Bom Dia amigo Feitosa!
Não é o lutador, pois não?
É, de certeza, um lutador… Obrigado pela belíssima página sobre
Poesia Hispânica, ou da Espanha, incluindo a Lusitana. E digo
assim porque existe uma grande confusão em relação a esta
definição… a saber, todos aqui nesta grande Península somos
Espanhóis, mas também somos as diferentes nações que a compõem…
admirado com esta afirmação? Não esteja.
A luta constante de Castela pela supremacia política e pelo
controle do poder em TODA a península deu origem a um
mal-entendido estratégico, não só etimológico, mas também
morfológico do mapa da península no contexto do mapa europeu, o
que quer dizer que, ainda hoje, Portugal, PARECE um absurdo como
País existente no contexto dos países, até para alguns
"portugueses"… ponho entre aspas pois não os considero
Portugueses… estes são ainda os «OS VELHOS do RESTELO», os
mesmíssimos da época do Grande Camões, que continuam a atrasar
esta Nação Ancestral, para benefício próprio e de organizações
internacionais abjectas...
Mas voltando ao tema, é por isso que ainda hoje Portugal, uma
Nação ancestral, e o 1º país da Europa e um dos primeiros no
mundo com fronteiras definidas e estabilidade nacional,
"parece"
não existir, parece um país fantasma, o que acarreta graves
prejuízos para nós, principalmente para quem não está consciente
desta
pequena, mas intrincada subversão
do nome HISPÂNIA ou ESPANHA .
Tudo isto tem a ver com poder político . tudo começou já em
tempos muito antigos, na época em que os romanos dominaram de
forma execrável a península…
Vou-lhe transmitir um texto de um dos Grandes Portugueses ainda
vivos, Pinharanda Gomes, que exprime melhor do que ninguém esta
mesma situação que acabei de descrever. (PINHARANDA GOMES,
História da Filosofia Portuguesa, Volume II, A Patrologia
Lusitana. (Consulte as notas referentes a este excerto e o
índice da obra no fim do documento) (em CICLO ANTIGO I. - O
Espírito do Lugar - pp. 15-22):
…A Lusitânia não é mito dos humanistas do Renascimento 6. É, a
par de um nome que individualiza uma região planetária, um sinal
que indicia uma realidade existencial própria, mesmo que os
resíduos utilizáveis pelos sucessores e posteriores, careçam de
global inteligência e compreensibilidade. A Lusitânia
corresponde à zona húmida da Hispânia, onde se constituiu o meio
entrópico de Portugal hispânico, como que diverso da zona de
sequeiro da Península, onde prevaleceu a masculinidade
castelhana, mais arrebatada do que a feminilidade, a frouxidão e
a cisma da vertente lusitana. Quando dizemos que antes dos
Lusitanos o que sabemos é o pouco que sabemos acerca dos povos
anteriores — povos sem história — queremos significar que esse
‘sem história’ se refere mais à nossa ignorância do que à
inexistência de uma história, mas da Lusitânia sabemos quanto
importa a uma definição, ainda que mais prospectiva do que
perspectiva. Olhada retrospectivamente, a Lusitânia é mais do
que uma perspectiva da origem, uma prospectiva do meio em que se
afirmou uma entidade singular e diferente. É o carro da criação
de Portugal.
A Lusitânia não é Ibéria, a Ibéria não é Lusitânia. Comete erro
de juízo‘ de facto e de valor, a corrente histórica e política
que força a realidade até ser capaz de meter a Lusitânia na
União Ibérica, por não compreender que não há recta União
Ibérica, mas correcta União Hispânica. Na União Hispânica cabem
Lusitânia e Ibéria, enquanto na União Ibérica só cabem os povos
iberos, ou da Ibéria. A tese iberista releva do projecto de
sujeição da vertente atlântica à vertente mediterrânica e, por
via dela, da sujeição dos povos da periferia ao centro impulsor
do iberismo. A União Ibérica, tornada doce paliativo, é na ordem
política o projecto anti-autonomista do Duque de Olivares: Braga
dominada por Toledo.
