esse poema eu o escrevi por ocasião de
minha primeira viagem a Portugal, quando me diverti com as
discrepâncias vocabulares entre o falar brasileiro e o lusitano.
Explorei caricaturalmente essas discrepâncias sob a égide alusiva da
“Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, que exprimiu
emblematicamente, para além das similitudes de origem, a
diferencialidade de base entre o sentir brasileiro e o português.
Jornal de Poesia - Seu poema “O engenheiro” é um exemplo de
concisão. Como enriquecer o poema, cortando, lapidando, buscando a
palavra exata?
JPP - Acho que é uma questão de temperamento. Sempre tive, da
poesia, uma concepção epigramática. O multum in parvo, o muito no
pouco. Quanto menos palavras se use para dizer algo, maiores as
possibilidades de dizê-lo melhor. Nesse poema especificamente,
através de umas poucas notações, tentei exprimir as minhas
esperanças juvenis (escrevi-o aos 19 ou 20 anos) de um mundo
construído com limpeza e solidariedade pela inteligência humana que
fosse mais justo do que o mundo injusto em que eu próprio nascera.
Jornal de Poesia - Em “O poeta e seu mestre”, o poeta veste-se de
mestre? É preciso ser um pouco outro poeta para ser um grande poeta
também?
JPP - Ao contrário do que você diz, nesse poema eu sou apenas o
aprendiz da humilde grandeza humana de Carlitos. “O poeta e seu
mestre” apareceu no meu livro de estréia cujo título era O aluno.
Por si só, tal título responde à sua segunda pergunta. O discípulo
precisa de um mestre para deixar de ser discípulo e adquirir voz
própria. A esse voz própria sempre aspirei. Mas nunca ambicionei ser
um grande poeta. Ser poeta tout court já é para mim dignidade
bastante.
Jornal de Poesia - “Canção do afogado” é belíssima. Não acha que
a poesia está viva e muito?
JPP - Esse poema é também um poema de juventude, com evidente
influência bandeiriana, desde logo declarada no vocativo “Maninha”
que se repete ao longo dele. Concordo em que a poesia está sempre
viva, mesmo porque é uma forma essencial de experiência humana, que
só poderia desaparecer com a extinção da nossa espécie. Quanto a
estar “muito viva”, não sei dizer. Contento-me em saber que não
morreu.
Jornal de Poesia - No soneto “O aluno”, o senhor mostra mestria.
Qual a semelhança entre o poeta e um aluno?
JPP - Respondi implicitamente a essa pergunta mais acima, no item 4.
Pelos poemas que você cita, vejo que, através da Internet, teve
acesso apenas a poemas do meu livro de estréia, O aluno, publicado
em 1947, e a A poesia está morta mais juro que não fui eu, de 1988.
Mas depois de O aluno, e antes e depois de A poesia está morta mas
juro que não fui eu, publiquei várias outras coletâneas de poemas.
Nesse sentido, atrevo-me a recomendar-lhe ler os meus livros de
poemas, em vez de procurá-los apenas na Internet. Não escrevo para
internautas; escrevo para leitores de livros. Se me permite uma
sugestão, por que não lê Prosas seguidas de Odes mínimas, publicado
pela Cia. das Letras e ainda hoje encontrável nas boas livrarias?
Através dele, você e outros freqüentadores do endereço eletrônico do
seu “Jornal de Poesia” poderão ter uma idéia mais cabal da natureza
e dos propósitos da minha atividade poética.
Leia José Paulo Paes
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