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Marcos Roberto dos Santos Amaral

São Jerônimo, de Caravaggio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Marcos Roberto dos Santos Amaral

 

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

 

Com pesar e ´pena de lembrar que em breve nada restaria do peregrino em terra hospitaleira, onde vagara; nem sequer a lembrança desta alma´; e com a consciência do fim iminente de sua vida; sabendo de que nada resta senão o vulto de um passar na terra: ´uma esteira de espumas... - flores perdidas na vasta indiferença do oceano. - Um punhado de versos... - espumas flutuantes no dorso fero da vida´, Antônio Frederico de Castro Alves (1847 - 1871) legou à posteridade louros que coroariam a fronte da humanidade: ´seus cantos, como as espumas, que nascem do mar e do céu, da vaga e do vento, filhos da musa - este sopro do alto, do coração - este pélago da alma´. A obra desse poeta é o motivo central dessa edição.

Como se dá a travessia de Castro Alves desde 1870 aos dias de hoje? Por que, com ´o seu frescor de orvalho e fulgor de diamante´, a poesia de Castro Alves não sofre a injúria do tempo que danifica as glórias e enxota as notoriedades? Onde está o seu segredo? Na sua eloqüência comicial que se desata, mesmo no momento murmurante, em que no desalinho de uma cama, celebra o seu amor por uma mulher? Na chuva de hipérboles e metáforas que troveja entre as nuvens e astros da sua noite condoreira, juncada de amores e indignações? Na sedução de sua vida breve de poeta romântico, inspirado, que viveu a sua própria antecipação entre alegrias e amarguras, e, na qual, os dias devem ser avaliados numa contabilidade que os dobre ou os multiplique?

Ou mais, por que fulgura e nele sente-se o borbulhar do gênio? Por que é poeta distinto por ´lírico amoroso´, que se exprimia quase sempre sem ênfase e às vezes com exemplar simplicidade, como no formoso quadro do poema ´Adormecida´? Por poeta descritivo, -pintando com admirável verdade e poesia a nossa paisagem, tal em ´O crepúsculo sertanejo´? Por que poeta épico-social, desmedindo-se em violentas antíteses, em retumbantes onomatopéias?´ Ora, há que reconhecer nele, mal-grado os excessos e o mal gosto ocasional, a maior força verbal e inspiração mais generosa de toda a poesia brasileira´, conforme se manifestou Manuel Bandeira apaixonada e solidariamente. Ambos acometidos por tuberculose, o mal do século, em ainda jovens, - o romântico logo foi morto, aos vinte e quatro anos, o modernista, assombrado pela companhia durante anos da iniludível das gentes, em sua prolongada Consoada.

O olhar da crítica
Euclides da Cunha apontou para que ´há no seu gênio muita coisa do gênio obscuro da nossa raça´, já José de Alencar, em carta a Machado de Assis, padrinhos de Castro Alves na apresentação deste à corte literária, anunciou o Cantor de Iracema que nele ´palpita o poderoso sentimento da nacionalidade, essa alma da pátria, que faz os grandes poetas, como os grandes cidadãos´.

Talvez se indague tanto sobre a vitalidade e perenidade do poeta pelo fato de que, conforme constatou José Veríssimo, ´poucos livros brasileiros, e menos de versos, têm sido tão lidos´, sabemos que livros relidos são livros eternos.

A crítica polemiza entre si, dentre variados temas, em torno de questões sobre sua originalidade e autenticidade; sobre seu estro oratório, afeito para ser declamado em meio ao público, em praças e teatros; sobre sua relação particular com o romantismo brasileiro; sobre a fragilidade de sua obra irregular e impetuosa; por fim, e, principalmente, sobre sua poesia de clamor social. De todos os pontos supracitados habitualmente deslumbrados pela crítica castroalvina, o último, sua poesia de vertente social, é ponto pacífico. Não há voz que se erga da multidão, com sonoridade e vibração audíveis tal quais para calar o brado grandíloquo do poeta dos escravos.