A Hispânia tem quatro vertentes: a vertente atlântico-cantábrica,
especiosa, ainda que aparentada com a vertente pirenaica e com a
vertente lusitana; a vertente mediterrânica (ibérica); a
vertente pirenaica, com Aragão, e que por si mesmo é também
específica; e a vertente lusitano-atlântica, em que amplamente
se insere a galega ou galaica. É supérfluo considerar as
vertentes pirenaica e cantábrica, porque a díade dualista se põe
somente quanto às vertentes ibérica e lusitana. Os geógrafos que
vieram de fora nunca se enganaram e, por isso, jamais
confundiram Lusitânia e Ibéria. A Lusitânia é a vertente
atlântica - "Lusitânia… que mare Atlanticum spectat" 7, enquanto
a Ibéria é a região do Ebro, que o Mediterrâneo contempla. Em
sentido figurado, diríamos que a Ibéria olha para Oriente,
enquanto a Lusitânia olha para onde o mar começa e a terra se
acaba, por repouso do Sol ocitânico. A diferença geográfica não
inclui uma diferença cultural, (dos círculos culturais de
Frobenius sabemos como em África e na Europa há culturas
análogas, ainda que Frobenius haja sublinhado que importa não
confundir analogia com homologia), mas deve suscitar a vocação
para definir identidade geográfica, identidade étnica, e
identidade existencial. Lusitânia e Ibéria são duas regiões
distintas, tão significativas uma como a outra, mas nem a Ibéria
é fusível para a Lusitânia, nem há Lusitânia fusionável com
Ibéria. A pré-história dos povos peninsulares é diferente, mas
torna-se sintomático o nível diferencial entre projecto ibérico
e excurso lusitano, como se a Lusitânia e a Ibéria houvessem
sido berços de duas diferentes raças humanas, como queria o
enciclopedismo evolucionista 8. Na diversidade, as duas versões
antigas projectaram-se sempre num dualismo geográfico e
histórico, de modo que à díade nómica da Lusitânia / Ibéria
correspondeu a díade, algumas vezes antinómica, de Portugal /
Espanha. Oliveira Martins não teve pejo em considerar a adopção
do erro, provindo de muito antes, mas aprofundado em Herculano,
da confusão de Ibéria e Lusitânia, o que lhe valeu as acerbas
críticas de Teófilo Braga, apoiado na geografia clássica,
sobretudo na Púnica, de Sílio Itálico, que soube salientar a
longa distinção entre Iberos e Celtas e, por concomitância,
entre Iberos e Lusitanos, os que ocuparam uma região afastada e
diferenciada, onde permaneceram e perduraram como Lusitanos. A
Lusitânia é algo de comprimido a oeste, mas é também algo de não
assimilado a leste 9.
A Hispânia é um microcosmos, disse o geógrafo Méndez Silva, onde
há de tudo e nada falta, o que já antes dele haviam visto os
apologistas das esquadras mafamédicas. Microcosmos, cume da
Europa, cabeça do boi, é envolvida na sua maior extensão pelo
Rio Oceano, Atlântico identificado, apesar do jogo de estilo
elaborado por Homero, ou pelos homeríadas, mas reino microcosmos
divertido em dois olhares: o limite atlântico, span, sepharad,
ao modo fenício e hebraico, que é a nossa finisterra, como que a
sugerir que Hispânia é a Lusitânia com as terras do meio que
olham para o mar do meio das terras, de onde se gera o dualismo
atlântico-mediterrânico da Hispânia, mas onde por igual se gera
o atlantismo da Lusitânia 10. As diversidades regionais podem
não servir de base a divisões de território, nem são de molde a
criar regionalismos vinculados a um exclusivismo étnico, mas, no
caso Lusitânia/Ibéria, houve lugar a uma configuração
excêntrica, centrífuga e oceânica, de tal modo que seria sensato
postular que o nacionalismo das nações hispânicas, incluída a
nação portuguesa, encontra raízes e águas acolhedoras nos
regionalismos. A afirmação de Portugal é um acto de
nacionalismo; mas a afirmação da Lusitânia prevalece no acto do
regionalismo. A Lusitânia afirma-se pagus, terra nostra, perante
a urbe mediterrânica. A extensa teoria literária e
político-ideológica da antítese Castela/Portugal, mormente
elaborada no ciclo de 1580/1700 não é um fenómeno de erupção
palaciana; ela vem de longe, e os ideólogos palacianos
limitaram-se a pôr em letra de ler, ou em papel de prelo, uma
interpretação de mitos, de imagens avoengas.
