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Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

     
 
Elaine Pauvolid

 

Dora Ferreira da Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ramon Franco

entrevista

o poeta

Raimundo de Moraes

 

 

“Já passei dos 40 anos. Meus valores são outros, e aprendi a esperar, mesmo que a espera seja longa”. Esta é um pequeno traço da alma deste pernambucano que divide suas criações literárias entre a poesia, a crônica e o conto. Raimundo de Moraes, um dos vencedores do prêmio de poesia ‘Carlos Drummond de Andrade’ 2008, promovido pelo Sesc (Serviço Social do Comércio) do Distrito Federal e primeiro lugar no OFF-Flip 2008, organizado em Paraty, Rio de Janeiro, sabe o que é esperar. A sua literatura ficou adormecida por 10 anos, algo semelhante ao que aconteceu também com Carlos Heitor Cony que nunca negou que por um bocado de tempo nem passava em frente a livrarias ou bibliotecas. Ao final da hibernação de uma década, Raimundo, que atualmente trabalha como publicitário no Recife e edita a coluna Arruar XXI, de literatura e variedades, no portal Interpoética, resgatou textos da adolescência e toda a atmosfera literária ao qual estava inserido desde a infância. Como todo autor brasileiro, sabe o quanto é difícil sobreviver de literatura e de arte neste país, que ainda não descobriu incentivos e mecanismos para privilegiar as criações literárias nacionais, como fazem outras nações (a exemplo dos Estados Unidos e Alemanha, ambos citados aqui pelo próprio Raimundo). Parafraseando Drummond, que um dia afirmou que se chamasse ‘Raimundo’ “seria uma rima, não seria uma solução”, o Raimundo de Recife traz consigo, dentro do seu vasto coração, a essência do vasto mundo da poesia, do mundo da prosa e nos apresenta, nesta entrevista ao Jornal da Manhã, algumas soluções e, como não, algumas rimas para situações tão comum no mundo da criação e no Brasil.

Recife tem um peso histórico, como um dia você afirmou. Este peso histórico favorece a poesia?

Existe uma frase corrente aqui que acho oportuno citá-la: dizem que em Recife existem mais poetas que postes de luz. A frase, por si só, já é uma bela imagem poética. É como a cidade se iluminasse através dos talentos que aqui escrevem suas histórias e desta forma escrevem a própria história da capital pernambucana. Além da forte tradição dos movimentos políticos – como a Guerra dos Mascates, a Confederação do Equador, a Revolução de 1817, as Ligas Camponesas etc – Pernambuco também tem uma forte tradição cultural, principalmente na produção literária. Não só Recife é berço de escritores e poetas, as cidades do interior também contribuem fortemente para o crescimento deste celeiro de idéias e talentos, como o maravilhoso Ascenso Ferreira – um poeta de Palmares; Francisco Espinhara – nascido em Arcoverde e um dos líderes do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco; Edwiges de Sá Pereira, poeta e nossa primeira líder feminista, nascida em Barreiros.

Como é a vida do pólo cultural do Recife?

Intensa, apesar de estar fora do eixo onde se fomenta e se divulga maior parte da produção artística do Brasil, ou seja, fora do eixo Rio-São Paulo. Não é à toa que Recife se autodenomina capital multicultural do país. Sua pluralidade no folclore, nas artes, na literatura faz com que seja uma metrópole de várias “caras”. Recife tem um cronograma variado no teatro e na dança, sediando eventos locais e nacionais. Seus poetas estão nos recitais ao ar livre, nos happenings em bares e centros culturais, declamando, biritando e vendendo suas publicações independentes. Está surgindo também uma nova geração de cineastas pernambucanos, produzindo um material muito bom, com premiações aqui e no exterior. O Cine PE é um festival muito concorrido, sempre lançando nomes novos a cada edição. Porém a grande lacuna – e creio que isto ocorre em todas as capitais – é a ausência de críticos de arte e críticos literários realmente abalizados para registro e divulgação do que se faz no momento. Os jornais impressos foram extinguindo aos poucos o espaço destinado aos bons colunistas, como existia antigamente. E hoje, os que se dizem críticos de arte ou de literatura na verdade são meros resenhadores que nada acrescentam à produção intelectual, e além de não acrescentarem, não fazem o leitor pensar, e sim apenas engolir matérias pretensiosas cheias de lugares-comuns, insossas, repetitivas.

