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João de Moraes Filho


 

ORAÇÃO PARA NOSSA SENHORA DA GOTA D’ÁGUA



nos olhos
mudos,

o
lixo
goteja
surdo.

preso
na chuva
do céu.
– meu divino São José!

o
bicho
deseja
tudo,

o
bico
fareja
mudo
– meu divino São José!


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jacques-Louis David (França, 1748-1825), A morte de Sócrates

 

 

 

 

 

João de Moraes Filho


 

NESSE NINHO, NESSE NINHO TEM UM ANJO...


Verei, veremos, um dia,
Que a vida é vento...

E que somos cisco,
E que ninguém
Nos pega pelo bico...

Que só há ar em volta....
Nada além disso.


Mayrant Gallo



uma lata
resume a criança
esquecida sob o viaduto.

numa lata, um soluço
engasgado de quem sorri
escancarado e sem atenção

nessa rua chuvosa.
uma lata, estrume e criança.
escuta. Ela Chora.

chuva, pega essa criança
que parece uma careta.
brincadeira de ciranda

se refaz em lágrimas,
e chove. Ela chora, escuta.
uma lata esquecida sob o viaduto.

escancarada e sem atenção.


 

 

 

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Cissa de Oliveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

João de Moraes Filho


 

EM NOME DOS RAIOS
A Oya Balé


a chuva escorre.
leva canoas disfarçadas de palitos de fósforo
à esquina, por onde vai o canto do passeio.

deságua nas panelas suas melodias
caídas do telhado, batucando
um samba doido com os trovões.

chove. espelhos e santos
cobertos com pano branco
e tradição. a chuva enfraquece;

não seremos punidos. o canto,
santo remédio curador do silêncio,
assusta a maldição, o vento

descobre os embuços...

partiu a chuva com os passos
daquela nuvem
inscrita nas rugas,

e a imagem e a semelhança
perdidas em algum céu.


 

 

 

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Vânia Diniz

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

João de Moraes Filho


 

SONETO PARA O AZUL

O paraíso é onde o coração bate mais forte
E, olha, eu tenho o meu aqui: toca nele, é teu, dorme.
O destino nunca bate à porta
A penas entra sorrateiro.

Kátia Maccés


A fita azul amarrada em teu passo
reflete céu e barcos soprando ondas
jogadas na areia, desfazendo pegadas
que nenhum farol guiou, mas ilumina.

Arrebenta e parte cada palavra
pregada na saliência aguardada.
Essa presença sentida no toque
se ajeita no peito guardado nu.

Nesse imenso azul flutua só, pássaro
lavando a alma em bem-me-quer: pouso
arriado em mulher despetalada,

em lençol de areia iluminada,
tecendo vôos, escancaradamente,
em leito nascido de chão pisado.


 

 

 

Henry J. Hudson, Neaera Reading a Letter From Catallus

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Marina Leitão

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904) - Phryne before the Areopagus

 

 

 

 

 

João de Moraes Filho


 

IMPERATIVO DO BEIJA-FLOR


navegada em si,

todos os portos
invadem manhãs
neste cheiro doce
de mulher desenhada.

onde alimenta suada
a clara voz do dia ?

onde tua flor regada
feri o sentido riscado na pele ?

em chão rueiro,
me orvalha invadida
voando sobre jardins ...


 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), girl

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Sonia Rodrigues

 

 

 

20/07/2006