Da maldição
das estantes
ou
Da
Biblioteca Cururu
Soares
Feitosa
Creio
na maldição das estantes. E nas viúvas, essas
extraordinárias divulgadoras de livros, também
creio. O zelo do poeta em ter os livros bem arrumados. A raiva
da mulher, com tanta velharia. Como é de regra, o homem
morre primeiro. Pois bem, o corpo do poeta ainda quente, e a
montanha de livros já recebia a competente ação de despejo. A alegria dos livros! «Pronto,
Joaninha — disse um grosso volume de Bóris Pasternak para
uma brochura novinha em folha —, vamos ganhar o mundo, meu amor!»
De assombrar! É
na morte dos bibliófilos quando os livros circulam. Afinal,
de que serve um livro na estante?! Melhor estivesse por aí,
perdido, zanzando, caçando leitor. Tenho que os livros, eles,
livros, sujeitos de carne e osso, todos os dias, na hora de dormir,
rezam pedindo a morte do carrasco, o dono das estantes.
[Um dia, num sebo local, em cima da mesa do "seboso",
estava um jornal. Era justamente na página fúnebre, eu vi. Pano
bem rápido, por favor.]
Por isto mesmo, estou
despachando os meus! Não ao fogo, nem ao léu. Criando
porém uma biblioteca virtual a partir do Jornal de Poesia.
Já escolhi
o nome: Biblioteca Cururu. Um nome doce, de um bicho bom,
que, com agrados, até se transforma em príncipe. (Menos o
Lula). Além do mais, tudo em casa: já temos as Edições
Cururu; pois, agora, mais outra Cururu: a Biblioteca.
Não, o Lula, não, por favor. Aliás, sim!
Viva o nosso Presidente! Morte, porém, aos seus ímpetos
de censurar a liberdade de leitura. Afinal, todos os projetos
de censura não têm sido para controlar a imprensa, mas
controlar, muito pior, o que "devemos" ler. Dentro de pouco, permitida
a censura, estarão dentro de nossas casas, escavacando-nos os bolsos, camarinhas e almanaques.
A propósito
de Lula e áulicos, a que serve aquele monte de livros,
nas costas dele, de lombada bonita, no gabinete da Presidência? [De
FHC também — são livros antigos, do tempo dos generais,
jamais abertos, jamais lidos.] Melhor que tão inútil
decoração, que ninguém sabe o que tem dentro,
fosse de bonecos de barro, reisados e bois dos caretas, gado de
osso, bonecas e bolas de pano, petecas de milho, arte indígena
ou até mesmo uma barbie, da "modernidade". Só
assim as crianças veriam algo útil às costas
da Autoridade.
O fato é que
nossas tradições analfabetas impõem demonstrar que
"sabemos ler". Para tanto, nada melhor do que uma estante
abarrotada de livros.
No dia em que "saber
ler" for coisa natural, as estantes estúpidas deixarão
de ter sentido. Pelo contrário, causarão pronta repugnância.
Pensando melhor, guardar livros em estantes é apenas uma
forma, muito perversa, de... seqüestrar (para quê?)
o conhecimento. Voltemos à Cururu. Funcionará
assim:
- Ponto primeiro: Todos os
livros serão previamente etiquetados: «Este
livro pertence ao poeta Fulano de Tal. Emprestado à
Biblioteca Cururu, para sua divulgação
e leitura. Escreva para o autor. Escreva para o editor
do Jornal de Poesia: soaresfeitosa@uol.com.br. Veja
como funciona a Cururu: www.jornaldepoesia.jor.br»
|
- Ponto segundo: Com isto,
de mostrar um "proprietário", inibir-se-ão
a "venda" e o "entesoiramento", e, conseqüência,
o livro será posto a circular. De graça!
|
- Ponto terceiro: O Jornal
de Poesia distribuirá, nos pontos literários
(Dragão do Mar, faculdades de letras e colégios),
os livros recebidos de outros poetas. Sei que o Dimas
Macedo, o Francisco Carvalho, o Luciano Maia e os demais
poetas do trecho possuem livros onde não mais
caber. [Amigo, convido-o!] Só assim, correndo atrás do
leitor, aquela obra, até então presa às
estantes, ganhará pés, pernas, braços
e asas. [Em
tempo, Dimas passou no meu escritório e apoiou total a
idéia. Vai doar uns quatro mil livros!]