Recentemente você conquistou alguns prêmios literários, como o Off Flip neste ano, e o Tragédias Cariocas no ano passado. Fale um pouco dos concursos para a vida de um poeta.

Uma das maneiras de um artista e/ou escritor tornar-se conhecido é através de concursos. Comigo a coisa é um pouco diferente. No biênio 2007/2008 recebi prêmios e menções honrosas nas cinco regiões do país, mas meu intuito não foi ficar famoso, foi ganhar dinheiro. Não tenho o menor pudor em dizer isto. Os concursos ajudam a lhe dar visibilidade, mas eu particularmente não consigo desfrutar 100% desta fama efêmera. Infelizmente para estar na mídia normalmente usa-se do expediente do beija-mão e da filosofia “jogue confete em mim que jogarei em você”. Como eu não compactuo com este tipo de coisa – tenho horror a ficar devendo favores a algum escroque da vida – pego meu premiozinho e volto pra casa.

Raimundo quais são as suas principais influências literárias?

Acredita que esta sempre foi uma questão difícil de responder? Meu avô paterno era representante, no Norte-Nordeste, da extinta Editora Vecchi. A nossa casa era repleta de livros, gibis e álbuns de figurinhas. Quando vovô morreu ficou seu legado de centenas e centenas de livros. E eu cresci assim: entre as brincadeiras de rua e os gibis, romances, enciclopédias. Era uma coisa tão forte que eu lembro nitidamente o dia que eu ganhei meu primeiro livro: foi aos seis anos de idade, minha mãe levou-me para uma grande loja que existia em Recife – chamava-se Viana Leal – e disse: escolha o seu presente. Em vez de ir para a sessão de brinquedos, fui para a sessão de livros infantis, e escolhi um livro muito triste de Andersen: A Rainha da Neve. Na adolescência eu fazia uma mistura com os clássicos franceses e ingleses, Machado de Assis, Eça de Queiroz e livros de ficção científica, gênero que gosto muito. Não sei dizer exatamente quem me marcou mais. Nunca fui fanático por determinado autor, se bem que boa parte da minha vida dediquei ao estudo da obra de Clarice Lispector. Mas depois que ela virou “moda” e começou a ser imitada por muitos escritores novos, eu dispersei minha atenção para outros autores como Alberto Moravia, Manuel Puig e Isaac Bashevis Singer. Em poesia eventualmente faço releituras. Recentemente reli umas coisas de Paul Celan, Manuel Bandeira e Roberto Piva.

Sempre que entrevisto um escritor faço esta pergunta. Com você não seria diferente, lá vai: os livros mais vendidos no mercado editorial brasileiro são de autores estrangeiros. O que você pensa sobre isso? Você acha justa esta situação?

Isto abrange tantas coisas que a pergunta poderia se desdobrar em mais outras perguntas e consequentemente em mais outras respostas. Mas resumindo: temos, na sua grande maioria, um mercado editorial voltado para o que acontece no exterior, porque isto é reflexo das próprias exigências do leitor brasileiro comum, aquele que acha que um autor estrangeiro é melhor do que um nacional. Editora é uma empresa como outra qualquer, e funciona de acordo com a demanda. Se o mercado quer best-sellers americanos, então vamos pagar os direitos autorais, traduzir e publicar no Brasil. Outra coisa: a cena literária brasileira é pobre demais no incentivo à leitura e na divulgação e valorização de autores nacionais. Não temos programas específicos de incentivo à criação literária, como as bolsas governamentais existentes em países como Alemanha e Estados Unidos, por exemplo. E há outro dado curioso: por quase não existirem agentes literários no país – intermediadores importantes entre autor, editora e mídia – o escritor brasileiro acaba virando uma espécie de sobrevivente, escrevendo, divulgando, estabelecendo contatos, publicando com seu próprio dinheiro, nadando contra a maré do lixo editorial que se renova anualmente, mas que ocupa com destaque as prateleiras das grandes livrarias.

