Sébastien
Joachim
César Leal e William Blake: Uma
Aproximação
O presente estudo pretende mostrar a profunda afinidade de
inspiração de César Leal com o poeta inglês William Blake. Partindo
dos Sonetos da Experiência, podemos observar esta afinidade de
inspiração não só pelos temas (a morte, a vida, a liberdade, a luz,
etc.) como também pela retomada de títulos (Blake: Cantos de
Inocência, Cantos de Experiência; César Leal: Sonetos da Inocência,
Sonetos da Experiência).
Vamos observar que apesar desta afinidade entre os dois, não há em
César Leal nada do cristianismo agressivo e portanto vulnerável de
Blake. Os meios expressivos do brasileiro são, aliás, mais sutis,
pois ele beneficiou-se de todos os movimentos técnicos, das
diferentes escolas poéticas que sucederam o pré-romantismo blakeano.
O que está dito e pintado na ordem mística de maneira óbvia em Blake,
se apresenta em César Leal de modo indireto, em meio a uma
teorização sobre a poesia. Isto é detectável desde Invenções da
Noite Menor (1957) e prossegue seu curso até os últimos poemas
publicados em Constelações (1986).
Partiremos de uma apresentação sucinta da trajetória poética de
William Blake, dando destaque ao aspecto mítico de sua obra. Em
seguida, faremos uma análise temática dos Sonetos da Experiência
através de redes isotópicas e, posteriormente tentaremos comprovar a
recorrência desses temas em outros textos de César Leal.
A trajetória mítica de William Blake
O tema da Unidade Essencial de todas as coisas é uma constante em
toda a obra de William Blake.
Em Cantos de Inocência, o tema e a infância. Para Blake, a infância
é o vestígio da unidade original do homem com a Energia e Unidade
Universal. A vitalidade da criança faz com que ela participe sem
medo da realidade essencial da natureza e permaneça em contato com o
mundo eterno do espírito. Em sua vida, tudo faz parte de uma mesma
dimensão real e está em contínua comunicação (as plantas, os
animais, o sol, etc.)
Cantos de Experiência mostra a frieza e a aridez da terra,
transformada em símbolo da mortalidade a que foi condenado o homem.
Para Blake, a mortalidade é a ruptura do vínculo entre humanidade e
eternidade, a perda da faculdade imaginativa, da espiritualidade.
Simultaneamente aos Cantos de Inocência e Cantos de Experiência,
Blake escreveu vários livros Proféticos que ampliam a sua mensagem e
que podem fundamentar uma melhor aproximação entre seu universo
poético e o de César Leal.
Não existe Religião Natural está dividido em duas partes. A
descrição do estado "natural" do Homem (o homem só percebe o que
seus órgãos corporais permitem, ou seja, seus sentidos limitam sua
razão e seus desejos). Concluindo que é o caráter poético ou
Profético do homem que dirige a Filosofia e a Experiência.
Na segunda parte, Blake diz que o homem não está limitado por seus
sentidos, nem desejos. O homem deseja o infinito porque ele mesmo é
infinito. A conclusão é que quem vê o infinito vê Deus. O infinito
está em tudo, inclusive no homem, portanto, no homem está Deus. Há
unidade perfeita entre o Criador e sua criação.
Blake mostra em O Matrimônio do Céu e do Inferno o erro das
construções racionalistas que colocam Deus separado do homem, como
juiz, pai e tirano. Ele passa assim a criticar as religiões
oficiais, responsáveis por essa quebra de unidade.
Nos livros proféticos de Thel e Tiriel, Blake retoma a questão da
dualidade humana, ou seja, seu estado natural e seu ser eterno. Thel
representa o estado de inocência e Tiriel o da experiência. Ele
conclui que a existência humana só tem sentido pela possibilidade de
retorno à unidade perdida com a eternidade.