Lusitânia situa-se entre Ibéria e Oceano, ou, na configuração
pré-romana, numa forma quadrangular que o domínio romano por
considerações estratégicas encurtou, ao dividir a Hispânia em
três províncias, a Lusitânia (diminuída da Galécia), a
Tarraconense e a Bética. Das três províncias, a que corresponde
ao vector do iberismo é a Tarraconense, porque Tarracona, pago
ibérico, estende os elos até ao Atlântico, subjugando a Galiza
e, o mais curioso a região dos Brácaros. A divisão provincial
romana carece de toda a lógica étnico-cultural, mas abunda em
intencionalidade dominativa. Tarracona é a Ibéria tal como os
iberistas sonham: uma grande província absorvente das que lhe
ficam, diminuídas, a seus pés, a Bética e a Lusitânia. A
estratégia romana elaborava com base em interpretações
comprometidas, pois, com efeito, Estrabão, que era mais submisso
do que Mela, confundira Iberos e Lusitanos, ainda que afirmasse
serem, os Lusitanos, os mais fortes dos Iberos 11. Estrabão tem
interesse em identificar Iberos e Lusos para justificar a
extensão da Ibéria tarraconense até à Lusitânia bracarense e
lucense; Pompónio Mela sabe da forte identidade lusitana face à
Ibéria, e convém-lhe sujeitar a fortaleza da finisterra à
esperteza da mediterra. Ao não compreender o jogo de intenções,
Herculano acabaria por cair na tese negativa da identidade
nacional com base regional, por oposição a quem vira melhor do
que ele, Bernardo de Brito e André de Resende — o que, aliás,
vem já dito em Leite de Vasconcellos 12. A Lusitânia Romana é
uma Lusitânia diminuída talhada a esquadro e régua, segundo o
interesse dominacional do império, a Lusitânia natural é todo o
oeste peninsular. Vai do Promontório Sacro, para além do Minho,
até à vertente norte-atlântica, e do oeste atlântico até bem
dentro: incluí, pelo menos, Mérida e grande parte da
Estremadura, por isso chamada Extrema: a fronteira da Lusitânia
com a Ibéria. A Lusitânia é o país dos quatro rios: Guadiana,
Tejo, Douro e Minho; a Ibéria é a região de um só rio: o Ebro. O
Ebro unifica, os quatro Lusitanos diversificam, de modo que é
viável assinalar uma Lusitânia minhota (brácaro-lucense), uma
Lusitânia duriense, uma Lusitânia tagana, e uma Lusitânia
guadiânica.
Ninguém sabe de onde vem o nome de Lusitânia. Há muitas
hipóteses, todas por igual verosímeis, a mor parte delas mais
provável do que demonstrável.
A pesquisa da história das origens, fenómeno humanista, é
coetânea do Renascimento. Enquanto o primeiro Renascimento
indaga as matrizes clássicas, o Renascimento do século XVI tende
a transferir do plano clássico para o plano antigo das
autoctonias, pelo que o Ocidente assiste a uma espécie de
movimento renascentista de fundo e propósito nacionalista, de
algum modo oposto ao renascentismo de fundo macro-cultural
europeu. Neste quadro quinhentista, "o maior e mais judicioso
antiquário português do século XVI" 13 foi o humanista André de
Resende, cujo gosto pela erudição clássica o orientou para a
indagação dos valores da sua terra, como factores reais, a par
dos clássicos grego e romano. O De Antiquitatibus Lusitaniae
(1593) continua sendo o pórtico da história lusitana antiga,
pórtico esse por onde discorreram os geógrafos e antropólogos do
século XVII, desde Bernardo de Brito, (cuja parte primeira da
Monarquia Lusitana alarga os conhecimentos de Resende, por
recurso a Laimundo Ortega) a Faria e Sousa, a Rodrigo Méndez
Silva, e a Gaspar Estaço (+ 1626), bem como a Teodósio de
Bragança, que as crónicas registam como um dos mais curiosos
autores do seu tempo, em matéria lusitana 14.