Quais temas, ou aspectos da vida, estão mais presentes em sua obra literária? Em qual horário do dia gosta de escrever?

Em contos, o universo feminino me atrai imensamente, assim como os dramas das classes que se dizem mais “elitizadas”. Não sei o porquê, mas tenho uma enorme facilidade de escrever sobre ricos e novos-ricos, é uma coisa que até me diverte. Em poesia, confesso que é pura catarse. Não tenho hora preferida, mas sim hora de maior inspiração e menor preguiça. Não tenho rituais exóticos ou “iluminações”. E gosto de criar em silêncio. Mas como já trabalhei em redação de jornal – você sabe que é uma loucura – consigo às vezes me desprender completamente do que me cerca e escrever um texto, quando a idéia me vem.

Raimundo você teve a experiência de viver fora do Brasil. Se não estiver enganado, você viveu um tempo em Londres. Como foi esta experiência? Fale um pouco da influência da literatura inglesa na sua vida, já que você respirou o ‘fog’ por um tempo, assim como fez tantos outros importantes autores.

Conhecer a Inglaterra e a Itália era um sonho de menino que tornou-se realidade na idade adulta. Na verdade estudei em Brighton, sul da Inglaterra, mas estive muitas vezes em Londres, uma cidade que transformou-se – assim como Nova York – numa imensa Babel. Andar pela Trafalgar Square e ver aqueles tipos esquisitos de toda a parte do mundo é algo realmente impressionante. Ir à Carnaby Street e ver que não existe mais aquela coisa avant-garde da década de 60 – agora basicamente existem indianos vendendo quinquilharias – faz ver que Londres é mais do mundo do que dos ingleses. Lá também estão milhares de asiáticos estudando e vivendo e, claro, milhares de brasileiros. Mas o ponto alto da minha viagem à Inglaterra foi conhecer onde viveu Virginia Woolf. Foi muita emoção, principalmente porque considero seus livros Orlando e Entre os Atos entre os melhores escritos no século 20.

Raimundo você é colunista de um site de cultura. Como é falar sobre literatura no universo da internet?

A internet é a antena difusora do planeta, interligada a outras antenas menores. Por ser um canal aberto, cada navegante é co-participante do seu crescimento e de suas mazelas. E tudo acontece de uma maneira muito veloz. Eu fico impressionado com o número de blogs e sites que “nascem” e “morrem”. Nesta conjuntura complexa de muita informação e muitos (e variados) leitores, optei por criar uma coluna eclética chamada Arruar XXI, que eu defino como uma coluna de utilidades e futilidades. Não tem pretensão de ser The Best e nem ser tipo blog, aquela coisa meio “meu querido diário”. Não. É uma mistura. Os editores do Interpoética – onde a coluna é divulgada mensalmente – me dão sinal verde para eu escrever o que eu bem entender. Assim, eu posso inserir notícias que não foram divulgadas no Brasil, questões de gênero e sexualidade, dicas culturais, etc. E olha que não é uma tarefa fácil: nós do Interpoética somos todos voluntários, não temos patrocinadores e mesmo assim é o site pernambucano de literatura mais acessado do Estado.

Qual vai ser o destino da poesia no mundo digital?

A poesia – e a literatura como um todo – já está atrelada às experimentações das novas mídias e novas formas de expressão. Gutemberg, ao inventar a imprensa, popularizou os manuscritos que eram repassados de geração em geração através dos trabalhos de uma minoria – religiosos e cientistas, responsáveis em compilar e reescrever os acervos então existentes. Com o mundo digital, algo parecido aconteceu: o acesso rápido, rapidíssimo, à informação. Estamos numa época de transição. Qualquer especulação sobre o assunto poderá ser precipitada. Quem sabe se daqui a 100 ou 200 anos não existirão mais escritores e poetas, e sim softwares que, combinando estilos, façam surgir best-sellers?

Fale um pouco sobre sua biografia e seus projetos para 2009.

