Rodrigo de Souza Leão
Entrevista com Jorge Lúcio de
Campos
Jorge por Jorge
Nascido no Rio de Janeiro em 15 de
setembro de 1958, formei-me em Filosofia, em 1981, na Universidade
Federal do Rio de Janeiro onde ainda cursei (de 1982 a 1996) o
Mestrado (Estética) em Filosofia, o Doutorado e um Pós-Doutorado
(História dos Sistemas de Pensamento) em Comunicação e Cultura. Sou
Professor de Teoria da Comunicação, Estética e História da Arte na
Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Autor dos ensaios Do Simbólico ao Virtual
(1990) e A Vertigem da Maneira (1994), publiquei as coletâneas
poéticas Arcangelo (1991), Speculum (1993), Belveder (1994), A Dor
da Linguagem (1996) e À Maneira Negra (1997). Casado, três filhos,
resido há mais de dez anos em Niterói (RJ).
1. Como foi o encontro com a literatura? Quais livros formaram o
poeta que é hoje?
Desde menino senti uma forte atração pela poesia (mais até do que
pela filosofia e pela pintura que vieram depois a também fazer parte
de mim). Uma das primeiras figuras que idealizei (e que agora
cultivo) foi a do poeta. Li muito, mas passionalmente, os
românticos, Bandeira, Drummond, Cabral, Mallarmé, Tzara, Cummings...
Passei a vê-los com outros olhos, a partir do início desta década,
quando incentivado por amigos resolvi entregar-me formalmente ao
fazer poético. Se tivesse que apontar influências falaria
necessariamente de dadaístas e surrealistas e de Williams, Zukofsky,
Ponge e, bem recentemente, Robert Creeley e Michael Palmer. Se
tivesse que falar de livros, apontaria Pictures from Brueghel, de
Williams, L’homme approximatif, de Tzara e, claro, Un coup de dés,
de Mallarmé.
2. Como é o seu processo de criação?
Busco recorrentemente na pintura a maior parte de minha inspiração.
Compreendo que a citação é um traço poético inevitável nos tempos
atuais. Em função disso, o que proponho pode ser corretamente
chamada de metapoético. A idéia tem sido captar, com a palavra, a
poesia da imagem ou antes transcriá-la textualmente. Mas veja bem:
transcriar não significa aqui, de modo algum, recriar, ilustrar ou
transcrever. O objetivo é gestar uma poesia que, dentro de minhas
limitações pessoais, consiga ser criativa (mesmo que, para tanto,
sob muitos pontos de vista, se arrisque a ser tachada de hermética).
3. Alexei Bueno diz que a poesia atual é "coco de cabrito:
pequena, sequinha e idêntica '. Você consegue fazer uma ordenação,
encontrar vertentes, nesta poesia do final de século? Fale sobre.
Não há vertentes, mas apenas confluências e releituras. Tentativas,
como a minha própria, de criar em novos termos. Isso não é nem um
pouco fácil. O repertório, cada vez mais presente e referencial,
decerto inibe a maioria dessas tentativas. Concordo com Bueno no que
diz respeito à má poesia, aos lugares comuns e mediocridades que
sempre existiram e continuarão existindo. Mas, por outro lado,
também ocorrem boas dicções que, como de hábito, são bem rarefeitas.
O problema maior me parece o isolamento que lhes é imposto pelo
mercado editorial, uma vez que não fazem o jogo do fluxo fácil,
daquilo que Nietzsche chamou, matreiramente, de Eterno Retorno do
Mesmo.
4. O que o poema deve ter para que exista o fenômeno poético? Ou
vale tudo?
Sobretudo, ele tem que ser criativo. Não importa tanto a aparência
conferida à sua criatividade (ou a sua capacidade de comunicação)
quanto o seu talento em ordenar a parte do caos que lhe cabe. Quando
falo de aparência me refiro à forma que me parece sempre válida (não
importando exatamente qual seja) desde que adequada à matéria
poética por ela agenciada. Não creio, portanto, que valha tudo. Em
termos poéticos, vale antes o que acerta em sua proposta de criar,
no interior do processo, novos esgarçamentos e aberturas.
