Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Benedito C A Franco

betaferaf@terra.com.br

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia & conto


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion

 

Dora Ferreira da Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

 

 

 

 

 

Benedito C A Franco

 

Pára-quedas

 

Quando eu tinha uns seis anos...

Nos ares do Calado —  antigo nome de Coronel Fabriciano, MG — apareceu e começou a sobrevoar, em círculos, um avião! Um avião de verdade!

Um teco-teco!  O povo, alvoroçado, corria de um lado para o outro, para ver, palpitar e apostar aonde ele iria descer, se iria descer... ou cair. Baixou no pasto, da fazenda do Sô Maia, do outro lado do Rio Piracicaba.

A novidade do século!... dos séculos! Conversa para todo dia o dia todo! O primeiro avião que desceu na região! Quase caiu... estava sem gasolina!

Uma interminável procissão atravessando o rio, em botes e canoas, para conhecer o avião. Papai também era curioso — levou-me. Fui, vi e apalpei — era avião mesmo! Em carne e osso! Tinha até pára-quedas, para um caso de emergência. Cheguei a ver o aviador — um extraterrestre para mim, menino. Um super-homem! O homem que sabia voar com o avião. Até hoje, sua fisionomia, o pára-quedas e o avião não me saem da memória.

     Depois de alguns dias — tinha faltado combustível — chegou a gasolina. E eu me perguntava o porquê de não se usar a gasolina de automóvel — e até as "gentes grandes" desconheciam a resposta. O aviador, com seu capacete de couro e óculos de segurança, pegou os ares e foi-se. Enquanto pude, segui com o olhar o avião voar, balançar — parecia que o aviador, com o balançar, dava adeus para nós. Matutei com meus miolos: — Será que ele vai pular de pára-quedas? — Desapareceu no horizonte...

... quando tinha uns seis anos... papai me levou... conheci o avião!

Fui morar no Rio. Na viagem de volta — Fabriciano-BH — de quando em vez, pegava o avião em Acesita.

Uma vez, quando ia entrar no teco-teco, percebi o Darcy  meu irmão, rapazola ainda, ajudando ao piloto amarrar, com arame e barbante achados ali no chão, algo no motor. Apreensivo, no primeiro momento — esqueci-me logo. Mas, no meio do caminho, o vidro da frente começou a soltar, o que obrigou o piloto a fazer uma aterrissagem forçada, em Itabira.

Depois de algum tempo, seguimos e, na descida no aeroporto da Pampulha, em um dos eixos de uma das rodas, notei soltar uma quantidade imensa de fagulhas, chegou a aparecer fogo. Descendo, mostrei ao piloto — ele não percebera. Colocou as mãos na cabeça, estupefato, e me disse:

— Nossa! Poderíamos ter capotado ou dado um cavalo de pau! 

O teco-teco, dos meus seis anos, atiçou—me o gosto por avião. Gosto atiçado mais ainda quando morava em São Paulo — fazia o passeio predileto de paulistano: ver avião no aeroporto.

Em Belo Horizonte, funcionário de uma multinacional com sede brasileira em São Paulo, viajava freqüentemente. Na chegada a São Paulo, de Atibaia em diante, o 737 balançava muito, o que no início não me incomodava, mas depois de muitos vôos, ficava receoso. Compensação na volta, pois, na chegada, de dentro do avião, observava minhas meninas, ainda pequenas, esperando-me na varanda do aeroporto da Pampulha.

Em um Congresso sobre açúcar e álcool, na bela cidade de Araraquara, SP, recebi comunicação de que um cliente precisava de minha assistência técnica, para a manhã seguinte.

Em um avião, de oito passageiros, seis desistiram por causa do tempo — São Pedro trabalhava bem jorrando água a cântaros — um dilúvio! Constatei que os pilotos eram experientes. Partimos, ziguezagueando entre as montanhas, pois as nuvens densas,  escuras e muito baixas, impediam subir mais. Anoitecendo, entre nuvens, num certo momento, abriu—se uma clareira; os pilotos — piloto e co — deram uma guinada brusca para um dos lados. Percebi que estavam assustados. Olhei pela janela, observei lá em baixo aviões vários e enormes — encontrávamos exatamente em cima do Aeroporto Internacional de Viracopos em Campinas — o que não era nem seguro e muito menos permitido.

Em Lafaiete, em visita ao Aeroporto, soube que havia uma escola para pilotos. Chiquinho, o dono, convidou-me para fazer o curso.

O aviador de meus seis anos veio à minha cabeça — mas apareceu-me um sonho maior: minhas filhas aviadoras!

— Quando minhas meninas chegarem na idade, elas terão todo meu apoio.

— Quantos anos têm elas?

— Dezesseis e dezessete.

— Então podem começar agora.

As meninas duvidaram, achando a proposta meio absurda e escalafobética. Dois minutos depois, a Tatiana já rodava a hélice, para o motor pegar, entrava e começava a primeira aula — ela no banco da frente e o instrutor no de trás. Fernanda, em seguida. Em cada uma delas, enxergava eu o aviador... apostaria que estavam com o capacete e os óculos...

A Tatiana teve apenas umas cinco aulas, desistindo. A Fernanda continuou e, mais adiantada, desistiu por ter ido estudar em Belo Horizonte — poderia ter tirado o brevê.

Um dia o Chiquinho fez-me uma senhora proposta:

— Preciso comprar material para o alojamento dos alunos. Como agora temos curso de pára-quedista, uma oportunidade para você fazer o curso. Faremos uma troca: material de construção, de sua loja, pelo curso. Basta trazer um exame médico.

Alguns sobrinhos meus são pára-quedistas — Claudinho, Carlos, Élcio e Vicente. Outros deram saltos duplos — Olinda, Guto e o Tê.

Fiz a proposta para a Tati e a Fernanda — moravam em Acesita. O marido da Tati não achou interessante. O médico, brincando mas de cara séria, disse para a Fernanda que  lhe daria o atestado, pois era especialidade dele fornecer atestado para maluco. Fez o curso, dando os dois primeiros saltos no fim de semana seguinte.

Quando se preparava para um dos saltos, vestindo o macacão e colocando a mochila do pára-quedas nas costas, algumas meninas simples olhavam para ela, boquiabertas e extasiadas, como fiquei quando fitei o aviador, nos meus seis anos. Senti que elas sentiam o que eu senti — maravilhoso! Extraterrestre!

No primeiro salto, pensei por instantes que ela pulava daquele teco—teco, quando passava por cima de minha casa... mas, não era pulo, era salto mesmo! Nos meus sonhos, pulo de pára-quedas — ela salta.

A Fernanda  tem a carteira internacional de pára-quedista.
 

Benedito Celso de Araujo Franco, de Conselheiro Lafaiete (MG), é químico e escritor.

 

 

 

 

 

 

 

29.07.2007