Roberto Pontes
Fortuna crítica: Fernando Py
Para O Bem da Poesia
Dentre os livros que, de uma forma ou outra, tomam como assunto
exclusivo as questões sócio-econômicas e políticas do nosso tempo,
enfocando sobretudo o período negro da ditadura militar recente no
Brasil, este Verbo Encarnado se assinala imediatamente pela
coerência de propósitos e pela coesão interna.
Coerência que se mostra na atitude severa de combate, denúncia e
condenação, mesmo quando não trata das mazelas originárias do golpe
militar, mas igualmente das presentes na vida brasileira,
principalmente no Nordeste sempre sofrido que o poeta vivencia no
sangue e na alma. Coesão que enforma todos os poemas do livro, pois,
de certo modo, eles se complementam uns aos outros, lançando luzes
novas sobre os problemas dos desvalidos e dos miseráveis, no Brasil
e no exterior.
Verbo Encarnado, porém, não representa apenas o desabafo e a
revolta. Também reafirma uma posição já assumida na obra anterior do
poeta, a sua marca pessoal diante desse mundo em que vivemos, com
freqüência hostil e desprezível, mas que poderá vir a ser um dia o
universo ideal da espécie humana. Roberto Pontes sabe que reformar o
mundo é uma tarefa inglória, senão inútil. Caberia ao indivíduo
particular, pela denúncia e pelo combate, contribuir com sua parcela
na luta para melhorá-lo. E a parcela do poeta é sua obra poética.
Assim, este livro expõe o que há de errado no contexto
sócio-econômico do Brasil, vibra e vergasta os nossos males – mas,
acima de tudo, não se esquece de que é um livro de poemas e não um
mero folheto panfletário. É importante chamar a atenção para isto,
pois essa poesia, tão "datada", não se restringe ao simples fato
político-social que a gerou; vai além, impõe-se ao leitor pelo
acabamento dos poemas, muito bem cuidados.
E mesmo aí, mostra-se Roberto Pontes um artista acima do mero
artesão. Raramente exibe ao leitor um produto bem acabado demais,
certinho e sem alcance maior. Em poemas cuja forma fixa é natural –
senão obrigatória – não se detém o poeta na medida rigorosa dos
versos, antes deixa-os quase sempre a flutuar no balanço de uma ou
duas sílabas a mais ou a menos, o que não só contribui para a
melodia das linhas, como para o lucro poético do conjunto.
Se poemas como "Verbo Encarnado", "Didática do Homem", "Soul por
Luther King", "Fala sobre o Medo" e muitos outros, mostram um poeta
bastante afinado com o que acontece no mundo e suas repercussões em
cada um de nós, já versos como os da "Chula da Rendeira" e da "Gemedeira
da Floreira" provam-no senhor dos ritmos melódicos dos versos, um
artista que não se deixa apequenar pelas contingências, antes
assimila-as admiravelmente, transformando em matéria poética tudo o
que existe de perverso no homem e no mundo. Para o bem da poesia.
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