5. Quantos livros têm? Qual poema personifica melhor a sua obra?
Cinco ao todo. Estreei em 1991, com Arcangelo (Prêmio UERJ 40 Anos)
e depois lancei Speculum (1993), Belveder (1994), A Dor da Linguagem
(1996) e À Maneira Negra (1997). Os dois primeiros foram editados
pela EdUERJ, o terceiro pela Diadorim e os dois últimos pela Sette
Letras. Acabei de concluir Lição de Alvura (inédito) e trabalho uma
nova coletânea ainda sem título. Se minha escritura chega a ser
pletórica, dada à pulsão, sou obsessivo com a forma, tenho uma
paciência revisional por vezes enervante. Há, é claro, alguns poemas
que personificam melhor as minhas intencionalidades. Um deles talvez
seja ‘O poder do burburinho’ (em A Dor da Linguagem), principalmente
em sua afirmação de que: “As palavras se prestam/a múltiplos fins//
Cravo-as com força/na mudez do tempo//Umas, em ruínas/murmuram
inaudíveis//Outras vão além e/à beira-chuva —/por brancura —/comigo
morrem//Comigo morre/a tagarelice”. Tenho me apoiado,
invariavelmente, na convicção de que a linguagem (seja de que
natureza for, desde que poética) representa a única instância pura
de fatura e criação. Creio que, nesse fim de século, o maior
esclarecimento que pudemos obter foi com relação à intimidade (não
apenas concreta) da linguagem. Desmistificada, após séculos de usos
digressivos, ela nos concede importantes compensações. Livre, hoje,
graças aos impressionantes avanços tecnológicos, de uma série de
injunções de natureza material, efetivamente, o homem está pronto
para ser criativo e, nesse contexto, a palavra poética deverá
exercer um papel decisivo.
6. O que pensa sobre antologias poéticas, concursos literários,
prêmios? Um poeta é um atleta?
A iniciativa das antologias é importante, pois assim se catalisam
valores que, de outro modo, não ganhariam visibilidade. Pode-se
dizer o mesmo dos concursos e prêmios literários. Certamente é ainda
pouco. Muito mais poderia ser feito para a valorização da poesia.
Por outro lado, a tendenciosidade amiúde presente nesse jogo
prejudica iniciativas em si positivas. Isso parece ser, contudo,
inevitável. O problema é que, quando em excesso, ela gera mal-estar
e mesmo um ceticismo que facilmente se generaliza entre as gerações
mais jovens. Há apadrinhamentos, a pressão de interesses
explicitamente comerciais, incompetência e incoerência na marcação e
aplicação de critérios... Quanto à segunda questão, não me parece
que a figura do atleta seja a que melhor define o poeta. Ou melhor,
define parcialmente, visto que a palavra deriva do verbo grego
‘athlein’ (lutar, competir) e então, sob vários aspectos, os
sentidos se ajustam. A função do poeta tem sido vista,
pejorativamente (ao menos desde Platão), como a da tensão gratuita.
Em minha opinião, no entanto, o poeta é, antes de tudo, uma espécie
de demiurgo, um (re)organizador de matérias movido, invariavelmente,
por parâmetros e idealizações.
7. Até quando a crítica literária vai se resumir em Wilson
Martins?
Até onde deixarem ou quiserem. A crítica literária, a exemplo do
circuito das antologias e concursos, pode desempenhar um papel
relevante no que tange à educação de gostos. Peca, quase sempre, por
também ser tendenciosa e inconsistente. Acompanho-a exclusivamente
em função de sua latente positividade. A crítica de Wilson Martins é
interessante por ser a crítica de Wilson Martins. Assim como todas
as demais, ela se limita a si própria. Devemos levá-la em conta
apenas por isso. O resto é atração e repulsa.
8. Como vê a internet? Em que aspecto é positiva a veiculação na
www? Qual o site predileto?
Vejo-a como o que é: uma pura potencialidade. A veiculação na www é
tão negativa ou positiva quanto o usufruto de qualquer outra
técnica. Não importa tanto o ambiente quanto o uso que dele se faz.
Certamente a possibilidade de integração e divulgação de dados
poderá ser emancipatória para aquele que souber viabilizá-la e
alienante para os incautos. A riqueza de informações (e a facilidade
de acessá-la) me parece o grande atrativo da internet. Não me canso,
particularmente, de rastreá-las e registrá-las em meu HD. Gosto
também de comprar livros. Como poeta, não posso deixar de incluir,
entre os sites que considero obrigatórios, o Jornal de Poesia. Como
bibliófilo, os sites da Amazon e da Alapage.
9. Tem alguma epígrafe, um mote que o acompanhe pela vida?
É difícil precisar. Afinal de contas, esbarramos, a todo momento,
com frases que muito nos dizem e com as quais particularmente nos
identificamos. Creio, porém, que, entre aquelas que vejo como das
mais reveladoras de minha ótica pessoal das coisas está a que usei
como epígrafe em A Dor da Linguagem. Ela é de Bataille (A
Experiência Anterior) e diz: “Exijo — à minha volta estende-se o
vazio, a Escuridão do mundo real —, existo, permaneço cego, na
angústia: cada um dos outros é diferente de mim, nada sinto do que
sentem”.
10. Qual o papel do poeta na sociedade?
Tão relevante quanto qualquer outro. O exercício poético é milenar e
tem sobrevivido a todo tipo de percalços. Parece mesmo que o homem,
apesar de todo um enorme esforço em contrário, não consegue viver
sem determinadas estratégias de compensação simbólica. Por mais
cientificamente assumida que seja a sua mentalidade, por maior que
seja a sua dependência da positividade, a sociedade moderna ainda
não conseguiu ser rígida o suficiente para esquecer a poesia.
Leia Jorge Lúcio de Campos
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