Alfredo
Bosi
Orelha
de
LENDO
TODOS OS VENTOS
de
Antônio Carlos Secchin
A
poesia de Antonio Carlos Secchin enfrenta e reelabora alguns tópicos
fundamentais da cultura literária contemporânea; mas, ao fazê-lo,
penetra-os com uma dicção que é paradoxalmente saturada de
vertentes estilísticas e desenvoltamente pessoal.
Lendo
Todos os ventos,
assistimos ao encontro de uma aturada leitura da poesia brasileira
de ontem e de hoje (Secchin é um dos nossos mais afiados leitores
de poesia) com um ethos
despojado e às vezes abertamente biográfico. Uma situação
cultural e existencial pós-moderna, sem dúvida. Desse encontro
nasceu a glosa paródica pela qual o eco de antigos significantes
lastreia a inversão dos significados. Acontece que também a paródia
satírica é gênero vetusto: daí o curioso revival
moderníssimo de uma antiga forma de escarnecer palavras e coisas
que a usura do tempo já desgastara.
Ao
leitor avisado por certo não escaparão cadências de Gregório, de
Álvares de Azevedo e dos modernistas quando ainda empenhados na sua
missão de iconoclastas antiparnasianos. E a tentação metalingüística
de pôr a palavra ao encalço de si mesma será outra marca inequívoca
de toda prática vigente em tempos saturados de memória literária
e consciência cética.
Em
Elementos, um dos
conjuntos mais elaborados da obra, faz-se intensa e quase diria ubíqua
a presença da palavra – sonora ou escrita – em um universo de
evocações da matéria cósmica. Se o ar
ancora no vazio, o poeta quer saber “como
preencher/ o seu signo
precário”. Há desejo de captar a “matéria
plena”, mas são o nome e a fala que ocupam imperiosamente o
corpo do poema. Se é o fogo do sol sagrado que arde no espaço
subjetivo, ouve-se “o galope louco das cinco
letras”, a soletrar a agonia do eu lírico. Se passo à poesia
da terra, “o que em mim é
terra está ruindo, / e a forma não murmura o meu excesso”.
Enfim, a água: “Sobre as águas passaram / o perfil das aves ciganas, /
o nome noturno dos mastros”. Nesses e em outros versos
Secchin leva-nos à fronteira móvel que antes une do que aparta os
quatro elementos do mundo e os seus inumeráveis signos.
Antonio
Carlos Secchin sabe alcançar o nível raro da expressão singular,
forte e desempenada. Leiam-se os belos sonetos ingleses “O menino
se admira”, “Poema para 2002” e os jorgelimeanos “De chumbo
eram somente dez soldados”, “À noite o giro cego” e “Estou
ali”. Nestes, para voltar à perfeita distinção crociana, a
“literatura” existe, sim, mas já se fez poesia. Como poesia tout
court é “Reunião”, em que lirismo com seiva e raízes se dá
na palavra densa. O poema fala de uma misteriosa estrada tropical
que vem da Itália e desemboca em Cachoeiro de Itapemirim
rimando com Secchin:
E
se recompondo o que nós fomos
este
instante cintilar dentro de nós
num
sopro que a vida não apaga
mesmo
sozinhos não estaremos sós.
Que
esta bela coda acompanhe o leitor e o leve, em um exercício de
empatia, a penetrar o tecido polifônico que são
Todos os ventos.
Alfredo
Bosi
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