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Floriano Martins
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Fortaleza, CE CEP: 60151-970
BRASIL
floriano@secrel.com.br
ALGUMA
NOTÍCIA SOBRE O AUTOR |
Floriano Martins (Fortaleza, 1957). Poeta,
ensaísta, tradutor e editor. Tem se dedicado, em particular, ao estudo da literatura
hispano-americana, sobretudo no que diz respeito à poesia. É autor de livros como Escritura
conquistada (Diálogos com poetas latino-americanos) e Escrituras surrealistas (O
começo da busca), ambos publicados em 1998, e Fogo nas Cartas (2001).
Também nesta mesma data publicou suas traduções de Poemas de amor, de Federico
García Lorca, e Delito por bailar o chá-chá-chá, de Guillermo Cabrera Infante,
seguidas posteriormente de Dois poetas cubanos, de Jorge Rodríguez Padrón (1999)
e Três entradas para Porto Rico, de José Luis Vega (2000). Na poesia, destacam-se
o volume Alma em Chamas (1998) Cinzas do Sol/Cenizas del Sol/Ashes of the Sun
(2001), juntamente com o escultor costarriquenho Edgar Zúñiga. É também autor da
biografia do compositor erudito Alberto Nepomuceno (2000), bem como assina edição e
tradução de um livro de contos do costarriquenho Alfonso Peña (A nona geração,
2000). Com larga trajetória de colaboração à imprensa, no Brasil e no exterior, tem
escrito artigos sobre música, artes plásticas e literatura. Atualmente dirige,
juntamente com Claudio Willer, a revista Agulha (www.agulha.cjb.net) e coordena o projeto editorial Banda
Hispânica, do Jornal de Poesia (www.secrel.com.br/jpoesia/bhportal.htm),
sendo também diretor da coleção Resto do Mundo (Edições da Agulha/eBooksBrasil).
Colaborador de jornais como O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e O
Globo, integra o conselho editorial da revista Poesia Sempre, da Biblioteca
Nacional (Rio de Janeiro), sendo também correspondente das revistas Babel
(Venezuela), Común Presencia (Colombia), Matérika (Costa Rica) e Blanco
Móvil (México). |
ALGUNS
POEMAS |
O prodígio das
tintas
Sopra-nos o vento a música de seu fulgor:
um elo de ecos, um verso de Gonzalo Rojas,
a espinha do universo no piano
de Thelonius Monk em Memories of you.
Lugar metafísico onde tudo combina
com seu diverso e outro latejo,
em um desses momentos por onde cruzamos
as gélidas ruas de Kafka.
A alma esplende em metamorfoses.
Por ali nos indagamos do equívoco do enigma:
por que tudo é sempre o mistério do vir a ser,
a almofada do maravilhoso, seu estalo de trevas.
Sons de palavras: letras que surgem
do obscuro ritmo entrelaçado de nossos nomes
do entreato da sagrada miséria às minúcias de nossa queda,
a um só tempo dialética e mundana.
Livros de sons: a voz deixada no oco da tradição,
notas do prodígio que é seguir vivendo
lendo o misterioso nas páginas de Bataille Blake Benn.
Por ali nos indagamos e a tinta não cessa não cessa.
Alarde de espelhos
Ergo o olhar sobre a árvore visível,
escolha difícil em vista da quietude
de suas folhas: alarde de espelhos
em uma manhã sem ventos. Síncope
risível de abraços entre ser e tempo.
Um ritmo binário consome o homem,
escravo do alvo e da tensão do arco.
Réplica de uma dor lapidada à beira
da imagem ideal de todos os arcos:
guarda consigo o relâmpago e a guia.
As
tintas negras do jardim
Ill shoot the moon
right out of the sky
for you baby
Tom Waits
("The Black Rider", 1993)
A Vera Cruz de Oliveira
O que vejo é teu olho dançando no jardim:
descreve a si mesmo com tamanha paixão
o olho pintor de seus quadros em movimento
confessa-se uma máscara de Lucebert,
três vezes estivera com seu espírito maligno,
quase um pária, quase um duende, o olho.
Sua áspera voz correspondia às imagens
com que seguia redimensionando o jardim.