Já em relação aos outros temas destacados da crítica, em tratando do poeta baiano, os posicionamentos são os mais controvertidos e duvidosos. A respeito, Afrânio Coutinho, em seu ´A Literatura no Brasil´, indica que ´uma das maiores dificuldades antepostas aos estudiosos desse poeta é a ignorância reinante, mesmo entre exegetas, do que se faz e fazia naquele tempo, agravada pelo fato de não infundirem respeito (ou confiança) as contribuições válidas de nomes hoje obscurecidos, sem embargo da projeção de que tenham gozado, ou da influência exercida. Daí o perigo de afirmações e classificações aligeiradas do aparato documental, e a quase inanidade de justificativas históricas a serem, assim, formuladas pela primeira vez´.

Os críticos ou se fazem partidários e aficionados exaltando o poeta Castro Alves enquanto o mais sagaz condor dos mais altos picos da excelência poética; ou se aferram em apontar equívocos direito à obra castroalvina. M. Cavalcanti Proença sobre Castro Alves dá nota dos ´movimentos, que vez por outra, surgem entre os intelectuais, tendendo em valorizá-lo ou desmerecê-lo, e em cujas raízes, se encontram, muitas vezes, o bairrismo, a política ou o primitivismo exclusivista, chegando às fronteiras da polêmica´.

Os desentendimentos alcançam tal ordem a ponto de se hostilizaram em seus artigos os estudiosos. Caso houve, quando, tematizando a poesia de Castro Alves, saiu um comentário asseverando: ´Castro Alves não é nenhum gênio´. Em resposta, o editor do ´Jornal de Poesia´ (página on line) tripudiou: ´Concordamos com dona Marilene (grifo nosso): Castro Alves não é um gênio; Castro Alves é um grande gênio´, depois do que assina, alcunhando-se o jargão - do poeta Soares Feitosa, aprendiz.

O engajamento literário
É possível seja o discurso social o mais destacado por que Castro Alves se solidarizou com o povo americano, com o seu povo - com o povo do Brasil. Tinha ´o coração do homem e a alma do cidadão´, enlevou-se Machado de Assis*; José Veríssimo evidenciou o fato de o poeta ter reclamado nosso ideal humano; Érico Veríssimo, por sua vez, em sua ´Breve História da Literatura Brasileira´, lembrou que Castro Alves ´voltou os olhos às feridas crônicas e sempre sanguinolentas dos escravos e fez-se a si o paladino do abolicionismo, enquanto a maioria cutucava suas próprias feridas fazendo-as sangrar por que isso lhes dava bons motivos para a produção da poesia´.

´Em vários de seus poemas -prossegue o autor de ´Olhai dos Lírios do Campo´ - Castro Alves antecipou as reivindicações proletárias que viriam muitos e muitos anos mais tarde´. Perscrutando a alma do poeta: ´tinha compreensão humana e compaixão. Possuía, desse modo, um admirável senso de fraternidade´.
 

Um poema não interessa somente pela causa que defende. Possui interesse também, como deve esperar-se, principalmente, pela essência ergocêntrica de seus elementos poéticos e estilísticos. Deve-se estudar a obra procurando deslumbrar o que a torna una e única; o que a faz uma obra poética por si e como tal; e o que a faz uma obra poética além das demais; não mais uma entre as demais.

A poesia castroalvina tanto afeiçoa ao coração quanto à mente. Surpreende em virtude, energia e graça dos aspectos formais, de imagem, plásticos e sonoros extremamente sensíveis e interessantes à fina intelecção.