Em 2006, depois de mais de 10 anos afastado completamente da literatura e do, digamos, “mundo cultural”, resolvi voltar a divulgar o meu trabalho como escritor e poeta. Ter sido premiado em alguns concursos me deu também a certeza que eu não estava tão enferrujado assim. A menção honrosa no Helena Kolody, [concurso patrocinado pela Secretaria de Cultura do Paraná] por exemplo, foi duplamente gratificante para mim: o poema inscrito, Outra canção para Desiderata, tem mais de 20 anos, eu era um adolescente. E na comissão julgadora estava uma pessoa a quem muito admiro: Affonso Romano de Sant’Anna. Mas minha vida profissional sempre foi cheia de mudanças e muitas delas inesperadas. Atualmente trabalho como publicitário, às vezes, dou umas aulinhas e palestras na área de literatura. Nunca tive o desejo de publicar um livro solo, mas creio que isto deve acontecer em 2009. Existem dois livros de poesias, dois de contos e um de crônicas. Não sei qual sairá primeiro. Ou talvez nem saia. Já passei dos 40 anos. Meus valores são outros, e aprendi a esperar, mesmo que a espera seja longa. Porque afinal existem os dois tempos: o exterior, que foge do nosso controle, e aquele interior, onde a importância das coisas varia de acordo com a nossa maturidade como ser humano.


Ramon Franco é jornalista do Jornal da Manhã - Marília/SP

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 
Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um esboço de Leonardo da Vinci, página do editor

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Raimundo de Moraes

conversa com o também poeta

Marco Polo Guimarães

 

Homem de plurais talentos

por Raimundo de Moraes

Conheci Marco Polo quando ele era editor do Caderno C do Jornal do Commercio. Eu era estagiário do Caderno Cidades mas aquilo não era minha praia. Claro, fui pro Caderno C. Meu novo editor, compreensivo e antenado, sempre acatava minhas sugestões de pauta. Fiz umas entrevistas interessantes, resenhas de livros e filmes, aprendi como é o dia-a-dia da redação de um jornal. O que foi bom, pois o know-how do Caderno C me permitiu ser editor de cultura & lazer da “primeira versão” da Folha de Pernambuco (quando então o jornal era administrado pela família Asfora).

Agora o Interpoética me permite um “lado B” jornalístico-literário.

Entrevistar Marco não é (nem será) tarefa fácil para mim. Ele tem muito o que contar e eu – com uma eterna curiosidade sobre as histórias de cada um – tenho muito o que perguntar.

Enfim...

São 12 perguntas. Encaixem os fragmentos, definam um pouco este interessantíssimo perfil. Com vocês, o escritor, jornalista, compositor, homem de plurais talentos Marco Polo Guimarães.

Marco, você foi um menino prodígio? Como foi essa história de aos 16 anos mostrar seus poemas para Ariano Suassuna e César Leal?

