Velazquez, A forja de Vulcano

 

 

 

 

 

Regina Souza Vieira


Drummond inesquecível

20 anos depois

 

Recentemente, certo cronista do Jornal O Globo manifestando sua opinião, declarou que “uma boa definição de literatura é a seguinte: aquilo que fica” . E ao que parece nenhuma literatura, nenhuma poesia, nenhum autor tem sido mais lembrado ou mais referido do que Carlos Drummond de Andrade. E ao se fazer tal afirmação, busca-se considerar que o poeta e escritor faleceu em 1997 e, no entanto, até os nossos dias, na maioria de crônicas ou de publicações hodiernas, surge uma referência, uma alusão, uma intertextualidade buscada no autor mineiro. Ele mesmo não atentava para o poder de sua obra, ele mesmo descria dessa resistência à força de suas palavras, podendo-se admitir que tanto quanto Platão que expulsou os poetas da República,ele se expulsou rapidamente da lembrança de seu povo. De que forma? Afirmando que poucos anos depois de morto, seria esquecido por todos. Nada disso, entretanto, se confirmou e tem-se, hoje, vinte anos após sua morte, a confirmação desta verdade. Bem ao contrário do que ele previra, sua memória resiste aos dias e aos arremessos inesperados da vida. Em todas as situações, parece que se encontra no poeta – talvez mais neste do que até no cronista, contista e ensaísta, desempenhos que também o tornaram literariamente importante – explicações e confortos para os problemas existenciais. Ante o desemprego, ante a desesperança ou ante o inesperado, quem não se perguntou ainda: “- E agora, José?” Ante um momento de abandono, quem ainda não olhou ao redor de si e afirmou: “Estou sozinha no mundo // (...), intertextualizando, até sem querer, o eu lírico de “A bruxa”. Ante um momento de impossibilidade quem não lamentou: “Tenho apenas duas mãos...” (“Sentimento do mundo”). E é por isto que se não esquece Carlos Drummond de Andrade; é porque ele está presente em tantos momentos de nossas vidas que nenhuma data que propicie lembrá-lo, pode passar em brancas nuvens. E assim, homenageou-se Drummond aos setenta anos: “Lembro-me de um número especial em comemoração aos 70 anos de Drummond, se não estou errado. Os mais diversos poetas fizeram homenagens a Drummond. Foi um número precioso, como também o foi aquele dedicado ao Emílio Moura”.

Ele se foi, e as homenagens continuaram; aliás, proliferaram, repercutindo com intensidade no ano centenário de sua morte. Em 2002, manifestações de todos os lados tentaram lembrar os cem anos de seu nascimento, exaltando a figura do homem, do poeta e do escritor. Por ocasião desta data, Itabira se vestiu de Drummond; exposições no Rio revelaram a importância de sua obra e as colunas dos principais jornais do país preencheram seus espaços, trazendo alusões, referências e informações que, em meio ao muito que já se sabia, tentavam revelar um novo detalhe. E todos os esforços visavam tão somente homenagear aquele que, apesar de não fazer parte do mundo dos vivos, perdura entre nós, falando-nos à sensibilidade com uma sincronia total e absoluta.

Agora, em 2007, um outro motivo serve de pretexto à lembrança do povo: Vinte anos de morte do poeta maior CDA! E estas datas soam, então, como evasivas para que a poesia de Drummond volte a nos emocionar, permitindo que sua sensibilidade, seu entendimento gauche da vida e suas indagações metafísicas continuem bulindo com os nossos sentimentos e a nossa emotividade.

A mitologia grega confere à deusa Mnemosia o tributo da imortalidade; melhor dizendo, para os gregos antigos a morte só acontecia realmente quando o morto caía no esquecimento de todos No entanto, o poeta se aproximou do eu lírico e, nestes vinte anos de ausência, fez valer como verdade o que fora declarado no poema “Consolo”:


De tudo fica um pouco
(...)
Se de tudo fica um pouco
Por que não ficaria um pouco de mim? ....
(...)

 

De Carlos Drummond ficou muito, tanto que, agora, em 2007, um motivo que soa como triste porque é morte, serve de pretexto para se lembrar a poesia drummondiana. Datas, assim, repercutem como evasivas para que a poesia volte à nossa lembrança, trazendo o infindável questionamento sobre o ser, sobre as problemáticas existenciais, sobre os tantos porquês da vida aos quais, ainda que em lirismo, Carlos Drummond de Andrade colocou para si mesmo e para os seus concidadãos. Uma poesia solitária e solidária que continua emocionando com a mesma força de sempre. Uma mensagem que continua a sensibilizar e falar fundo aos nossos corações, ainda que dez anos depois do “passamento” do poeta, como diria João Guimarães Rosa.

Regina Souza Vieira
 

 

 

 

 

 

 

04.10.2007