I
Desta amarga existência em certo, amargo dia, À hora da meia noite, augural e profana, Eu, de velha doutrina, as páginas relia, Curvo ao peso do sono e da fadiga insana. Mal do meu pensamento a direção seguia
Foi assim que senti, do meu triste aposento,
Disse comigo: é alguém que pela noite fora,
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II
Ó se o recordo, e bem! numa invernia brava, O ríspido e glacial Dezembro decorria E, da lareira ao chão, cada brasa lançava O supremo fulgor da sua lenta agonia. E eu a esperar, em vão, a aurora que tardava
Em vão! consolo, em vão! à minha dor profunda
Porque jamais se esquece, alma consoladora
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III
Ante o vago oscilar, indefinido e brando, Das cortinas que o vento, ao leve, sacudia, Ia-me o coração sinistramente entrando O sombrio terror da noite erma e sombria. Um tétrico pavor que então desconhecia
Enfim, para volver à ambicionada calma
Nada mais é, talvez, que retarda visita
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IV
A calma que até aí do peito me fugia Voltou de novo ao peito e, à coragem primeira, Não mais vacilações, não mais, mente erradia! Ao estranho rumor falo desta maneira: Como nesta ocasião o sono me prendia
Tão receosamente e vagarosamente
E assim falando e olhando, escancarei a porta,
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V
Cravo os olhos na treva e longamente a escruto, E a treva é muda e é muda a própria ventania, E longo tempo assim com o próprio medo luto, De dúvida e terror povoando a fantasia. Sonhos que outro mortal, como eu nunca ousaria
A única voz humana, o único som ouvido
Sou eu quem o profere, eu que o trago na mente,
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VI
Entrei de novo em ânsia e ardendo a estranho fogo, Senti que, dentro em mim, todo o meu ser ardia. Ouvi distintamente outra pancada e, logo, De outra pancada o som mais claro percutia. A essa nova impressão, volto-me e monologo:
Fujamos, pois, do medo, ao tenebroso império!
E continuando fui: Nada mais foi que o vento,
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VII
Abro a janela e vejo entrar, ruidosamente, Amplas asas batendo e asas de fidalguia, Um majestoso corvo altivo e irreverente Como arauto feraz da noite erma e bravia. Sem fazer o menor sinal de cortesia,
Vagaroso e solene, ar indolente e farto,
Esta recordação até agora me enerva:
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VIII
A este pássaro audaz, de ébano a cor das penas, Grave na compostura e na fisionomia, Que ao cérebro me dava idéias mais serenas, Que me acalmava o peito, e a sorrir me induzia, Voltando-me disse eu: Tu que te não encenas
Corvo! antigo viajor que das regiões da noite
Qual a pátria ante a qual teu orgulho se ufana?
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IX
Ao perceber assim que a ave me compreendia E que dava resposta a esta pergunta estranha Que eu, entre espanto e medo, a medo lhe fazia, Senti, de pasmo, n'alma um peso de montanha. Porque ainda quem tenha uma intuição tamanha
Ninguém verá como eu, a ave negra num busto,
Ouvir a minha voz a lhe indagar o nome
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