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Annita Costa Malufe


 

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Annita Costa Malufe



Bio-bibliografia


Annita Costa Malufe nasceu em São Paulo em 1975, onde mora. É jornalista, formada pela PUC-SP, onde conclui o mestrado em 2003, no Programa de Comunicação e Semiótica, sobre a poesia de Ana Cristina Cesar. Autora de Fundos para dias de chuva (Ed.7Letras, Coleção Guizos, 2004), atualmente faz doutorado na Unicamp, no depto. de teoria e história literária, sobre poesia brasileira contemporânea.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Annita Costa Malufe



Poemas de Fundos para dias de chuva
(Rio: 7Letras, 2004)



Quero de volta os pretextos
para lavar as superfícies encardidas
não acredito mais no que dão por feito os outros
prefiro eu mesma laçar
usuras da imperfeição
viver dá nisso
uma certa arrogância necessária
desisto de entediar as palavras
com o gesto monótono da caneta
perco o medo dos abstratos e sigo dizendo
vida amor solidão
e catando as horas
como quem rasga papéis antigos
como quem verte um copo de groselha
na toalha branca de linho da avó

...

Tumultuo a página vazia com meus traços aflitos, sem direção. Acredito no som que me amanhece todos os dias mas não sei como dar asas a estas abelhas que crio embaixo da mesa. Acredito serem concretos estes números todos, estas letras e as vozes ao telefone. Preciso acreditar na existência do mundo, nas ondas que circulam minha casa. Preciso acreditar na minha casa,
ou o risco se torna maior.

...

mas se ainda soubessem
as libélulas
enquanto tremulam no cloro
se ainda soubessem
os campos os morros os verdes
se ainda soubessem
asas
que não é preciso explicar
as patas que os verbos carregam
suas madressilvas
o relinchar dos grilos
e cigarras
a música de um dia sem estacas

quantos parques
teriam
estas perguntas sem lar

(como frear a noite?
ele quis saber
com os olhos arregalados
e desejo de azul)

...

Fundos para dias de chuva


Sinto tua falta, baby,
mas os passos no escuro não são
suficientes para me fazer voltar

(nas estradas,
recolho pedras verdes
e tantas novas paisagens)

Cultuo as sobras,
não disse?
“Fundos para dias de chuva” (a etiqueta
na caixa de papelão de meu pai)
sucatas da vida

Um pouco em tua homenagem
exercito
colher retalhos
e restaurar

...

Nêsperas


O que foi que aconteceu conosco?
O que é
que agora
tão distantes
miramos neste casto horizonte
nesperado
que montanhas foram estas que cruzamos
quais foram os andaimes
quais os versos que nos mantêm tão perto
como se os raios de sol no apogeu
pudessem ser capturados
por um instante
só por um
instante
paro
e retomo as pastas de papéis coloridos
de papéis passados
e retomo os panos os enganos
(Poderíamos ter sido
algo
e não fomos?
Poderíamos?
O que poderíamos tanto?
O que tanto quisemos juntas?)
Paro
um instante
diante de teu armazém
e contemplo as rugas de um tempo
imenso
esse que nunca é nosso
e torço para que possamos sempre
nos encontrar aí
neste puro instante sem ponteiros
que tão poucos
- tão poucos mesmo -
sabem onde fica

...

Véspera de chuva


A água suja
que percorre a casa
e os vasos cobertos de cal
mostram-se
na manhã morna
de um quase inverno mareado
Véspera de chuva
e domingo
a luz lânguida
preenche
os espaços brancos
transborda meus ossos
enquanto me enforco
nas linhas vazias
do caderno sem pauta

...

Nos dias de chuva fina
cabe ficar desfiando lembranças opacas
dessas meio disformes
com cara de anos trinta
ficar divagando nas veias da madeira
da velha escrivaninha do avô
e pensando se o amor
vai além de
nomes
números
e essa longa espera
insone

...

Destaco uma página do meu diário negro para você
personagem central da minha trama cotidiana
sinto não saber mais rimar como poucos
minhas figuras de linguagem restringem-se às elementares
atravesso na faixa
agradeço o motorista
peço licença
tudo tal qual o figurino
(a vida fica mesmo mais fácil sem as agronomias inversas da paixão,essa que nos deixa tão artesanais,
fazendo pintura à mão e reciclando papéis)
não quero
fazer leituras apressadas
sigo pela calçada cinza
contando pedras bitucas cocôs
(não tenho ganas de olhar para cima)

...

Minto para você não fazer cara feia
no ponto de ônibus a chuva é sempre mais grossa
esperamos que esquente
já não é mais inverno, lembra-se?
O agasalho amarelo, a mochila de nylon, os tênis,
os óculos, o boné, o jornal
Juvenal acena do banco
dou as costas
apertada
não gosto de despedidas, não disse?
Dona Adilce carrega a sacola verde da feira
subimos a rua com conversinhas amenas
faz sol não faz
como o ano passou rápido
você viu o filho da Marluce?
Mas o peito não sossega
agüenta a ladeira
ofegante

...

Algumas coisas que não pudermos escrever
se apagarão nesta nebulosa
sonora
onde cada vida possível
não dura mais do que um momento
breve
(que de tão breve
nem chegamos a ouvir)


 

 

 

 

 

28/06/2005