Fotos de combate, estatuetas corroídas,
papéis amassados, bosta de rato, explosão
de desordem por todos os ângulos, no atelier,
ainda legível um recorte amassado ao chão:
"um poeta que pinte não pode dar grande coisa".
Segue o universo caindo de si, quase um olho,
tomado de imagens como janelas a descascar.
O que vejo no jardim são detalhes do horror
que ainda comove pequenas histórias ilustradas
o poeta alimentando o caos, os santos óleos,
pequenas salas de costura onde o mundo se refaz,
olhar inquieto em seu infortúnio: resplendor
dos signos decaídos, guaches de abismos em chamas,
dançávamos e ele não parava de cantar, o olho:
Ill shoot the moon right out of the sky for you baby
mostra-me, criatura, as evidências de tua máscara,
não somente o irrefutável, mas sua lástima de si.
O olho excelso no caminho ilumina meu espanto.
Seu bailado acentua-se por toda a pele do jardim:
afeito a dissonâncias, rende-se à dor a criatura.
Uivam figuras patéticas à distância, dança mítica,
legado de antigos filósofos que viam deuses em toda parte.
O olho no jardim é um grande oceano que sangra,
pouco entende do tempo que ocupa com suas serpentes e letras que segue traçando em tintas
negras e árvores-pincéis as imagens que nada têm em comum com a eternidade a simples
representação do momento em que as coisas são menos e menos o despojo de sua própria
agonia quando o desejo confunde-se com o impossível e instaura-se a multa por
transgressão e
não somente Hölderlin mas todos os poetas
viveram algum momento como se fossem deuses.
O olho é a proteção do ardor mais secreto da beleza,
embora o jardim contaminado por imagens,
luz que já não se derrama sobre Goethe,
a última rosa do verão, o filme que se esvai
com a noite que atravessa de um encanto a outro.
A semente que cai (novamente a voz de Lucebert),
cai sobre o olho que assimila aquilo que vê.
Pintura e poesia. Mais do que o bailado dos signos
no atônito jardim tomado por seus dramas,
o compasso de nosso corpo negro
firmado no horizonte, sinuosa orquestra de timbres,
os traços caindo inspirados em arabescos
e flautas, bambus refletidos contra o sol,
amuletos-linces, rajas de opala do rio da linguagem,
o olho do amante engana, com seu lápis-trenó,
não existe apenas para a salvação dos cegos.
É grave como a página escrita e o bailado de Mondrian.
O olho é o jardim, mesmo que tomado de paixão.
Projeta-se sobre a idéia (sua) da imagem, um signo branco.
E segue a dançar, vôo de luas em um céu de pincéis.
A imagem desfeita
A mesma voz sempre indaga se tudo está escrito. Um ruído estendido à
tua porta. Outro foco de fagulhas insiste em saber quantas são as colunas circulares.
Rumores surgem da terra, erguem abismos por toda a noite. Uma furiosa atração por
estrondos nos atormenta. Oh velho murmúrio, velha lei de escombros! Que me dirá o pai
desconhecido anunciando a taça de seus enigmas? As raízes se perdem em portas carcomidas
por ressurreições. A alma se multiplica em vermes que celebram seu degredo. Por vezes o
homem se sente feliz em não ser nada. Ignoro lugar e instante em que me encontro contigo,
o que se segue ao som de nosso impossível diálogo. Ouçamos o que diz a morte. Abre o
talismã de teus lamentos. Mostra em teu peito onde está escrito que tudo se repetirá.
Ouço a pancada seca do tempo em nossas vértebras. A última palavra nos fará a todos
mendigos.
Legado de cinzas (Ester)
Em que condições se deve julgar um homem?
Remirá pelos ermos de seu banimento, e ali
eliminará de sua memória os atos que o levaram
ao catre? De que valerá o julgamento? A pena
santifica ou martiriza? O martírio sagra ou apenas
suplicia? Imensos os cabelos e a voz profunda,
como jamais se ouvira. Uma pausa medida
e logo seguia: Quantas dádivas nos negamos
enquanto condenamos alguém por crimes
dos quais todos somos cúmplices? Sacrifícios
de que ordem resgatam o convívio perdido?
O que esperar de homens que se sentem justos
ao julgarem alheio o que lhes cala tão íntimo?
Quantos a terão ouvido, em sua única visita? |
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