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Eleuda de Carvalho


 


Mestres cearenses

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil
27 de julho de 2006


 


O organizador do livro O Pensamento Brasileiro de Clássicos Cearenses, Diatahy Bezerra de Menezes, comenta os critérios e escolhas para a seleção de textos. Entre eles, raro ensaio de Clóvis Bevilácqua

 

O livro O Pensamento Brasileiro de Clássicos Cearenses II traz ainda o raríssimo ensaio Criminologia e Direito, de Clóvis Bevilácqua, excelentes estudos de Thomaz Pompeu Sobrinho, Gustavo Barroso, Djacir Menezes e Rodolpho Theophilo. E ainda tem o bem documentado Barão de Studart (1856-1938), em um tratado sobre as mazelas que acometiam Bahia e Pernambuco em Patologia histórica brasileira, sobre a moléstia chamada bicha, vômito negro ou febre amarela, que assombrou o Brasil dos séculos 17 e 18. E de como o poder público da época agia para combatê-la. Os moradores do Recife eram obrigados a mandar “caiar, esfregar e limpar” suas casas, depois, perfumá-las “com ervas cheirosas, vinagres e outras quaisquer drogas aromáticas”. Quem descumprisse a ordem, era condenado a multa de dez tostões. Segunda vez, multa dobrada. Na terceira, cadeia. O remédio, para os acometidos do mal, eram sangrias e purgantes, além de caldos de jacinto, pós de marfim, chifre de cervo, xarope de raiz de angélica, pó de cinza de caranguejo queimado em infuso de erva cidreira, folhas de arruda com sal e dentes de alho assados...

“A repercussão tem sido a melhor possível. O primeiro volume saiu ‘encartado’ no Anuário 2005. Para o segundo volume, decidimos dar vida própria à obra. Ela está ligada ao Anuário 2006, mas não anexado. Isso vai permitir um lançamento mais abrangente. Um lançamento de acordo com a dimensão do livro”, explica Fábio Campos. Confira, em seguida, entrevista com o organizador de O Pensamento Brasileiro de Clássicos Cearenses. (Eleuda de Carvalho)

O POVO - O título é um achado. Embora os autores façam reflexões, em sua maior parte, sobre eventos ou fatos ou temas do Ceará, não se circunscrevem aos limites de um território, não é?

Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes - Não me parece adequado este espaço para desenvolver o argumento histórico em que se baseiam as considerações que me levaram a pensar esta obra com este título, que Ralph Della Cava comentou comigo como sendo a descoberta da quadratura do círculo, e acrescentando que esta obra (ele falava do primeiro volume) deveria ter um lançamento nacional. Quando, no período colonial, nossa parte no Novo Mundo foi dividida em duas grandes áreas - grosso modo, o Estado do Brasil e o Estado do Grão Pará e Maranhão (1621-1751) - aquilo que constituía o Brasil propriamente era o que se passava sobretudo em Pernambuco e Bahia, com suas capitanias dependentes. Mais ou menos após 1870, o pólo motor sócio-econômico e político se vai deslocando para o Sudeste, até estabelecer aí o eixo dominante da nação, que perdura hoje ainda. Assim, esta obra nasce sob o signo do confronto com a discriminação sofrida pelas demais províncias a partir desse eixo, simplificadamente dito Rio-São Paulo, eixo em que se supõe genericamente que fora dele não há vida mental no País. Ora, o que busco documentar é que justamente da pobre vila da Fortaleza, na província do Ceará, surge uma das gerações mais brilhantes que a inteligência nacional teve no período: Araripe Jr., Capistrano de Abreu, Clóvis Bevilácqua, Farias Brito, Rocha Lima etc. A estes acrescentei outros e acentuei o fato de que eles, posto fossem enraizados em suas províncias, pensavam alto o sentimento nacional.

OP - No texto de abertura, vemos Alencar fazendo algo decerto inusitado: uma apresentação pública do projeto literário que ele tinha para o Brasil. As ponderações dele sobre literatura continuam pertinentes?

Eduardo Diatahy - Você atinou com a coisa. Este era o alvo visado. Este texto lúcido de Alencar não só decifra para os leitores a estrutura de sua narrativa ficcional, como ainda constitui documento precioso que demonstra cabalmente sua grande intuição de que uma nação se constrói com denso simbolismo e não com um grito do Ipiranga - sua ruptura política - como dirá logo em seguida Machado de Assis. Isso demonstra sua aguda consciência de que um legado colonial era apenas a matéria bruta de que se serviria para seu projeto de transfiguração estética de que nasceria um país independente.

OP - Comente a pertinência de textos como os do Barão de Studart, por exemplo, que resgata documentos importantes sobre a formação sócio-econômica e política do Ceará (e, por conseqüência, também do Brasil do final do século 19).

Eduardo Diatahy - Na verdade, o texto do Barão de Studart consiste num resumo que fui obrigado a fazer, em razão da limitação de espaço no conjunto deste livro, sobre seu ensaio intitulado Pathologia Histórica Brazileira, publicado na Revista da Academia Cearense (de Letras), em 1896. Sua importância básica reside num dos resultados parciais de suas pesquisas documentais em arquivos de Portugal, do final do século XVII e mais particularmente do século XVIII, no intuito de colaborar na construção da história da saúde pública no Brasil. É um documentário impressionante, inclusive das crenças e costumes da época.

OP - Quanto ao Gustavo Barroso, foi muito bem vinda a escolha de textos em que ele fala de Antônio Conselheiro...

Eduardo Diatahy - O que realmente me cativou nas duas crônicas de Gustavo Barroso sobre Antônio Vicente Mendes Maciel, que incluí no livro, foi a forma quase diria justa e simpática com que aprecia a ação e a obra do Conselheiro, num tempo que dura até nossos dias em que nossa tradição letrada se esmerava e se esmera em denegrir e redizer recorrentes mentiras a seu respeito e acerca do crime que a Nação cometeu sobre seu povo, no genocídio e massacre de Canudos, destruição do sonho e da utopia cristã de nossos sertanejos.



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Eduardo Diatahy B. de Menezes
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31/07/2006