O laboratório de pesquisa das formas lusitanas prosseguiu no
século XVIII, com aproveitamento das colheitas prévias, nos
exercícios da Academia Real de História Portuguesa 15, fundada
em 1720, e a cuja actividade se deve não só a recuperação
documental de que usufruímos, mas também a sequência
historiográfica e metodológica no âmbito das ciências
históricas, que viria a culminar em Alexandre Herculano, ele já
um fruto da linha metodológica aberta por Manuel Caetano de
Sousa. Equivalente crédito tem a haver a Academia Real das
Ciências de Lisboa, cujos trabalhos relativos a esta
problemática se acham nas importantes colecções de Memórias de
Literatura Portuguesa e de História e Memórias da Academia das
Ciências. O século XIX, com o desenvolvimento das ciências
auxiliares, trouxe novos contributos à pesquisa da antiguidade
lusitana, em todos os domínios, desde o mesológico ao
antropológico, nesse capítulo merecendo realce as obras de João
Bonança, Augusto Coelho e Oliveira Martins, entre outros,
complementados, com alto espírito de síntese, por Leite de
Vasconcellos. Na transposição do século XIX para o século XX, há
a assinalar a actividade arqueológica de Carlos Ribeiro (+
1882), bem como os trabalhos da Associação dos Arqueólogos
Portugueses, fundada (1863) por Possidónio da Silva; da
Sociedade de Geografia de Lisboa e, sobretudo, da Escola
Antropológica Portuense, cujas raízes têm muito a ver com a obra
desenvolvida por Martins Sarmento, obra essa que seria
continuada pelo núcleo que à sua volta se criou em Guimarães, a
Sociedade Martins Sarmento 16. Neste ciclo de estudos há
efemérides: em 1880, o Congresso Internacional de Antropologia e
Arqueologia Pré-Histórica (Lisboa); em 1888, a fundação da
Sociedade Carlos Ribeiro, por Rocha Peixoto, Ricardo Severo,
Adolfo Coelho e outros; em 1899, o aparecimento da revista
Portugália; em 1911, a criação da cadeira de Antropologia na
Faculdade de Ciências do Porto, em que pontificaram um António
L. Ferreira Girão e um Câmara Sinval. Deste núcleo escolar
nasceria a Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia
(1918), onde se distinguiram personalidades quais Aarão de
Lacerda, Damião Peres, Teixeira Rêgo, Bento Carqueja, e onde
outros continuam a distinguir-se em nossos dias. Análogo papel
competiu à antropologia conimbricense, desde a fundação (1885)
da cadeira de antropologia na Universidade, que teve
desenvolvimento com o magistério positivista de H. Teixeira
Bastos 17.
As ciências da antiguidade lusitana progrediram em monografias
desde o século XVI até à síntese elaborada no primeiro quartel
do nosso século por Leite de Vasconcellos mas, depois deste,
vive-se uma nova fase monográfica, analítica e pormenorística,
já a carecer de síntese ampliada.
A tese mais aceite é a de que os Lusitanos eram um povo
pré-celta, ocupante, nativo ou imigrado, da região da Lusitânia.
Os antropólogos identificam outros povos, a que os antigos
chamam raças, v. g., cúnios, taganos, transcudanos, etc., mas as
designações não correspondem a etnias rácicas, identificam
apenas etnias regionais. Transcudanos eram, por exemplo, somente
os lusitanos de Ribacoa; e o mesmo dos taganos — os lusitanos do
Tejo. Estas designações serviam para identificar núcleos
populacionais habitando uma determinada região. Não designam nem
nominam povos muito diferentes, apesar das eventuais variantes
heteroétnicas, tal como sucede em nossos dias entre beirões,
minhotos, saloios, alentejanos e algarvios. O toponímico
sobrepõe-se ao antroponímico, mas não o subverte, nem cria
diferenças desidentificativas.