Afrânio Coutinho, num meio-tom entre uma nota de elogios e entre um diapasão de advertência, registrou, com sóbrias palavras: ´em ´Vozes d´África´ e em ´O Navio Negreiro´, a cada instante o pensamento social é soterrado pelo pensamento poético, o fato pela metáfora, o real pelo idealizado. Somente um artista absolutamente desinteressado da validade histórica de sua obra poderia construir um de seus mais arrojados e mais valiosos trabalhos sobre um anacronismo; somente Castro Alves se empolgaria, como o fez em ´O Navio Negreiro´, por uma concepção altamente plástica - a dos negros chicoteados num tombadilho - sabendo que o tráfico de escravos havia sido extinto dezoito anos antes. Era também, a crer nas datas dos manuscritos, o império do poeta sobre o homem, que o levaria a transformar ´Prometeu´ em ´Vozes d´África´, isto é, um poema inseguro em favor do ´povo infeliz, mártir eterno´, no formidável clamor em nome da África, onde a imaginação tomava rédeas nos dentes e punha em ação a engrenagem de suas leituras. Ele compreendeu, ou pelo menos sentiu, o que nenhum outro contemporâneo (exceto Varela) parecia compreender ou sentir: o que confere a uma obra de arte poder sobre o tempo não é a causa que defende ou o sentido de que se imbui. É sua qualidade. A utilização extraliterária de uma obra que sobrevive são os frutos, os percalços, da sua permanência´.

Os caminhos da leitura
Puxamos das habenas que dão ritmo à nossa pesquisa um pouco para darmos arejo a alguns somenos. Primeiro, com Afrânio Coutinho, simpatizamos com uma corrente da crítica literária que se ocupe e que se concentre em saídas relativas à construção orgânica da obra, sua estrutura, sua armação estilística, recursos poéticos lexicais, sonoros, plásticos, etc., em outros termos, que aponte a qualidade instituidora do poético a uma obra.

Depois, observamos que, na voz do crítico, são percebidas as duas perspectivas que antagonizam a crítica sobre Castro Alves, embora, neste caso, atenuada pela postura mais rigorosa e cerebral em consideração a obra castroalvina: de um lado, o reconhecimento do estro sofisticado de poeta dado a Castro Alves; por outro lado, a positivação de seus cacoetes, característicos de sua discutível estilística, entre outros, que a crítica se empenha em corroborar, em sua poesia. E, enfim, Afrânio Coutinho parece responder à indagação inicial, qual seja, de com que arte o poeta fez sua travessia pelos, impiedosos e intempéricos, tempos e, presentemente, se impõe com a força que tem. A qualidade de sua obra é responsável por sua longevidade vital, é o que o notabiliza como o poeta de uma casta. Importante essa qualidade ao poeta. Lembrando de um poeta que não a houve em gênio, o crítico é severo: - ´´Os Cânticos Juvenis´, com que estreou Carlos Ferreira em 1865, ou o poema ´Leonor´ de Almeida Cunha não podem ser lidos senão às gargalhadas´ (grifo nosso).

Ainda percorrendo com Afrânio Coutinho, mais especificamente com sua concepção de crítica literária, transcrevemos o seguinte trecho de seu já citado ´A Literatura no Brasil´. ´A formação básica da nova crítica opõe-se frontalmente a do séc. XIX. Enquanto essa, como salienta Damaso Alonso - que é, diga-se de passagem, um dos líderes da revolução crítica - dirigia-se à obra literária indagando sobre a sua gênese, perguntava-lhe porque, como se deu sua formação, a nova crítica passa a investigar o que é o poema. Uma, a oitocentista, á genética, historicista, extrínseca, a atual é estruturalista, intrínseca, ergoêntrica, em vez de buscar a origem do poema, procura estudar a sua natureza, a sua estrutura, segundo a sua ´unicidade´, as leis e constantes de sua existência como tal. A do séc. XIX era histórica, a atual é estética´.

´Uma ponto é, todavia, - o crítico literário, prevendo alguma objeção, explica - essencial a sua compreensão: ela não isola o fato literário do seu contexto geral, mas o encara nas suas relações com os outros pontos da vida, sem, contudo sacrificar o que deve ser o ponto precípuo da análise crítica, isto é, o núcleo intrínseco´.

O discurso inflamado
A eficácia da palavra cantada, pronunciada por um poeta é de tal ordem que atinge o real, tornando-o construtor do mundo. O charme da voz, a sedução, ´sortilégios de palavras de Mel´ remete-nos a Peithó e ao seu poder de fascinar, correspondendo ´no panteão grego, ao poder que a palavra exerce sobre o outro´, segundo Edilene Matos. A estudiosa esclerece que Castro Alves segue uma tradição, culminando na denominada ´oratória baiana´, que vem dos primeiros tempos da Bahia, de Vieira com Os Sermões, passando pelo seiscentista Gregório de Mattos a Rui Barbosa, entre outros.

