Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Cláudio Portella


 

Mais que boatos:
Uilcon Pereira no coração da vanguarda



SERVIÇO:
Uilcon Pereira: no coração dos boatos
Organização: Aricy Curvello
Editoras: Giordano e AGE
Coleção Memória
195 páginas


 

Paul Valéry disse certa vez que trocaria toda a ciência por um tratado de analogia. Hoje, eu trocaria por uma aula de semiologia (na USP, lógico!); capitão Gancho num grandioso duelo com nosso presidente anterior. Até aqui, tudo bem!. E haja edifício abaixo. Comparações e vanguarda num mesmo caldeirão, num mesmo tacho. Temperos, fervuras e eis que surge um livro singular (brinquemos, e plural!), um resgate, até mais que isso, uma homenagem a um escritor que devemos reverenciar, um mestre que sacudiu a pretensa vanguarda dos anos 80 e 90 que permeou a literatura brasileira: “Uilcon Pereira: no coração dos boatos”.

O que Aricy Curvello, o organizador do livro, pretendeu com a obra, creio eu, foi plenamente atingido. Fazer emergir o nome, a biografia, a bibliografia, depoimentos de outros pares e fotos de Uilcon Pereira para um debate atual e contemporâneo (acreditem, “atual” e “contemporâneo” não são sinônimos!) foi amplamente conquistado, tanto é que discuto, agora, o livro supracitado.

A falta que senti, foi de mais textos de Uilcon, pois tudo que o livro traz - além de um conto e algumas cartas - é o excelente texto “dialética do mestre e do escudeiro”, uma entrevista concedida a Hygia Calmon e outra, uma auto-entrevista(“O que canta a prosa”) transcrita do primeiro número de uma revista trimestral, de Santo André, do começo dos 90, Livrespaço. Textos que só nos fazem desejar mais e mais. Deliciemo-nos com um pouco da "dialética do mestre e do escudeiro": "... talvez movido por um honesto sentimento de responsabilidade, Uilcon Pereira, que era um homem livre, calmamente seguiu o mestre nas descabeladas experiências de guerra, amor e sabedoria, esse moderno Sancho Pança retirou da aparente servidão, até o seu último dia de vida, uma grande e pacífica diversão.".

Quando falo das minhas saudades dos textos de Uilcon Pereira, sou leviano, na verdade, o que digo, agora sem entrelinhas, é que, todos nós, precisamos urgentemente, das obras completas (sobretudo os inéditos!) desse autor.

Sabemos que a obra de Uilcon Pereira é justamente uma colagem, um pentagrama de toda uma convivência com o clássico e o contemporâneo, com a rua e a faculdade; e é justamente por isso mesmo, por essa androginia, é que nos é necessária e letal.

O livro de Aricy, que na verdade é o tomo 27 da coleção “Memória”, uma parceria da Giordano (não poderia ser outra!) e a AGE (Porto Alegre/RS), traz a memória de Uilcon Pereira em fotos que permeiam o livro e em depoimentos que são o carro- chefe da obra.

Lá estão, não vou citar todos: Fábio Lucas, Dalila Teles Veras, Leonardo Fróes, Nilto Maciel, Ricardo Lima (o pupilo literário de Uilcon) e Sebastião Nunes. Todos esses e outros mais, revelam, a cada texto, quem foi Uilcon Pereira e o que representa seu legado.

Assim, conhecemos Uilcon (1936-1996), revelado. Suas cartas, feito cartas na mesa de um jogo de baralho, expostas. Encontros e opiniões, deduradas. Suas correspondências, violadas. Suas confissões, feito a arte gráfica (não consigo intitulá-la de outra forma) de Sebastião Nunes (a página 179 traz caveiras que se intitulam “Morituri te salutant”, onde se lê: “De Sebunes Nastião, como está, para Uilcon Pereira, como estiver”), cumpliciadas.

O que interessa é trazer o homem de volta, daí, toda conspiração é a favor. Para que percebam claramente. A capa do livro é a cópia de um quadro, de Giuseppe Arcimboldo, “O Bibliotecário”, uma obra de 1566. Olhemos, agora, para a luz da cumplicidade da qual falo, nessa nota de Aricy: “UP equivocou-se. O nome correto desse pintor italiano renascentista é Arcimboldo (na carta, UP, acrescenta um “h”). Eu não o conhecia. A gravura remetida fez-me procurar conhecer esse interessantíssimo artista do século XVI. Na gravura, UP escreveu-me: Aricy, é este o Bibliotecário de Babel?”. Ou nessa outra: “Uilcon, mais tarde, confidenciaria a mim que em 1981 ele se encontrava na situação de um pré-suicida”.

Percebem!? O intento de Aricy, Ar ici, Auricy (um arquétipo de UP), foi, como disse acima, plenamente cumprido. (E reconhecido pela União Brasileira de Escritores, do Rio de Janeiro, cujo júri concedeu-lhe por absoluta unanimidade o Prêmio Joaquim Norberto, de Ensaios Editados/Biografia). Resgatou das chamas, visto que todo intento é maldito, o homem e sua história, o literato que incensou uma parcela vital da dita vanguarda de final de século.

 

Uilcon Pereira

Leia Uilcon Pereira

Aricy Curvello

Leia Aricy Curvello