Quando eu tinha uns seis
anos...
Nos ares do Calado —
antigo nome de Coronel Fabriciano, MG — apareceu
e começou a sobrevoar, em círculos, um avião! Um avião
de verdade!
Um teco-teco! O povo,
alvoroçado, corria de um lado para o outro, para ver,
palpitar e apostar aonde ele iria descer, se iria
descer... ou cair. Baixou no pasto, da fazenda do Sô
Maia, do outro lado do Rio Piracicaba.
A novidade do século!...
dos séculos! Conversa para todo dia o dia todo! O
primeiro avião que desceu na região! Quase caiu...
estava sem gasolina!
Uma interminável
procissão atravessando o rio, em botes e canoas, para
conhecer o avião. Papai também era curioso —
levou-me. Fui, vi e apalpei — era avião mesmo! Em carne
e osso! Tinha até pára-quedas, para um caso de
emergência. Cheguei a ver o aviador — um extraterrestre
para mim, menino. Um super-homem! O homem que sabia voar
com o avião. Até hoje, sua fisionomia, o pára-quedas e o
avião não me saem da memória.
Depois de alguns
dias — tinha faltado combustível — chegou a gasolina.
E eu me perguntava o porquê de não se usar a gasolina de
automóvel — e até as "gentes grandes" desconheciam a
resposta. O aviador, com seu capacete de couro e óculos
de segurança, pegou os ares e foi-se. Enquanto pude,
segui com o olhar o avião voar, balançar — parecia que o
aviador, com o balançar, dava adeus para nós. Matutei
com meus miolos: — Será que ele vai pular de
pára-quedas? — Desapareceu no horizonte...
... quando tinha uns
seis anos... papai me levou... conheci o avião!
Fui morar no Rio. Na
viagem de volta — Fabriciano-BH — de quando em vez,
pegava o avião em Acesita.
Uma vez, quando
ia entrar no teco-teco, percebi o Darcy meu irmão,
rapazola ainda, ajudando ao piloto amarrar, com arame e
barbante achados ali no chão, algo no motor. Apreensivo,
no primeiro momento — esqueci-me logo. Mas, no meio do
caminho, o vidro da frente começou a soltar, o que
obrigou o piloto a fazer uma aterrissagem forçada, em
Itabira.
Depois de algum tempo,
seguimos e, na descida no aeroporto da Pampulha, em um
dos eixos de uma das rodas, notei soltar uma quantidade
imensa de fagulhas, chegou a aparecer fogo. Descendo,
mostrei ao piloto — ele não percebera. Colocou as mãos
na cabeça, estupefato, e me disse:
— Nossa! Poderíamos ter
capotado ou dado um cavalo de pau!
O teco-teco, dos meus
seis anos, atiçou—me o gosto por avião. Gosto atiçado
mais ainda quando morava em São Paulo — fazia o passeio
predileto de paulistano: ver avião no aeroporto.
Em Belo Horizonte,
funcionário de uma multinacional com sede brasileira em
São Paulo, viajava freqüentemente. Na chegada a São
Paulo, de Atibaia em diante, o 737 balançava muito, o
que no início não me incomodava, mas depois de muitos
vôos, ficava receoso. Compensação na volta, pois, na
chegada, de dentro do avião, observava minhas meninas,
ainda pequenas, esperando-me na varanda do aeroporto da
Pampulha.
Em um Congresso sobre
açúcar e álcool, na bela cidade de Araraquara,
SP, recebi comunicação de que um cliente precisava de
minha assistência técnica, para a manhã seguinte.
Em um avião, de oito
passageiros, seis desistiram por causa do tempo — São
Pedro trabalhava bem jorrando água a cântaros — um
dilúvio! Constatei que os pilotos eram experientes.
Partimos, ziguezagueando entre as montanhas, pois as
nuvens densas, escuras e muito baixas, impediam subir
mais. Anoitecendo, entre nuvens, num certo momento,
abriu—se uma clareira; os pilotos — piloto e co — deram
uma guinada brusca para um dos lados. Percebi que
estavam assustados. Olhei pela janela, observei lá em
baixo aviões vários e enormes — encontrávamos exatamente
em cima do Aeroporto Internacional de Viracopos em
Campinas — o que não era nem seguro e muito menos
permitido.
Em Lafaiete, em visita
ao Aeroporto, soube que havia uma escola para pilotos.
Chiquinho, o dono, convidou-me para fazer o curso.
O aviador de meus seis
anos veio à minha cabeça — mas apareceu-me um sonho
maior: minhas filhas aviadoras!
— Quando minhas
meninas chegarem na idade, elas terão todo meu apoio.
— Quantos anos têm elas?
— Dezesseis e dezessete.
— Então podem começar
agora.
As meninas duvidaram,
achando a proposta meio absurda e escalafobética. Dois
minutos depois, a Tatiana já rodava a hélice, para o
motor pegar, entrava e começava a primeira aula — ela no
banco da frente e o instrutor no de trás. Fernanda, em
seguida. Em cada uma delas, enxergava eu o
aviador... apostaria que estavam com o capacete e os
óculos...
A Tatiana teve apenas
umas cinco aulas, desistindo. A Fernanda continuou
e, mais adiantada, desistiu por ter ido estudar em Belo
Horizonte — poderia ter tirado o brevê.
Um dia o Chiquinho
fez-me uma senhora proposta:
— Preciso comprar
material para o alojamento dos alunos. Como agora temos
curso de pára-quedista, uma oportunidade para você fazer
o curso. Faremos uma troca: material de construção, de
sua loja, pelo curso. Basta trazer um exame médico.
Alguns sobrinhos meus
são pára-quedistas — Claudinho, Carlos, Élcio e Vicente.
Outros deram saltos duplos — Olinda, Guto e o Tê.
Fiz a proposta para a
Tati e a Fernanda — moravam em Acesita. O marido da Tati
não achou interessante. O médico, brincando mas de cara
séria, disse para a Fernanda que lhe daria o atestado,
pois era especialidade dele fornecer atestado para
maluco. Fez o curso, dando os dois primeiros saltos no
fim de semana seguinte.
Quando se preparava para
um dos saltos, vestindo o macacão e colocando a mochila
do pára-quedas nas costas, algumas meninas simples
olhavam para ela, boquiabertas e extasiadas, como fiquei
quando fitei o aviador, nos meus seis anos. Senti que
elas sentiam o que eu senti — maravilhoso!
Extraterrestre!
No primeiro
salto, pensei por instantes que ela pulava daquele teco—teco,
quando passava por cima de minha casa... mas, não era
pulo, era salto mesmo! Nos meus sonhos, pulo de
pára-quedas — ela salta.
A Fernanda tem a
carteira internacional de pára-quedista.
Benedito
Celso de Araujo Franco, de
Conselheiro Lafaiete (MG), é químico e
escritor. |
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