É costume atribuir aos românticos um relaxamento formal que não corresponde inteiramente à realidade. Marilene Felinto esboçou: ´aliás, a qualidade da obra de todos esses poetas românticos que morreram tísicos e cedo demais devia ser revelada (querendo-a depreciada, a autora?), senão por motivos estéticos, ao menos por que não tiveram tempo suficiente para amadurecê-la´.

Ânderson Braga Horta, em seu artigo ´Os erros de Castro Alves´, tem uma visão diferente, bem mais acertada e menos abusada: - ´certo não tinham eles [os românticos], em geral, o mesmo rigor de linguagem dos parnasianos, mas atirar-lhes o labéu de ignorância lingüística é pelo menos exagero´ (deixemos claro que, como transparece em Horta, não creditamos aos parnasianos, exclusivamente, essa imagem de impecabilidade estilística).

Horta estuda, então, uma série de motes que fazem ou, supõe fariam, questões a respeito da balda de incorreções que lhe é imputada ao poeta. Discute o tema com a seguinte perspectiva - propõe - : ´da releitura que fiz de Castro Alves destaquei os pontos mais provavelmente inquináveis da pecha de incorreção, e quase invariavelmente concluí favoravelmente ao Poeta. Há problemas que saltei, ou por me parecerem menos relevantes, ou por estarem devidamente solucionados, outros que não pude solucionar, como a crase em ´à meia voz´, na 2.ª estrofe de ´A Canção do Africano´, a concordância em ´Família, leis e Deus lhes coube em sorte´ (´Desespero´, 2.ª), terceiros que devo atribuir a contaminação do coloquial (´Fazem hoje muitos anos´, 1.º verso de ´História de um Crime´). É pouco para a condenação, até porque não terá tido o Poeta condições de proceder a cabal revisão de todos os poemas´.

Lembra, esse crítico, nessa passagem, o que já advertia, com toda sua sagacidade de grande escritor que foi e é, logo do princípio da meteórica ascensão e permanência literárias do jovem poeta; José de Alencar, após lhe ter lido o drama ´Gonzaga´, em que se continha as primícias de seu talento. O escritor cearense pareceu prever que o tempo faltaria ao poeta, por isso o justificou: se castro Alves pecou algures: - ´a culpa (se existe nesse caso) não foi do escritor; foi da idade. A sobriedade vem com os anos; é virtude do talento viril´. Ainda tomando da voz do pai de Iracema, Peri e Ubirajara, observamos que Castro Alves não fala para alguns que se preocupem com algo de menos importância; - ele fala, principalmente, para ´o Brasil que sente; do coração, e não do resto´.

A originalidade
Sempre ao se ler Castro Alves, tão logo, se depara com alguém levantando o problema da sua autenticidade e da sua originalidade. O problema, a bem da verdade, não é significativo, pois não é seguro falar de fenômenos literários, porque mesmo os grandes escritores, não o são isoladamente absolutos, estão situados historicamente, sendo passíveis de precedência e procedência literárias, não estão de todo livres de influências, inclusive, e tanto de outros escritores, quanto sobre outros escritores.

Entretanto, se algum ainda se assanhe por que o poeta tenha ´imitado´ Victor Hugo, lembramo-lhe o que estudamos, há pouco, e o que conhecemos, agora: da latência social e humanitária de Castro Alves; portanto, é de se esperar natural admiração e proximidade ao cantor de hinos à Liberdade, uma vez também porque à época foi o escritor Victor Hugo o exemplo maior, louvado máxime por causa de sua verve política e nacionalista.

Caso insista, damos a pena a Machado de Assis - e a sua autoridade -, Cícero do jovem Dante: ´sua índole irmã levou-o a preferir o poeta das Orientais. Achei um poeta original. A musa de castro Alves tem, portanto, uma feição própria´.

