Ronaldo Oliveira
Mutante Mautner
Ao nos convidar a
acompanhá-lo num mergulho pelo universo do cantor, compositor e
poeta Jorge Mautner, o jornalista César Rasec adverte que, primeiro,
é preciso desarmar-se de todo o preconceito. Só assim, de fato, é
possível entender e apreciar a atuação desse anárquico mutante –
arauto, há pelo menos 30 anos, de uma Nova Era, no cenário cultural
brasileiro.
Jorge Mautner em
Movimento, livro lançado na última quinta-feira, no Memorial da
Câmara Municipal, é o resultado de uma pesquisa de mais de dez anos
e, principalmente, de um fascínio que começou quando o autor ainda
cursava Comunicação na Universidade Federal da Bahia, no final dos
anos 80. Acompanha o volume um CD com as músicas Kaos, de Rasec e
Luís Caldas, interpretada por este último, e Cordel Dionisíaco,
também de autoria do jornalista, com os artistas Bule-Bule, Bira
Paim e Missinho.
Incorporando o deus
Dionísio, entidade que rege o biografado, assumido hedonista, César
Rasec nos conduz, numa hiperbólica viagem, a diferentes momentos da
vida de Henrique George Mautner, filho de judeus austríacos que
chegaram ao Brasil fugindo do nazismo, no início dos anos 40.
As entrevistas que se
sucedem, ao longo das 407 páginas de Jorge Mautner em Movimento –
ilustrado com fotos do acervo pessoal do artista –, permitem seguir
não apenas a trajetória do personagem-título na literatura, na
música e no cinema, mas a própria história recente do País.
Depoimentos como os de Paulo Bomfim, José Roberto Aguilar, Luís
Carlos Maciel, José Carlos Capinan, Nelson Jacobina, Rogério Duarte,
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Roberto Sant’Ana,
Dulce Maia e Jary Cardoso enriquecem, por seu cunho testemunhal, o
conhecimento do leitor sobre temas que vão do Tropicalismo à Bossa
Nova e aos anos de chumbo.
SOFISTICAÇÃO – O poeta Paulo Bomfim, membro da Academia Paulista de
Letras, conheceu Mautner em 1961, aos 20 anos, e lembra a impressão
que lhe causou “aquele adolescente que escrevia, compunha e
interpretava de maneira totalmente diferente”. Deus da Chuva e da
Morte, lançado em 1962, rendeu ao jovem escritor o Prêmio Jabuti. O
livro, vinha sendo escrito desde os 15 anos, revelando a precocidade
do autor.
A partir de Kaos, lançado
em 1963, Mautner mantém uma produção literária que se alterna com
seu trabalho musical. Nos anos seguintes, publicaria Narciso em
Tarde Cinza e Vigarista Jorge (1965), Fragmentos de Sabonete (1973),
Panfletos da Nova Era (1978), Poesias de Amor e Morte (1981), Sexo
do Crepúsculo (1982), Fundamentos do Kaos (1986) e Miséria Dourada
(1993).
Sobre sua obra diz o
jornalista Luiz Carlos Maciel: “Jorge Mautner é um artista muito
sofisticado – um intelectual, um pensador, um escritor e só depois
disso um artista popular, ou mais exatamente um artista que se
pretende ser popular por opção, gosto, preferência e não, segundo
penso, por karma, destino. Em suma, Mautner é um fenômeno de elite,
tem admiradores capazes de entender sua sutileza, mas parece
estranho às massas afeitas a uma comunicação mais simplória”.
Vencedor do Grammy latino
do ano passado com o disco Eu não peço desculpa, feito em parceria
com Caetano Veloso, o compositor Jorge Mautner é sempre lembrado por
músicas como Maracatu Atômico (com Nelson Jacobina, seu parceiro
mais constante) e O Relógio Quebrou – sucessos na voz de Gilberto
Gil e de Chico Science – ou O Vampiro, gravado por Caetano Veloso,
no disco Cinema Transcendental.
Sua produção musical,
entretanto, tem sido intensa nas últimas décadas e pode ser
avaliada, não apenas nos próprios discos – Mitologia do Kaos,
Estilhaços de Paixão, Árvore da Vida e Antimaldito, para citar
alguns –, mas também no prestígio que goza entre intérpretes, como
Zé Ramalho, Lulu Santos, Elba Ramalho, Gal Costa, Morais Moreira,
além dos já citados Gil e Caetano, todos presentes no disco
comemorativo de 40 anos de carreira, Ser da Tempestade.
Ao tratar da presença de
Jorge Mautner no cinema, César Rasec registra que Gláuber Rocha
considerava O Demiurgo, realizado por Mautner em Londres, em 1970,
como “o melhor filme feito sobre e no exílio”. Pouco visto, O
Demiurgo tem como atores, além do próprio diretor, Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Jards Macalé, Dedé Veloso, Sandra Gadelha, Roberto
Aguilar, e Leilah Assunção.
A pecha de “maldito”, que
sempre acompanhou o artista, está presente no filme Jardim de Guerra
(1968), dirigido por Neville de Almeida, com argumento e roteiro de
Jorge Mautner. Como ator, ele aparece em várias produções nacionais,
a exemplo de São Paulo S.A., de Luís Sérgio Person, e Choque de
Sentimentos, de Máximo Alviani, ambos de (1965); O Olho Mágico do
Amor (1987), de José Antônio Garcia e Ícaro Martins, e Festa (1989),
de Ugo Giorgetti.
Leia
Jorge Mautner em Movimento, de César Rasec
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z Telefone: (71) 240-8994
z R$ 35 (Livro com CD musical)
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