GMM, o combatente intelectual
Gerardo Mello Mourão merece mais do que um obituário ou
de qualquer outra palavra. Não precisa de louvores ou
reconhecimento. Conquistou tudo isso em vida, e que vida.
Combatido e combatente em duas ditaduras, na primeira passou
6 anos preso, sem culpa, sem julgamento e sem sentença. Na
outra, preso várias vezes e novamente cassado, começou suas
andanças pelo mundo, como exilado, caminhadas que
completaria depois como correspondente.
Como outra grande figura que foi Osvaldo Peralva, Gerardo
foi correspondente da Folha, em vários países. E aprendia a
língua, não tinha necessidade pois suas matérias eram
obrigatoriamente escritas em português. Mas fazia questão
disso, falava holandês, chinês, latim, grego e os rotineiros
francês, inglês, espanhol e italiano, correta e
correntemente. E que cultura acumulou durante toda a
existência.
Simples e despretensioso, Gerardo não tinha o mínimo de
arrogância, nem tentava mostrar superioridade sobre ninguém.
Mas essa superioridade se apresentava naturalmente, era
impossível desconhecê-la ou segregá-la do dia-a-dia. Sua
convivência, prazer e satisfação.
Posso dizer sem a menor hesitação, que foi um dos maiores
intelectuais do seu tempo, da mesma forma que Roland
Corbisier, com quem travou grandes debates. Acredito que não
tenham sido gravados, na época a tecnologia era inteiramente
"mecanizada", não era voraz e dominadora como hoje.
A propósito é preciso lembrar que na sua fase de
correspondente, além de buscar a informação era preciso
cuidar da transmissão. Não é como hoje que com um simples
lap-top, a matéria chega à redação exatamente no momento em
que é escrita. Como se fazia naquele tempo? Principalmente
de um país distante de tudo como a China, que voltou a
resistir depois de 1949, quando Mao Tse-Tung, na sua Marcha
Histórica, tirou a China do seu sono do Século X para
colocá-la imediatamente no Século XX. (Mas isto já é outra
história).
Impossível contar em poucas notas ou lembranças a vida
dramática de Gerardo Mello Mourão. Em 1940, preso
arbitrariamente pela mais terrível, trágica e criminosa
ditadura que foi a do Estado Novo, foi condenado pelo
Tribunal de Segurança Nacional, que era o que existia na
época. O procurador geral que comandava esse tribunal de
exceção, se chamava Hymalaia Virgulino. Não era um nome era
uma maldição.
Gerardo ficou preso 6 anos, a ditadura foi derrubada em
29 de outubro de 1945, logo em 1946 o Supremo Tribunal
Federal absolveu Gerardo por unanimidade. E nessa
humanidade, basta citar o relator e o revisor: Ribeiro da
Costa e Nelson Hungria. Na outra ditadura que começaria em
1964, Gerardo foi novamente preso, cassado, exilado.
Gerardo Mello Mourão era e será sempre um notável
intelectual. Só a Academia, num dos seus costumeiros
equívocos, recusou eleger Gerardo Mello Mourão, que não
devia se candidatar, era obrigatória a sua convocação.
Sobraram poucos do tempo da recusa em aceitar Gerardo como
imortal. Agora não dá mais tempo, mas a Academia, como
instituição, jamais se livrará dessa derrota, pois é de
derrota que estamos falando.
Gerardo escrevia muito bem de todas as formas, era também
um poeta excepcional. Mas se conversasse com um gravador
ligado, teria deixado muito mais, pois suas conversas eram
aulas simples e profundas, e o próprio Gerardo não percebia
isso. Mas era inesquecível para os que falavam sempre com
ele.
PS - Não choro a morte de Gerardo, todos temos
mesmo que morrer. Até mesmo os países morrem todo dia, como
aconteceu nestes dias com o Brasil e a visita do ditador
Bush. Mas Gerardo lutou pela vida da mesma forma como lutou
contra a morte.
PS 2 - Em uma época, fui muito amigo de seu sogro,
senador Barros Carvalho, que tinha notável pinacoteca.
Adorava seus quadros, mas sempre desconfiei que adorava
muito mais a cultura do genro. Era um homem de bom gosto.