Mas ´a praça é do povo, como o céu é do condor´, e o céu é a poesia, e o condor, o poeta... O tom oratório de sua poesia é amiúde discudito por seus estudiosos. Érico Veríssimo justificando o fato de não encontrar, dentre as obras da época, outras que suportassem a releitura como as do poeta, de inspiração tão eloqüente, explica que ´ele tinha paixão por palavras e sua inclinação à grandiloqüência era tão forte que seus poemas foram descritos por um crítico como condoreiros´.

A singularidade romântica
astro Alves tem cidadania especial dentro do Romantismo. Surge para a poesia num momento em que o romantismo estava já prenunciando esgotamento, e quando, como é natural, avistavam-se descontentamentos com a estética vigorante e anseavam-se por uma nova literatura. Muitas vezes, foi tido como epígono do romantismo. Érico Veríssimo diz ser o poeta Castro Alves a maior figura do romantismo.

José Veríssimo conta-nos que Castro Alves ´passada a sentimentalidade sincera, mas pouco variada, e que sob o aspecto de expressão acabara por se tornar monótona, das gerações precedentes, a inspiração de Castro Alves apareceu como uma novidade - concluindo em seguida: com castro Alves, pode-se dizer que se alarga a nossa inspiração poética, objetivam-se o nosso estro e os poetas entra a perceber que o mundo visível existe´. Por sua vez, Afrânio Coutinho ´se a classificação de Castro Alves dentro desta ou daquela escola é de somenos importância, não o é o estudo de sua posição em face do Realismo. Aqui, sua poesia investe de uma dupla significação histórica: retoma a tradição azevediana, afirmando a estética romântica frente a o classicismo; e estabelece uma oposição de qualidade à acomodação do Ultra-romantismo como sistema lírico, constituindo-se no principal artífice de uma nova concepção da realidade na poesia brasileira´.

Uma figura antitética
Em respeito a Castro Alves, tudo parece girar em torno de uma dicotomia - poeta genial versus poeta anódino. Essa relação aponta para mais uma impropriedade de postura da crítica que, efetivamente, se empenha em confirmar desmerecimentos da obra de Castro Alves.

De fato, é uma obra irregular e curta, mas isso se dá pela natureza mesmo do poeta, de imaginação efervescente que inunda e transborda; de impaciência de moço, querendo sorver tudo da vida de um só trago, como se não tivesse - assim não teve, com efeito - mais que um instante em toda a sua vida.

 

A exegese do poema deve se fazer já no título. O poeta evidencia que uma chave para seu entendimento está na palavra ´Adeus´, registrada entre aspas. Dessa maneira, Castro Alves adverte ao leitor que este termo tem uma utilização especial, segundo se confirma nas seis aparições de Adeus, sempre em aspas no poema. Aqui o sinal gráfico é indicador de discurso direto, ao contrário do uso no título, que sinaliza a latência significativa do termo.

A peculiaridade é dada porque a cada aplicação de ´Adeus´ o sentido de despedida é acrescido de uma carga semântica particular. Essa qualificação da palavra tem sua propriedade caracterizada por ´modalizadores´ explícitos no verso. ´´Adeus´ eu disse-lhe a tremer co´a fala´ e ´Ela, corando, murmurou-me: ´adeus´´, ao primeiro verso, a tremer co´a fala, pois é intensa a emoção palpitando-lhe; e, ao segundo, corando, o pundonor feminil, transmitem a ´Adeus´ um valor significativo de uma despedida de namorados. Na verdade, está quase equivalente sinonímio de um ´até logo´ ou ´tchau´ ou para adequar a modalidade lingüística: ´em breve nos veremos´. O próprio termo murmurar (falar baixo, - quase ao ouvido, como podemos presumir), com seu sussurro onomatopaico e sua aliteração da constritiva bilabial nasal, também confere, desse modo, essa feição ´enamorada´ ao termo.

