Thiago Barros

thiagobarros@opovo.com.br

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil

3.12.2009


 

Palavra dilatada

 

Cearense radicado no Rio de Janeiro,

o poeta Adriano Espínola vive o desafio

de experimentar novas escritas.

Em MALINDRÂNIA, o autor

estreia como contista

 

 

O ponto de partida para o texto que nomeia o livro veio de um sonho. Como se isso não bastasse para emprestar à obra uma atmosfera fantástica, a história de Malindrânia, uma ilha buscada incessantemente pelo personagem mais marcante de Miguel de Cervantes, Dom Quixote de la Mancha, o faz satisfatoriamente. Local que invoca uma conquista imaginária, como que uma Pasárgada para aqueles que desejam ultrapassar as barreiras físicas da realidade, Malindrânia foi também para onde embarcou o cearense Adriano Espínola, escritor celebrado no meio literário, já com 11 livros publicados, entre ensaios e obras poéticas.

No entanto, no seu mais novo trabalho, os versos tão prezados pelo poeta dão lugar a uma prosa contista, na primeira incursão dele pelo gênero. ``Já vinha namorando o conto há algum tempo``, revela o autor, em entrevista ao O POVO. Segundo ele, em toda a sua carreira, a diversidade formal tem sido uma de suas características primordiais. ``Sou muito inquieto no fazer artístico. Não gosto de ter de fazer a mesma coisa sempre``, afirma Adriano, que, em Praia Provisória, sua obra anterior, experimentou com o poder de síntese dos poemas dísticos (de dois versos). ``Já fiz sonetos, poemas fixos, como O Jangadeiro, que está na coletânea Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século, organizada por Ítalo Moriconi. Por outro lado, em Táxi, utilizei poesias longas, soltas``, explica o escritor. ``Agora, com os contos, estou tendo ainda mais espaço para me expressar``, complementa.

A nova empreitada, contudo, não representa uma quebra total com o formato anterior. Adriano explica que, apesar de haver no volume alguns contos realmente bem estruturados como tal, há também outros que se envolvem em uma atmosfera poética bem familiar a ele. ``Por esse motivo, resolvi chamá-los de -relatos-``, afirma o cearense, que diz ter buscado, nas 78 páginas de Malindrânia, explorar os limites entre a realidade crua e a ficção, algumas vezes caminhando mesmo em direção ao universo do fantástico. Para isso, ele não economiza nas referências mitológicas, metáforas e simbologias.

É assim desde o começo. Em As Cordas do Mar, texto de abertura da obra, uma improvável inundação deixa submersa toda a cidade do Rio de Janeiro, que divide com Fortaleza o papel de cenário ao longo da obra. No conto seguinte, intitulado A Onda, o autor retoma o ar poético para contar a breve história de um pedaço de mar que se desprendeu do vasto oceano, na noite de réveillon, e se fez amante do narrador. Neste ponto, fica notável também a influência do ambiente marinho no imaginário do poeta/contista.

De fato, ele retorna em vários outros desses relatos. Está inclusive na contracapa do livro, que traz um trecho de 3.5 segundos. Lá o poeta o identifica, a partir de sua magnitude e constância: ``Sim, o velho e idêntico mar. (...) E as ondas, as ondas do vertiginoso agora, a quebrar, incessantes, ali na praia``. A respeito dessa característica, Adriano conta que ela advém de sua infância, de sua experiência de vida na sua cidade natal. ``Eu fui um menino de praia. Morava na Rua Carlos Vasconcelos e costumava descer sempre para a praia do Ideal Clube. Eu e meus amigos nadávamos de lá até o Diários``, recorda.

E toda essa umidade permanece fazendo parte de sua vida, de modo que ele situa seu livro entre a cidade e o mar. Não por acaso, o divide em duas metrópoles litorâneas. Agora no Rio de Janeiro, ele encontrou em Ipanema, onde mora, o elemento de permanência dentro sua trajetória. Essa fase da vida dele, já nada nova, posto que está por lá faz mais de 20 anos, gerou Arpoador, que retrata um típico dia de sol na faixa de areia carioca por excelência. ``Não poderia falar sobre outros lugares. Tudo se construiu ao redor da minha vivência por Fortaleza e Rio de Janeiro``, explica Adriano, que tem parte de sua carreira marcada pela estreita ligação que guarda com a capital cearense, atingindo seu ápice na multifacetada trinca Fala, favela, Táxi e Beira-Sol.


EMAIS

- Malindrânia foi editado pela Topbooks e já foi lançado neste mês no Rio de Janeiro e em Recife. Recentemente em Fortaleza, Adriano Espínola ainda articulava um lançamento na capital cearense.

- Apesar de ter fixado residência no Rio de Janeiro, o escritor trabalha como professor do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC). "É um vai-vem constante", afirma o autor, que, quando aqui, hospeda-se na casa do irmão.

- Uma curiosidade: diferentemente da maioria dos livros, Malindrânia não traz introdução, apresentação ou mesmo comentário de outros autores na sua orelha. "É só conteúdo", explica Adriano.

 

  Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ana Guimarães

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

     
Culpa

 

Início

 

A menina afegã, de Steve McCurry