7.10.2009
Memória
Para lembrar Rogaciano
O pernambucano Rogaciano Leite assumiu o Ceará como terra sua. Poeta, jornalista e cantador, ele se destacou pelas grandes reportagens e ao levar as trovas de viola os lugares de elite
angélica feitosa
>>> angelica@opovo.com.br
07 Out 2009 - 01h07min
``Não sou um
Manuel Bandeira/ Drumond, nem Jorge de Lima/
Não espereis obra prima/ Deste matuto
plebeu/ Eles cantam suas praias/ Palácios de
porcelana/ Eu canto a roça, a cabana/ Canto
o sertão que ele é meu``.
Poema Aos Críticos, de Rogaciano Leite
A notícia tardou a chegar aos jornais do
Ceará: vinha um dia depois do ocorrido e
quando a
noite já estava posta. A cidade custou a
acreditar que, no Rio de Janeiro, um infarto
do miocárdio levava de vez o poeta,
jornalista, cantador e repentista Rogaciano
Leite. Tão moço, nem chegava aos 50 anos
naquele 7 de outubro de 1969. O Ceará
sentiria, a partir dali, a falta do
pernambucano nômade que escolhera Fortaleza
como sua, na maior parte da vida.
Dois dias depois da morte, o corpo vindo à
Fortaleza da capital fluminense se fincaria
no cemitério São João Batista. A despedida
chegou na forma de ode: 13 cantadores lhe
cobriam de orações e, por derradeiro,
embalavam com seus versos mais conhecidos:
Cabelos Cor de Prata, canção feita de
improviso, na beira do mar, na tarde em que
Rogaciano conheceu o cantor Sílvio Caldas. ``Ele
era um menino, não tinha nem 30 anos, quando
fez a canção. Ficou cabreiro, encabulado,
mas o Sílvio Caldas gostou tanto que a
musicou no mesmo dia``, diz, em entrevista,
o amigo Waldy Sombra.
Rogaciano foi menino, moço e homem inquieto.
Num pequeno vídeo disponível no site YouTube
- Rogaciano Leite: A casa que ele nasceu -
um irmão mais moço, José Bezerra, conta que
os 10 filhos do casal de agricultores Manoel
e Rita sentiam a poesia, mas só Rogaciano
foi, de fato, poeta. ``O pai chegava e
dizia: -Rogaciano vai ser trabalhador!-. E
ele já avisava: -Ô, papai, eu não vou puxar
enxada-. Meninote, ele já sabia o que
queria``. Tanto que, cedo, foi atrevido: aos
15 anos, chamou ao desafio um cantador
afamado e prestigioso: Amaro Bernadino. Sem
uma pinga de medo, criou confiança.
Sim, porque Rogaciano formou-se em Letras
Clássicas, foi cantador, poeta, repentista
e, ainda, jornalista & sendo, inclusive,
colaborador do O POVO. E tudo com primazia.
``O Rogaciano era uma pessoa muito
agradável, carinhosa. Acima disso, foi um
grande homem e um dos jornalistas mais
instigados. Ele era um investigador, um
andarilho sem pouso certo``, define a colega
de profissão, a jornalista Adísia Sá. Ela
narra Rogaciano como um autodidata que
concluiu o curso superior sem fazer o
segundo grau (hoje Ensino Médio). Pela sua
obra em versos, foi lhe dado notório saber.
A perspicácia lhe rendeu duas vezes o Prêmio
Esso de Reportagem: em 1965, com A Fronteira
do Fim do Mundo, sobre a Amazônia e o
território de Roraima e em 1966, com a
reportagem Boa Esperança é Sonho
Transformado em Realidade, sobre a
Hidroelétrica de Boa Esperança, no Piauí. ``Ele
só tinha um problema: era um boêmio. Vi
várias vezes o Rogacianinho Filho, menino,
de calças curtas, sentado no colo do pai em
uma mesa de bar``, completa.
Além do Esso, a reportagem rendeu o nome a
uma das filhas. Quando o pai morreu, Helena
Roraima contava a idade em sete dedos da
mão, mas ainda assim preserva muitas imagens
do homem alto e carinhoso. Era pai que
reunia os filhos em volta de si para contar
estrelas no céu. ``No nosso sítio, em
Messejana, ficávamos todos os seis filhos ao
redor dele. A gente planejava as férias, o
futuro, o que cada um queria ser. Meu irmão
Rogaciano Filho era o que mais o admirava e
o que mais queria ser como ele``, recorda
Helena
Hoje funcionária pública e mestre em
Cooperação Internacional, ela não quer
deixar a história do pai morrer. Por isso,
ela é uma das organizadoras da festa em
homenagem aos 40 anos da morte do poeta, em
Itapetim e pela reimpressão do livro mais
conhecido do escritor, Carne e Alma, com
patrocínio do Banco do Nordeste. ``Meu pai
foi um erudito, lia muito. Acima disso, era
extremamente popular. Sua poesia chegava ao
povo de forma tão espontânea...``, analisa a
filha que entrou de cabeça na vida do pai,
pesquisando e recolhendo qualquer memória do
cantador.
E-MAIS
> Rogaciano Leite é filho dos agricultores
Manoel Francisco Bezerra e de Maria Rita
Serqueira Leite. Casou-se com Maria José
Ramos Cavalcante, com quem teve os filhos
Rogaciano Filho, Anita Garibaldi, Roberto
Lincoln, Helena Roraima, Rosana Cristina e
Ricardo Wagner.
> A avenida Rogaciano Leite foi inaugurada
em 28 de outubro de 1976, em homenagem ao
poeta e jornalista.
> Waldy Ramos lança, no próximo dia 15, o
livro Cabelos Cor de Prata, no restaurante
Faustino (avenida Beira Mar). O livro é um
diálogo de Waldy com o livro Carne e Alma,
de Rogaciano Leite.