Comecei a me interessar por poesia muito cedo. Minha mãe lia pra mim os tenebrosos poemas de Guerra Junqueiro e minha avó, que queria que eu me tornasse pastor evangélico, lia a Bíblia, que em muitos momentos é poesia pura. Também se estudava muitos poetas nas aulas de português. Mas minha descoberta real da poesia como fenômeno foi ao ler o poema "Ismália", de Alphonsus de Guimaraens. Foi uma mistura de insight e alumbramento pois, pela primeira vez, eu percebi o alcance imenso de uma peça tão pequena: um texto de cinco quadras com versos de sete sílabas. Fiquei apaixonado por aquela cápsula de significados e emoções e comecei a ler poesia vorazmente. Eu tinha por volta de dez anos. Aos 12 comecei a escrever também. Aos 14 fiz um primeiro poema com certo domínio técnico, "O Sapo de Vidro", cujo texto se perdeu e nunca consegui refazer. Logo depois fiz um outro que tinha pelo meio os versos "e fina/ a lira fira/ agulhas/ de cristal", que têm certo refinamento. E, finalmente, aos 15 escrevi "O Nadador" que considero o meu primeiro poema bem realizado. Mas isso foi colhido em meio a uma produção imensa. Eu produzia muito, embora sempre insatisfeito. Nessa época descobri que Ariano Suassuna morava perto da Praça de Casa Forte, onde eu também morava. Depois de muita hesitação tomei coragem e fui procurá-lo. Ele me recebeu como a um igual, o que me deixou encantado, e teve a paciência de ler e anotar o calhamaço de poemas que eu levara pra ele avaliar. Mas no final ele disse que pelo meu estilo era melhor eu procurar o crítico João Alexandre Barbosa. E, realmente, João gostou logo do tal "e fina a lira fira", me perguntando se eu conhecia João Cabral de Melo Neto. Até então, minhas bússolas eram Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. João Alexandre me emprestou um livro de João Cabral e eu descobri a terceira pessoa da minha santíssima trindade: Bandeira, Drummond, Cabral. Foi João Alexandre Barbosa quem primeiro publicou poemas meus, no Suplemento Literário do Jornal do Commercio, quando eu tinha 15 anos. Infelizmente, meu contato com ele foi cortado pelo Golpe de 64. Um dia chego na casa de João e o encontro queimando livros e se preparando para deixar o estado. Foi então que me voltei para César Leal, que passou a me publicar com regularidade, dessa vez no Diário de Pernambuco.

Foi nessa época também que ele começou a divulgar os poemas do pessoal que seria chamado "Geração 65"?

Exatamente. Os primeiros poemas desta suposta geração a serem publicados foram de Alberto da Cunha Melo e Jaci Bezerra. Eu e Ângelo Monteiro viemos logo após. E como eu sei que você vai perguntar porque eu digo “suposta geração” vou logo respondendo. Em primeiro lugar porque nós não tínhamos um ideário ou poética em comum. Para ficar só em nós quatro, veja as disparidades: Jaci era um lírico e um virtuose do verso, Alberto era um vasculhador de um existencial amargo, Ângelo fazia uma poesia mística-filosófica e eu tentava explorar temas diferentes, como se pode deduzir pelos títulos de alguns poemas: “Strip Tease”, “Cemitério de Automóveis”, “Salve Sade Self Made Man”, etc. Em segundo lugar porque este rótulo Geração 65 virou um guarda-chuva em que hoje se abrigam umas 50 pessoas que vieram bem depois e que de fato não faziam parte daquele pequeno grupo que recebeu esta denominação. Em terceiro, porque não gosto deste tipo de rotulação; é quase sempre falso ou, no mínimo, inexato e redutor.

Então para você, há um certo exagero em taxarem de "Geração 65" a produção poética feita em Pernambuco naqueles idos...

Foi enfocando aqueles jovens poetas que publicaram seus primeiros textos no Diário de Pernambuco, através de César Leal, que o historiador Tadeu Rocha criou o conceito de Geração 65. Mas, evidentemente, a totalidade da produção poética em Pernambuco naquele tempo incluía outros autores. O que estou querendo dizer é que, para mim, o rótulo Geração 65 não tem maior importância. Até porque é uma coisa local, ainda não estudada, aliás, nem sequer reconhecida pela história oficial da literatura brasileira contemporânea. O que estou querendo dizer, em última instância, é que o importante é a obra de cada poeta, não o fato de ele pertencer a este ou aquele grupo.

No final da década de 60 você viaja pra São Paulo e começa a trabalhar na área de jornalismo. O AI-5 estava vigorando desde dezembro de 68. Como foi iniciar uma carreira de jornalista na época da tortura e da mordaça?

