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Cyro de Mattos


 

Canto a Nossa Senhora das Matas

 

Já estão alegres os bichos
da bem-amada nas serras,
chão de cardo brota a flor,
tronco morto vira árvore,
o gavião manso amanhece.
Tudo é canto pelos ares,
lábios que o beijo acendem
no seio fresco da mata.
Tom suave adorna o dia,
ramo de luz sempre verde.
Jasmim tecido no sonho,
fruta doce no colo virgem.
Riacho quando mina na pedra
passa sereno na baixada,
nave da noite com a lua
no areal derrama prata.
Formosa serrana, diáfana,
não há trégua nesses ais,
cardumes morrendo à toa,
a cachoeira chorando suja.
Sob as asas maternais acode
o sol pálido que tosse,
o índio extirpado da taba,
os passarinhos na gaiola.
Arminho protetor do filhote,
dia de flor de laranjeira,
na haste suspensa e leve
reabre, senhora, passo de baile
do beija-flor com a rosa.
Já não sai do oco a coruja,
do azul a garça como noiva,
carcará não pega, mata e come.
Jacaré não choca na lagoa
e a memória do couro abala
o meu ser ferido de desejo
das águas puras e profundas.
Mastruço, capim-santo, alfazema,
alívio de repetidas penas,
cura-me dos grandes clamores
nas visões da flora exilada,
nas ruínas da fauna sombras.
Desde nosso irmãozinho grilo
na relva da macia madrugada
ao rumor azul das andorinhas
quando vinha a Primavera
trissando a manhã luminosa.
A alma flamante dos girassóis
e o sabor das goiabas maduras.
Quando a mata for deserta,
não mais se colher a flor,
o rio se esconder da chuva,
a terra dormir amarga
e de Deus não cair a lágrima
será esta a triste música?
Nessa luta contra o mal
pelos quatro cantos do sol,
pelos quatro prantos da lua,
te fazendo verde nas nuvens
molha a vida fera e solitária.
Ó abelha misericordiosa,
pousa em mim a esperança,
em cada palma da mão
a operosa colméia sonora.
Guardiã do mico-leão,
tamanduá-bandeira, chorão,
quero-quero, preguiça,
ararinha azul, anta.
Embora fujam do verde
odores do que me encanta
além o azul inocente ressoa.
Penetra-me de vento e chuva,
hora telúrica de outrora,
com que emoção bendizia
mão cheia de rações várias,
no crispar de casulo sopra
ajuste de brilho na fábula,
sinais de frescor na amora.
Afugenta o raio assassino
como a corça diante da onça.
Diz-me: não nos mate mais!
Equilibra frêmitos e lamentos,
os animais vivem à sua maneira
como simples notações do amor.
Em teu percurso de planta
o dia e a estrela clareia,
desarma na capoeira o alçapão,
apaga o fogo na queimada.
Ó seda levando voz perfumada,
sol, chuva, arco-íris, aurora.



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cyro de Mattos


 