Dois outros casos
Castro Alves, em dois outros seus poemas, retoma a questão da semântica de ´Adeus´. Define-a como uma palavra fatal e restringe seu uso ao momento extremo de separação absoluta. Para, simplesmente, despedir-se, reclama outra expressão que não ´Adeus´. Veja-se nesse caso a última estrofe do poema ´Adeus´ de ´A Cachoeira de Paulo Afonso´: ´- Adeus - palavra sombria!/ Não digas - adeus -, Maria!/ ou não me fales de amor!´ porque ´- Adeus! - miséria! Mentira/ De um seio que não suspira/ De um coração sem amor´ (diletíssima a elipse do verbo, que se aponte). É uma poesia sobre o rompimento de uma relação apaixonada e intempestiva o poeta intitula-a como a mesma palavra. Os poemas homônimos deixam claro como Castro Alves concebe a natureza desse vocábulo.

Na segunda estrofe e segundo estribilho de ´O ´Adeus´ de Teresa´, a palavra destacada toma uma roupagem teatral. O namorado ´conservando-a presa´ e a jovem ´entre beijos´ encenam dramaticamente uma separação. Agora, de uma despedida juvenil, florescente em que os namorados se deixam ir, inicialmente; temos uma cordata situação: o casal, já íntimo, observe-se a expressão ´sem véus´ do 9º verso, portanto, os dois morando juntos, pois casados, despedem-se. A gravidade do quadro é tonificada pelo adjetivo pálida, que além de fazer parte do escopo vocabular do léxico romântico (mesmo tido como uso vazio de tão reiterado, nesse caso o poeta o revigora; - os clichês enraizavam-se por tal jeito que amiúde colidiam com o pensamento do poeta, no poema ´Um Raio de Sol´, o poeta fala de um níveo de uma escrava morena.), condensa nessa poesia uma ambiência de mal-sina que se está anunciando.

Melancolicamente pálida, Teresa torna-se branca ao fim da poesia. O descoramento é por espanto, surpresa e por medo, já que parece antever o desfecho funesto de sua história. Teresa dá seu último ´Adeus´ ´arquejando´, agonizando a última palavra antes da morte. ´Adeus´ neste último verso potencializa uma nova essência: um valor fatal.

O domínio do ritmo
Castro Alves demonstra-se conhecedor profundo dos idiomatismos de nossa língua, antecipando-se mesmo aos modernos lingüistas, utilizando, com mestria, a palavra ´Adeus´, valendo-se da oscilação significativa do vocabulário. Quanto ao ritmo da poesia, duas poderiam ser as ocorrências de decassílabos jâmbicos. Em todo, onze os versos heróicos (2º, 3º, 7º, 8º, 10º, 13º, 14º, 15º, 17º, 20º, 21º, 22º); nove os sáficos (3º, 9º, 11º, 16º, 19º, e todos os estribilhos).

Os versos 5º e 23º possuem distribuição rítmica polivalente tanto na forma heróica quanto na de cesura feminina. A configuração acentual desses versos apresenta cesuras em 4º, 6º, 8º, e 10º sílabas poéticas.

O verso ´A valsa nos levou nos giros seus´ acentua-se como um decassílabo jâmbico, alternando entre átona e tônica, apesar de nossa classificação ser controvertida, por que um acento recai no pronome de objeto nos, a rigor, uma partícula monossilábica átona. Mas, sabemos, a questão é de sensibilidade de ouvido: alguns mais duros para aceitarem outro acento que não o gramatical, outros mais atentos ao acento temático topicalizador ou ao acento poético.

Aspectos estilísticos
Seguindo nossa análise, encontramos no primeiro verso uma inversão estilística que juntamente com uma forma canônica do final da poesia sintetizam os dois momentos da passagem do romance do eu-lírico e Tereza. Vez primeira favorece o encantamento de jovialidade e graça à expressão, condizentes ao sereno clima de namoro que se confirma nesta apresentação inicial dos dois namorados, ao contrário do que traria o sintagma nominal primeira vez, uma forma que por muito usual perde o valor de novidade e frescor que a inversão, assim, potencializa.

O estado de amizade entre os dois jovens amantes acaba no assassínio de Tereza por seu próprio companheiro. A revelação do drama de seu amante ser seu algoz explicita-se na expressão última vez (x vez primeira) que transmite uma carga de fatalidade, tanto porque topicaliza a palavra última, com sua força majestosa de proparoxítono, como porque, com sua forma direta cristalizada, resume em si a irreversibilidade da tragédia.