Já tinha enfrentado algumas barras no Diário da Noite, do Recife, onde a gente trabalhava com um oficial do Exército que lia nossas matérias antes de liberá-las para publicação. Ele usava uma caneta piloto e ia riscando tudo que não podia sair. O AI-5 já estava vigorando. Mas pelo menos aqui, no jornal, a coisa ainda não tinha tomado um aspecto virulento. Eu até dizia, brincando, que não ia me autocensurar na redação das minhas matérias (como alguns colegas achavam mais prudente fazer) só pra dar trabalho ao oficial, afim de que ele justificasse o próprio salário. Mas em São Paulo aconteceu um fato assustador. Estava fazendo uma matéria investigativa para o Jornal da Tarde, onde trabalhava, e uma noite fui abordado na rua por dois rapagões que me convidaram a entrar num carro estacionado à beira da calçada. Entrei no banco de trás com cada um dos caras de um lado, mais outro rapaz no banco do carona e um senhor gordo no volante. Foi ele quem começou a falar, mostrando que estava a par de toda a minha rotina diária e a da minha mulher, que era atriz. Só para mostrar que eu estava sendo “investigado” há algum tempo. Depois daquele preâmbulo intimidador, enquanto circulávamos pelas ruas da cidade, o camarada chegou ao que interessava: Eu estava disposto a abandonar a matéria que estava pesquisando? Se estivesse, eles esqueceriam que eu existia. Se não... Bem, eu é quem decidia. Evidentemente concordei em abandonar a matéria que, aliás, dificilmente seria publicada. Ela mexia com a cúpula do CCC de São Paulo. CCC era a sigla que designava o Comando de Caça aos Comunistas, grupo terrorista de direita, acobertado pela ditadura, composto de filhos de empresários, políticos e militares. Suspeita-se (mas até hoje não se pôde provar) que foi o CCC de Pernambuco que raptou, torturou e matou o Padre Henrique, assessor de Dom Hélder Câmara. Quando eles finalmente me soltaram, na porta do Estadão, onde funcionava o Jornal da Tarde, fui tomado de uma tremedeira. Contei a história a meu editor e ele resolveu finalmente me liberar para uma área mais leve, a editoria de Variedades, que era como chamavam a área de artes e cultura, e para a qual eu já vinha há algum tempo pedindo para ser transferido.

E no seu retorno ao Recife, começa a história do Ave Sangria. Que por sinal chamava-se Tamarineira Village, e foi "rebatizado" por você...

Quando saí do Recife para São Paulo estava desistindo da poesia. Em primeiro lugar comecei a desconfiar que só quem lia nossos poemas eram nós mesmos, os poetas. Depois, aquilo não dava dinheiro. Cheguei a propor que fizéssemos uma greve: só mandaríamos poemas para os jornais publicarem se nos pagassem algo. Evidentemente, todo mundo ficou rindo da minha cara. Então resolvi dar uma parada com a poesia e me dedicar à música. Eu já mexia com música também desde pequeno. Aos oito anos minha avó leu pra mim um livro sobre um cangaceiro que tinha se tornado evangélico, ou crente, como se dizia. Lá pras tantas ele cita uma canção de cangaço que dizia “Ó cabra se eu te pegar/ na ponta deste meu aço/ inté o diabo tem dó/ da desgraça que eu te faço/ te tiro o couro inteirinho/ e o espicho em compasso/ te como as carnes do corpo/ e só te deixo o cangaço”. Eu fiquei louco pra cantar aquilo mas ninguém sabia me dizer como era a melodia original. Então inventei uma música pra cantar aqueles versos e fiz, assim, minha primeira composição. Cheguei inclusive a estudar piano, acordeon e violão, com teoria, partitura e tudo mais.

Então quando resolvi partir pra música já tinha alguma bagagem. Em São Paulo compus muita coisa e quando voltei, em fins de 72, encontrei uma efervescência musical muito boa no Recife, com bandas como Nuvem 33, Flaviola e o Bando Alegre do Sol, Licar, Marconi Notaro, Laílson e o grupo Phetus, Lula Côrtes etc. Havia uns músicos em Casa Amarela que queriam montar um grupo. Eles tinham os instrumentos, eu tinha as músicas e assim nasceu o Tamarineira Village. O nome vinha de uma referência ao Hospital Psiquiátrico da Tamarineira e à Vila dos Comerciários, onde a maioria morava. A mudança do nome se deu quando da contratação para gravar um disco e a necessidade de profissionalização do grupo. Achávamos que o nome Tamarineira Village era muito local e que a gente ia ter que ficar explicando a origem daquilo, como aliás já acontecia quando tocávamos em outros lugares como Natal, João Pessoa e Salvador. Ave Sangria não precisava de explicação.