Em O Livro de Urizen, Blake começa a sistematizar a visão da criação
e da história do homem. Para ele a criação é a ruptura da unidade,
ou seja, ao ser criado, o homem é separado da Unidade Universal. O
livro é composto de um longo poema, no qual o autor expõe sua
interpretação da existência do mundo. Baseando-se em estudos
cuidadosos dos mitos antigos, compara-os para descobrir o que de
verdade psicológica pode haver neles. Ele enriquece as suas
investigações sobre os mitos clássicos com indagações sobre os mitos
escandinavos e a cabala.
A comentarista espanhola que desde o princípio acompanhamos passo a
passo neste trabalho, diz a respeito da função da morte na poesia de
Blake: ela é "la transformación de la carne en tierra inerte, es el
tope en el abismo, lo que detiene al hombre en su caída impidiéndole
llegas al caos total, a la inexistência. Es lo queblake denomina el
"limite de la opacidade o (...) la Concha del mundo (...), la forma
infundida a la caída del eterno, forma que hace posible la final
redención del hombre, el definitivo despertar, la Apocalipsis, el
regresso a Jerusalén, a la ciudad eterna".
Em O Livro de Urizen e os que se seguem anteriores As Quatro Zoas,
Blake entreviu a história do homem a partir do momento de sua
criação. As Quatro Zoas expõe o próprio processo da criação. É
ampliada a idéia de criação como ruptura da unidade e do vínculo com
a eternidade. Mantém a concepção de que, o erro essencial cometido
pela razão humana é tomar como realidade objetiva o que somente pode
ser criação do espírito ou da mente. No simbolismo blakeano, o
número quatro é fundamental, pois representa a superação do três, da
trimensionalidade do tempo e do espaço.
A palavra "zoas" é um derivado inventado por Blake do vocábulo grego
que significa "animal". As quatro zoas são os quatro aspectos da
energia divina. O livro descreve nas quatro primeiras partes
exatamente a queda destes aspectos (o poder de conceder vida ao ser
criado, a capacidade de amar e de gozar, o princípio eterno da
sabedoria e da forma e a imaginação e fertilidade). As partes
seguintes mostram o percurso seguido pelo homem para atingir a
redenção. A imaginação tem a tarefa de recompor a unidade destruída,
pela queda das três zoas. "Blake vio en la imaginación humana una
lucha de contrarias. Si por un lado la considero como la facultad de
crear y liberar, por el otro la vio como el origen del "mistério" o
mistificación, y de la tirania".
Jerusalém foi o poema que substituiu As Quatro Zoas. Nele, novamente
através de mitos, Blake contrói a sua visão da criação do homem.
Enquanto As Quatro Zoas mostra que os aspectos mais promissores do
espírito humano, superam os obscuros e trágicos; Jerusalém consegue
equilibrar os males da vida mortal com as verdades eternas do
espírito. Este equilíbrio é mantido pelo conceito da morte como
sendo o limite do qual o homem volta a partir e pela capacidade
visionária ou imaginativa de todos os homens.
Em resumo, a conclusão a que Blake chegou foi "el Arte como la única
salvación del hombre y el artista como redentor, identificado, por
lo tanto con Jesús. El artista se identifica con el profeta".
Nesse profetismo a recorrência obedece a uma evidente trajetória
mística: Morte e Ressurreição ou a queda, o esfacelamento a
dispersão, a descontinuidade de um lado, e de outro lado, a ascensão
via a dor, o sofrimento, a noite simbólica. A noite como Morte
afigura-se ambígua, pois nela está o germe de uma renascença. Nunca
se deve esquecer que a divisão do ser pela morte, está continuamente
ligada a uma possível reconquista da unidade perdida.
Essa mensagem Blakeana, César Leal consciente ou inconscientemente a
retoma de uma forma laicizada, no entanto solidária do sagrado, já
que a sua busca constante é o Absoluto pela poesia.
Leia a obra de César Leal
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