GESANG AUF UNSERE LIEBE FRAU VON DEN WÄLDERN
Von Curt Meyer-Clason überseltzt


Fröhlich sind schon die Tiere
der Vielgeliebten auf den Bergen,
im Distelboden keimt die Blüte,
toter Stamm wird zum Baum,
der zahme Sperber erwacht.
Alles ist Gesang in den Lüften,
Lippen die den Kuss entfachen
im frischen Schoss des Waldes.
Sanfter Tonfall schmückt den Tag,
immergrüner Lichtzweig.
Traumgewebter Jasmin,
süsse Frucht am jungfräulichen Hals.
Flüsschen wenn eine Mine in Stein
gelassen durch die Niederung zieht,
Schiff der Nacht streut mit dem Mond
auf dem Sandboden Silber.
Herrliche, durchsichtige Gebirgskette,
da gibt es keinen Stillstand in diesen Achs,
Schwärme die aufs Geratewohl sterben,
der Wasserfall der schmutzig weint.
Unter den mütterlichen Flügeln empfängt
die bleiche hustende Sonne
den aus der Tabakspflanzung vertriebenen Indio,
die Vögel im Käfig.
Hermelin, Beschützer des Söhnchens,
am Tag der Orangenblüte
am schwebenden und leichten Stengel
eröffnet, Senhora, den Tanzschritt
des Kolibri mit der Rose.
Schon tritt die Hexe nicht mehr aus dem Hohlraum,
aus dem Blau das Reiherweibchens als Braut,
Falke packt nicht, tötet und frisst.
Kaiman stösst nicht an die Lagune
und die Erinnerung der Haut erschüttert
mein wunschverletztes Sein
nach reinem und tiefen Wassern.
Kreuzblütler, Heilgras, Lavendel,
Erleichterung wiederholter Strafen,
heilt mich von den grossen Wehklagen
in den Gesichten der verbannten Flora,
in den Schattenruinen der Tierwelt.
Von unserem Grillenbrüderchen
im Grass des reifen Morgengrauens
bis zum blauen Rauschen der Schwalben
wenn der Frühling kam
und den leuchtenden Morgen zirpen liess.
Die flammende Seele der Sonnenblumen
und der Geschmack der reifen Goiaba-Früchte.
Wenn der Urwald verlassen wird,
man nicht mehr die Blüte pflückt,
der Fluss sich vor dem Regen versteckt,
die Erde bitter schlummert
und aus Gott nicht die Träne fällt,
wird das die traurige Musik sein?
In diesem Kampf gegen das Übel
in den vier Winkeln der Sonne,
in den vier Wehklagen des Mondes,
der dich in den Wolken grünt
befruchtet das grausame und einsame Leben.
O barmherzige Biene,
lege in mich die Hoffnung,
in jede Handfläche
den tätig tönenden Schwarm.
Wächterin des Glimmerlöwens,
Ameisenbär-Fahne, Trauerweide,
ich will – ich will, Faulheit,
kleiner blauer Papagei, Tapir.
Obgleich vor dem Grün Gerüche
fliehen die mich entzücken,
erschallt jenseits das unschuldige Blau.
Aus Wind und Regen durchdringt mich
die tellurische Stunde von einst,
mit welcher Ergriffenheit segnete
eine Hand voll von verschiedenen Mengen,
im Kräuseln der Samenkapsel flüstert
die Abrechnung des Glanzes in der Fabel,
Zeichen von Frische in der Maulbeere.
Der Mordblitz flüchtet
wie das Reh von dem Jaguar.
Sag zu mir: Töte uns nicht mehr!
Gleiche Zittern und Klagen aus,
die Tiere leben nach ihrer Weise
wie schlichte Anmerkungen Zur Liebe.
In deinem pflanzlichen Verlauf
lichten sich der Tag und der Stern,
entwaffnen im Hühnerstall die Falltür,
löschen das Feuer im Waldbrand.
O Seide, die du eine duftende Stimme erhebst,
Sonne, Regen, Regenbogen, Morgenröte.


 

 

 

Albrecht Dürer, Head of an apostle looking upward

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Cida Sepúlveda

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cyro de Mattos


 

O Menino e o Mar*


Era a primeira vez
Que tinha ido ver o mar.
Todo alegre, de calção,
Peito nu e pé no chão.

Quando viu tanta água
Fazendo barulho
Sem parar, disse:

- Pai, me dê sua mão.



* O poema “O Menino e o Mar” foi um dos vencedores do 5* Concurso Poético Cancioneiro Infanto-Juvenil para a Língua Portuguesa, Almada, Portugal

 

 

 

William Blake, Death on a Pale Horse

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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904) - Phryne before the Areopagus

 

 

 

 

 

Cyro de Mattos


 

Alfaiate*


Pijaminha.
Calção.
Calça curta.
Farda.
Calça comprida.
Paletó
Terno preto.

Nas mãos
caprichosas
o tempo
paciente
sempre
costurava
suas medidas
exatas.



 



Nascido em Itabuna (Bahia), em 1939, Cyro de Mattos é jornalista, cronista e autor de mais de uma dezena de livros de poesia.

Este poema pertence ao volume Cancioneiro do Cacau (Ediouro), que conquistou o Prêmio Nacional de Poesia Ribeiro Couto.
 

* Publicado na revista "Vida Simples", da Abril, edição de agosto de 2006.

 

 

 

Ticiano, Magdalena

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Elizabeth Marinheiro

 

 

08/08/2006