O grupo se desfez há mais de 30 anos mas ao que parece o Ave Sangria virou um ícone cult. Tem site divulgando ainda suas letras e músicas, leilões virtuais do único LP gravado por vocês (e relançado em 1990) e até comunidades no Orkut. Ou seja, novos fãs e ouvintes alguns até quase adolescentes... Como você vê tudo isso?

Creio que mostra que a gente fazia uma arte firmemente ligada no seu tempo mas atemporal pela qualidade. A banda foi uma feliz junção de músicos muito talentosos. Já no inicio dos anos 70 fazíamos fusão entre música regional e rock. Tocávamos um baião com guitarras e interpretação vocal roqueiras, ou um baião com harmonia de blues, o que era uma total novidade. Num recente Abril Pro Rock, um garoto de 14 anos fez questão de vir falar comigo. Ele estava vestindo uma camiseta com o símbolo do Ave Sangria pintado por ele mesmo. Tem também, rolando por aí, uma coisa que você não citou: CD pirata do Ave. Quer maior prova de consagração? Soube que um dia desses, no lançamento do disco de um jovem músico pernambucano, no auditório da Livraria Cultura, o evento foi precedido por nossa música tocando nas caixas de som. E descobri que a poeta Jussara Salazar, que tem um gosto muito requintado, é fã da gente. Acho tudo isso muito gratificante.

E o Seu Waldir? Dizem que aqui em Recife um colunista social fez campanha contra essa música do Ave Sangria, considerando-a um atentado "à moral e aos bons costumes". Isto de fato aconteceu?

Fiz Seu Waldir pra ser cantada por uma mulher. Mas, pra provocar o machismo que imperava no Recife dos anos 70, resolvi cantá-la eu mesmo. Depois do show teve gente que deixou de falar comigo. E começou uma especulação de quem seria Seu Waldir. Eu próprio me encarreguei de espalhar o boato de que era um português, dono de um bar em Olinda. Então teve gente que saía de carro por Olinda pra ver se achava o bar do Seu Waldir. Assim, quando fomos gravar um disco, fiz questão de incluí-la. Não deu outra. Passou a ser a música mais tocada do disco nas rádios. Então começa o episódio de que você fala e do qual eu só sei por ouvir dizer, porque nunca, mesmo na época, me interessei em verificar se era verdade ou não. O fato é que começaram a me dizer que havia um jornalista que tinha um programa de TV e que todo dia tocava um pedaço da música e dizia que aquilo era “uma agressão à moral da família pernambucana” e que as autoridades tinham que tomar uma atitude a respeito. Dizem também que, após assistir ao programa, a mulher de um general reclamou para o marido a respeito e este prometeu que ia resolver o “problema”. O que eu sei mesmo é que antes do disco completar um mês de lançado foi retirado das lojas pela Polícia Federal, que também proibiu as rádios de tocarem qualquer faixa.

Como está o seu envolvimento com a música hoje? Ouvinte? Crítico? Continua a compor? E o que você curte ouvir?

Após um longo tempo parado voltei a compor. Tenho vontade também de gravar um CD dizendo poemas, o que seria outra forma de fazer música. Gosto muito do penúltimo disco do Chico Buarque. Gosto de Lenine e Björk. Alguns clássicos: Erik Satie, Prokofiev. E jazz, muito jazz e blues.

Da reunião de pauta à produção final: pra você como editor qual o maior desafio a cada número da Continente Multicultural?

A maior preocupação é manter ou, se possível, elevar o nível da edição anterior. A Continente é mais uma prova de que Pernambuco pode ter produtos culturais a ser apresentados em qualquer lugar do mundo sem complexos. À maneira da música, do cinema, das artes plásticas e da literatura que se faz aqui no momento.

Você sempre teve uma presença marcante no cenário cultural do Estado. Sempre acessível e por que não dizer generoso... É preciso ser um pouco diplomata para lidar com a “fogueira das vaidades” da intelectualidade pernambucana?