Na Ilha das Nascentes de água, que Diodoro Sículo afere à
Hispânia, situa-se o paraíso, ou, pelo menos, o proémio do
paraíso, descrito e projectado no Pseudo-Aristóteles (por onde
os Árabes o aprenderam e, por isso, vieram de onde vieram à sua
procura, tendo havido entre eles quem tomou o Andaluz por ele,
enquanto uns marinheiros de Alfama o procuraram mais adiante, no
mar…) e no antigo Liber de Mirabilibus Auscultationibus, em que
se descrevem as Ilhas Afortunadas, que Pompónio Mela inteligiu
da tradição remota e pré-platónica, como sendo a terra das ilhas
das produções espontâneas: a agricultura sem trabalho, o
sacramento do alimento sem suor do rosto e, por isso, o Paraíso
reavido, reencontrado ou desencoberto. A Hispânia não foi porém,
para nenhum dos povos imigrantes, o paraíso anelado. Mostrou-se
terra convidativa, por certo, mas dura por excelência, divisa
entre os álacres montes iberos e as verdejantes e aquáticas
montanhas e veigas barrocas da Lusitânia, espaço de árvores e de
águas.
Do Mar Cantábrico ao Algarve - depois, o centrípetismo
lusitânico permitiu significar o mesmo em Portugal e Algarves,
do Minho a Timor, porque Minho é Galécia - pelo centro oeste da
Meseta, cortada por caminhos de serpentear, rede de comunicações
pagãs, ou de uns pagos para outros, Portugal é a Lusitânia sem
cabeça geográfica, mas de pernas longas: do Minho ao Algarve,
com mais pernas do que cabeça, significado mais em Amadis, que
possui Oriana sob o verde tapete da relva à beira do regato, do
que em Quixote, seco e estéril, louco de cabeça desértica, por
isso honrado e casto. O amor liga Amadis, enquanto a honra isola
Quixote. Em duas figuras antropomórficas se consubstanciaram em
símbolo as duas Hispânias: a do barroco e a do gótico, a das
meias terras e a das finisterras.
Lusitânia é a terra dos Lusitanos, o maior dos povos ibéricos,
mégiston tón Ibericón Étheon, no dizer de Estrabão 18, que, no
tempo das invasões romanas sendo mais celtas do que iberos,
eram, não obstante, do ponto de vista colonial romano,
considerados mais iberos do que celtas, por isso ser conveniente
à rota imperial 19. Lusitânia é o pré-Portugal que se fenomeniza
qual anfiteatro levantado em frente do Atlântico, para brincar à
gesta providencial.
Lusitânia é um nome deduzido de Ligusitani, através da forma
Lusitani no achado de Martins Sarmento, que por essa via,
dificultou a fácil explicação mítica renascentista de Lusos,
filhos de Luso, deus grego 20. A forma luso apresenta-se qual
ramo lígur ou pré-celta, por isso que, na invasão céltica, os
invasores não tiveram de actuar tão fortemente como noutras
regiões despidas de caracteriologia céltica, uma vez que
factores celtas já se encontravam patentes e operantes na
Lusitânia, habitada por gente da heráldica celta, gente vinda do
norte da Grécia, de onde a razão dos que, no decurso do tempo
(S. Bráulio de Saragoça, Santo Isidoro de Sevilha, Otero Pedrayo,
Ramón Pineiro) defendem a origem grega dos povos
galaico-lusitanos. As unidades étnicas não se apagam, antes
continuam, sempre metamórficas na tradição subsequente e
consequente. Na ordem sucessória, Lusitânia é somente outro nome
de Ophiussa, a Terra da Serpente, onde sopra o vento Zéfiro,
atlântico chamado na Odisseia, o vento que empurrou Ulisses.
Ulisses deixa de ser um homem para ser o vento que fecunda as
éguas de Montejunto. É o vento da Primavera, que faz rebentar as
flores nos campos e, nos animais, o cio procriador.