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- Ponto quarto: Os poetas
do trecho serão incentivados a doar livros à
Cururu. Na etiqueta colocada em
cada exemplar, com o nome e email do doador, estaremos
formando um belo intercâmbio cultural. O acesso ao autor
se dará via Jornal de Poesia.
|
- Ponto
quinto: A página de dedicatória
NÃO SERÁ rasgada. Pelo contrário,
será a oportunidade de mostrar que aquele é
um livro vivo que precisa do contato com novos
leitores.
|
- Ponto sexto: O comércio
está fora de cogitação para a
Cururu. Tudo à base do puro amor aos
livros - circulando-os! Em vez de um objeto de veneração
dentro das estantes (inútil!), o livro será
posto no seu real objetivo: leitor, leitores, plurais.
De graça!
|
- Ponto sétimo: A
idéia será propagada para outros centros.
Convido-o, meu caro leitor, a abrir uma "franquia"
da Cururu em sua cidade. É tudo de graça,
não nos metemos com dinheiro. Apenas garantimos o
prazer de mudar uma idéia velha para algo bem produtivo:
livros a mancheias!
|
Tenho certeza que
alguém poderá dizer: E se o leitor engazopar o
projeto, surrupiando o livro que emprestou para ler?! Não tem
importância! Um dia, ele, leitor, o "sabido", também
morrerá. A viúva, leve e fagueira, mandará
os livros do "ladrão" ao sebo. Em suma: circulará
do mesmo jeito! E se o novo marido "gostar" de livros, a ponto
de entesoirá-los? Não tem problema: Mortos o terceiro
e o enésimo maridos, recomeçará tudo outra
vez. Por isto, meu caro amigo, habilite-se como doador à
Biblioteca Cururu. E, por que não? — venha de lá também
como leitor. Por empréstimo, é claro!
Sem esquecer que
uma doação de 500 livros, como esta, inaugural, do
poeta Floriano Martins, teria rendido uns bons trocados nos sebos da
cidade. Ao preço médio de três ou quatro reais,
Floriano teria obtido mais do que o suficiente para comprar uma
égua ruça, um computador estalando de novo ou dar
um passeio com a família em Juazeiro do Norte ou em Canindé
de São Francisco das Chagas, a pagar alguma promessa.
Contudo, como ele mesmo me disse, não seria justo misturar
com dinheiro o presente que recebera dos autores, agora botado
a circular.
Votos de que a idéia
da Bibilioteca Cururu
frutifique noutros centros. Sabe qual é o sonho? É
que os livros do futuro venham com um aviso contra as estantes,
tal qual os maços de cigarros, contra os fumantes. Os meus, qu'eu
publicar daqui para frente? Virão com o aviso: «Não
guarde, não venda, circule-o!»
Votos
de que a idéia
da Biblioteca Cururu frutifique noutros centros.
Quem quiser mais informações, ó, é
só clicar:
Veja aqui as notícias da
CURURU, a partir do primeiro dia de sua efetiva "fundação",
12 de agosto de 2004, quando foi distribuído, na Faculdade de Letras
da Universidade Federal do Ceará, o primeiro lote de livros. Clique
na figura e veja como foi:
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Da
1ª cururuzagem, quando o fotógrafo oficial, Rodrigo Marques, bateu mais de
cinqüenta fotos... todas em branco.
-
Da
2ª cururuzagem, quando, fato assombroso, um livro é distribuído
a uma jovem mui bela e mui distinta, na exata hora em que o
autor, o poeta Carlos Emílio Correia Lima, telefonava para o
cururuzeiro em chefe, o Soares Feitosa.
-
Da
3ª cururuzagem, quando um guarda, imenso em sua farda, e uma
criança pequena, ambos ganham livros.
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