Apesar de gostar de, de vez em quando, fazer provocações na área das artes, sou, de um modo geral, uma pessoa maneira. E apesar de prezar muito a solidão, gosto de me relacionar com as pessoas. O ofício do escritor é feito em silêncio e solidão, mas a experiência com música me ensinou a trabalhar em grupo. Então, aprendi a curtir as duas maneiras de fazer arte. A “fogueira das vaidades” existe em qualquer grupamento artístico, aqui ou nos cus dos Judas, como diria António Lobo Antunes, um escritor português de quem gosto muito. A vaidade parece ser intrínseca aos artistas, que se há de fazer? Não tenho nenhum problema com isso.

Dentre os livros escritos por você, me vem à lembrança o Memorial, que é justamente um delicioso livro de reminiscências e que merecia ser reeditado. Uma pergunta que eu sempre quis fazer: como era o processo de criação do Memorial? E o que lhe motivou a escrevê-lo?

Estava lendo uma matéria na Folha de S. Paulo sobre o Oulipo, um grupo de escritores franceses, mas do qual também fazia parte o italiano Italo Calvino, que criava dificuldades para a elaboração de um texto. Por exemplo, escrever um conto sem utilizar nunca a letra “e”, a mais freqüente da língua francesa. Um outro participante do Oulipo era Georges Perec, que tinha escrito um livro chamado “Sim, eu me lembro”, justamente acumulando lembranças de um determinado tempo e lugar. Sempre achei que havia muita coisa que vi na minha infância e juventude e que não existia mais, que deveria ser registrada de alguma forma. Havia alguns tipos populares como Lolita, uma bicha negra e baixinha que saia pela rua cantando músicas de Ângela Maria e perguntando “Será que eu sou liiiiinda?”. Ou o sujeito que vendia palito de dentes nas filas de ônibus em frente aos Correios dizendo, com a cara mais séria: “Palito! Olha o palito de dente! Profissão de corno essa minha de vender palito. Olha o palito!” Assim, resolvi escrever o “Memorial”, composto de pequenas notas que começam sempre com “Me lembro que...”. É o meu livro de maior sucesso. Soube que houve gente que se reunia em torno de uma piscina, tomando uísque e lendo alto as rememorações do livro e acrescentando outras. E o poeta Jessier Quirino, que escreve poesia matuta muito engraçada, inspirou-se no livro pra elaborar um poema. É, de fato um livro divertido e eu próprio me diverti ao escrevê-lo, de uma forma quase compulsiva, em pouquíssimo tempo, uma lembrança puxando outra.

Várias pessoas já me reclamaram o relançamento do livro, que está esgotado. Falei a respeito com o Arnaldo Afonso, da Edições Bagaço, e ele topou o relançamento, mas terminamos não levando o caso a termo. Vou voltar a falar com ele a respeito.

Sessão família: como é ser pai de novo depois dos cinqüenta?

Ter filhos mudou meu modo de ver certas coisas. Antes deles eu detestava crianças. Não tinha a menor paciência com elas. Escrevi até uma crônica com o título “Porque odeio crianças”. Com o nascimento de meu primeiro filho, hoje homem feito, passei a gostar das crianças, do que elas podem nos ensinar. A criança tem uma forma mágica de viver o mundo que se perde à medida que ela é “educada”. Acho que a nostalgia que a gente sente do Paraíso Perdido é justamente o resultado da perda desta visão mágica de mundo. Pois bem, aconteceu uma coisa engraçada. Meu segundo filho, que mora nos Estados Unidos, me ligou dizendo que eu ia ser avô. Algumas semanas depois minha atual mulher me disse que eu ia ser pai de novo. Tudo ao mesmo tempo! Aí, meio sem querer admitir, fiquei torcendo pra que fosse uma menina, pois já tinha dois filhos homens. Então chegou Alana que, atualmente, é a minha maior paixão. Apesar do mundo que está aí, não estou arrependido de colocar mais uma vida na vida. Afinal, o ser humano é um animal muito defeituoso, mas, ao mesmo tempo, capaz de superar até o que parecia impossível.

(junho de 2007)

 

 

 

 

 

 

 

 

29.1.2011