Martins Sarmento postulou a tese ligúrica, acompanhado por
Schülten, mas parece que Sarmento leu a seu modo. Lusus não
aparece em nenhum texto antigo, nem mesmo na Ora Marítima, de
Avieno, por isso, em Avieno, convém ler, ou Pernix lucis, ou
Pernix ligus. Num caso, pretendido por Sarmento, vamos para a
genealogia lígure; noutro caso, vamos para uma estrita
genealogia lusitana. Ora, como na sequência do debate veio a
demonstrar Mendes Corrêa, a leitura ligus, em vez de lucis,
esclarece o enigma e postula a origem, dando força à tese
sarmentina. Lusitânia é a Ligugitâna, a terra dos Ligures, mesmo
que, noutras instâncias, ela possa ser entendida como terra das
amêndoas - Almendra - como sucede na versão que deriva Lusitânia
de luz (amêndoa, fenício amydgdalum). A dificuldade reside na
tendência unitarista, quando nunca foi necessário que o povo
lusitano fosse o dos Lusitanos puros. Mais provável se apresenta
a tese que lobriga a Lusitânia como o nome dado a uma área
geográfica onde se acoitaram povos vários, assimilados até à
constituição da Lusitânia propriamente dita. Os Lusitanos não
eram um único povo, antes assistiram no centro das Beiras, sendo
o mar o elemento dinâmico que os formulou em unidade, quando o
factor celta para tanto contribuiu vigorosamente, como pretendeu
António Ribeiro dos Santos. Virgílio Correia recua. Na sua ideia,
os Celtas são um fenómeno histórico mas, antes deles, há um povo
bem definido, nem ibero nem celtibero, mas um povo com fundas
raízes no território, o povo dos construtores de dólmens 21.
Esse território foi sempre mantido, com algumas variantes
fronteiriças, através dos domínios celta, visigótico e árabe,
chamando-se Lugidânia, cujos povos curvaram a cerviz aos
invasores, como referiu Idácio.
O paradoxo alerta para a tese futura de que a origem de Portugal
e da língua portuguesa não é exclusivamente latina. Portugueses
e Portugal procedem de matrizes acasaladas de diversa
proveniência, unidas num fluxo ribeirinho, a Lusitânia. Nela,
Lusitânia, achamos os arquétipos da nossa situação antropológica
e ambiental, a terra dos Ligures, povo sacerdotal, e a terra
onde, numa coordenação sacerdotal ou sacrificial, etnias
múltiplas se orientaram para o mesmo centro, o centro do Mundo,
sem sujeição ao primado do meio como factor de transformação
social. O meio funcionou tão-só como veículo de potência para o
acto, como ponte cultural.
Lusitania é a matriz de uma condição histórica, o poente
barroco, a extremitate mundi. No Oriente, há uma ponte, a
balcânica, da Europa para a Ásia. No Ocidente há a ponte
hispânica, funcionando da Europa para todo o mundo. Ponte
cultural é, mais do que um fenómeno geográfico, uma capacidade
de leitura, de síntese e de transmissão, é a virtude do
pontificado cultural. Receber a herança e não a delapidar, antes
a inscrever e transmitir. A categoria apresenta-se diurna e
nocturnamente. A Lusitânia é um campo, um pagus, uma região, que
separa da Europa e, no entanto, a ela se mantém unida, tanto
como procura unir-se a todo o mundo. Mais do que Nação, onde se
nasce, é uma Pátria.
NOTAS:
6 Mendes Corrêa, Hist. de Portugal, I (1920) 93.
7 Pompónio Mela, De Situ Orbis, III, II; Estrabão, Geographica,
III, 4. Acerca do tema da União Ibérica, para mais bibliografia,
cf. Inocêncio, Dicc. Bibliographico, X, 34, 394; XI, 262 e XVII,
120.
8 João Bonança, História da Luzitania, 7, 27 e 64. De um modo
geral é fraca a tese da autonomia portuguesa assente nas causas
geográficas. Cf. Amorim Girão, Geografia de Portugal,
(1949-1951) e Orlando Ribeiro, Introdução Geográfica à História
de Portugal. (1977).
9 Cf. Jaime Cortesão, Os Factores Democráticos na Formação de
Portugal (21966) 32. Com ironia encoberta mas grave — dito de
Oliveira Martins — Herculano combateu os Lusitanos, na longa
Introdução à História de Portugal. Teófilo Braga criticou ambos,
— Herculano e O. Martins, — por terem desnacionalizado Portugal,
ao desentenderem a diferença Lusitânia / Ibéria.
10 O Ribeiro, Portugal, o Mediterrânio e o Atlântico (1945)
237. Para a compreensão sintética destas teses, cf. F. da Cunha
Leão, O Enigma Português (21973).
11 Estrabão, ob. cit., III, III, 3.
12 Leite de Vasconcellos, Religiões da Lusitânia, I, XXV.
13 Herculano, História de Portugal, Introdução, 35. Não
obstante o elogio que lhe tece, Herculano pouco aceita de
Resende, enquanto ignora Orósio.
14 Teodósio de Bragança nada escreveu, mas os testemunhos dos
cronistas noticiam a sua dedicação à antiguidade lusitânica. A.
Manuel Luís, Theodosius Lusitanus (1680) e J. B. Domingues, Vida
do Principe Teodósio (1747).
15 Cf. M. Telles da Sylva, História da Academia Real
Portuguesa. (1727) e os vols. da Colecçam de Documentos e
Memórias da Academia Real da História Portuguesa, 19 vols.
(1721-1736).
16 Cf. M. Cardozo, Dr. Francisco Martins Sarmento. Esboço
Bio-Bibliográfico. Guim., 1933. A Sociedade Martins Sarmento
edita há muito a sempre de consulta obrigatória, Revista de
Guimarães.
17 Mendes Corrêa, in Actas do Cong. do Mundo Port., XII,
619-636.
18 Estrabão, loc. cit., III, 3, 3.
19 Schülten, Viriato, 33.
20 M. Sarmento, Os Lusitanos (1880) 25.
21 V. Correia, As Raças do Império, 155.
ÍNDICE DA OBRA:
CICLO ANTIGO
I. O Espírito do Lugar
II. A Arca de Pedra. Simbologia e Teogonia
III. A Pesquisa Metálica. Os Celtas. Os Castros
IV. Os Lusitanos. Filomitia e Mitologia
V. Domínio Romano e Cultura Clássica
VI. A Filosofia no Termo da Antiguidade. O Estoicismo Romano
- CICLO MEDIEVAL
Período Romano-Cristão
I. Tradição e Inovação. Paganismo e Urbanismo
II. Patrística e Patrologia. Filosofia e Religião
III. Apologia e Filosofia. As Peregrinações. Etérea
IV. A Cristologia. O Arianismo. Potâmio de Lisboa
V. Prisciliano. A Gnose Priscilianista
Período Suévico-Bizantino
I. Barbaridade e Romanidade
II. Ortodoxia e Heterodoxia na Reacção Anti-Priscilianista
III. A Controvérsia Pelagiana. Paulo Orósio
IV. Teologia da História. Pessimismo e Triunfalismo
V. Providencialismo e Milenarismo. Paulo Orósio. Apríngio de
Beja
VI. A Escola Dumiense. S. Martinho de Dume
Período Visigótico
I. Definições. Símbolos e Dogmas
II. Alvores Escolásticos. Isidoro de Sevilha
III. Ascética e Monástica. S. Frutuoso de Braga e o Monaquismo
Ocidental
IV. Culto e Cultura. Liturgia e Dogma. O Rito Bracarense
V. A Queda de Braga e de Toledo. Sequência da Patrologia no meio
Islâmico
VI. A Emigração Hispânica e o Renascimento Carolíngeo
BIBLIOGRAFIA E FONTES DOCUMENTAIS
Abreviaturas
1. Generalidades. Bibliografias
2. Tipologia do Pensamento Português
3. História Geral. História de Portugal
4. Raízes da Lusitânia
5. Cultura Céltico-Castreja
6. Lusitanos. Teogonia Lusitana
7. Romanização
8. Lusitânia Cristã
9. Estoicismo Romano
10. Suevos e Visigodos
11. Patrologia Hispânica
12. A Matriz Oriental. Etérea
13. O Arianismo. Potâmio de Lisboa
14. Gnose Priscilianista. Reacção Ortodoxa
15. Cristologia e Teologia da História
16. Humanismo Dumiense. Martinho de Dume
17. Monaquismo Lusitano
18. Filosofia e Liturgia. O Rito Bracarense
19. Decadência e Sequência
Também vão, como observou, as fontes que, provavelmente poderá
consultar.
Cumprimentos Poéticos e Lusitanos.
Rogério Maciel
PS. : Sei que é complicado, mas, depois disto, temos que incluir
aqui Todas as outras Línguas maravilhosas da Hispânia ... o
Galêgo, da qual descende o Português, o Catalão, O Basco, o
Andaluz, etc ... Abraço Lusitano .