Interessante notar o uso do pronome subjetivo nos seguintes sintagmas verbais: ´a primeira vez que eu vi Teresa´ e ´foi a última vez que eu vi Teresa´. Lemos Monteiro, no seu estudo sobre os pronomes pessoais, escreve que, na tradição gramatical, ´em raros casos se justifica a colocação dos pronomes sujeitos.

Said Ali ensina que eles devem ser usados quando a clareza o exige ou quando se quer chamar a atenção para a pessoa do sujeito. Cunha e Cintra dizem que o normal é a omissão, já que as desinências verbais bastam para indicar a pessoa a que se refere o verbo´.

Dada esta explicação, acreditamos que Castro Alves por dois motivos dá luz ao pronome eu: primeiro para acentuar a subjetividade de sua expressividade catártica, como declaração de um eu condoído e pesaroso - não arrependido - rememorando (sofrendo) sua desdita. E depois para, com a explicitude da subjetividade, enfatizar o caráter íntimo de sua confissão e ressaltar que foi com ele que toda a desgraça aconteceu, numa espécie de ´egocentrismo cósmico´ característico dos grandes artistas românticos.

O jogo imagético
No segundo verso ´Como as plantas que arrasta a correnteza´, observamos a estranheza que nos causa a imagem que o poeta tentou realçar, sem conseguir um bom resultado, contudo. A correnteza de um rio arrastando uma planta concentra a oposição violenta de forças das águas e da frágil planta, acentuado desequilíbrio, e a turbulência que é evocada com a imagem. Algo que muito mais desencadearia sensações fortes e travadas, o que se reforça graças à feridade advinda do grupo consonântico -rr, destacável por está na cesura principal do verso.

O problema é que esta imagem se presta a ilustrar a enlevação em que se tomaram os dois jovens quando dançavam uma valsa. ´A valsa nos levou nos giros seus´ é todo aliterado pela sibilante, som de suavidade e leveza, contrários e de sugerências semânticas e sensitíveis distintas do que remete o verso anterior.

Mas ainda em favor do poeta podemos lembrar de um calmo rio que descanse em sua límpida superfície as pétalas de uma flor e a embale docemente... entretanto, ainda está registrado arrasta, vocábulo vigoroso e robusto e em posição especial no verso.

Por fim, o poema merece a menção ao fato de encadear uma nova visão de amor. Alfredo Bosi observa, com respeito a Castro Alves: ´Com ele fluem sem meandros as correntes de uma renovada lírica erótica, tanto mais forte e limpa quanto menos reclusa no labirinto das culpas sem remissão´. Mário de Andrade, em um seu artigo , considera: ´´Hebréia´, ´Boa-noite´, ´O adeus de Teresa´, ´O tonel das danaides´ e ´Os anjos da meia-noite´ provas decisivas de mudança profunda na concepção temática do amor na poesia do Brasil´.

Castro Alves renega o amor clássico. À ausência do amigo, a bem-amada não se deixa solícita a esperança de seu herói. Ao contrário de Penélope que esperou em virtude a Ulisses, Teresa é tomada por uma nova paixão e a ela se entrega. Portanto, o amor clássico, moral, é suplantado pelo amor, em um novo entendimento, um amor carnal e lúdico.

Não se iça ao paroxismo a um amor ´fiel à sua lei de cada instante´ de que se inundou e em que se liberta Vinícius de Moraes; mas não se enclausura apaticamente dentro de si numa ara impassível às paixões que sopram de doce aura em brisa... acendendo nosso amor ´que não seja imortal, posto que é chama´...

O poeta ocupa um lugar ímpar na lírica romântica por não ter limitado sua escritura à simples expressão da ´ânsia de amar´, quimera contemplativa da moral romântica. Castro Alves destoa do protótipo do poeta romântico.




SAIBA MAIS

ALVES, Castro. Prólogo de Espumas Flutuantes, in: Poesias completas/ de Castro Alves, prefácio de Manuel Bandeira. - Rio de Janeiro: Ediouro, 1995.
BANDEIRA, Manuel. Notícia sobre o poeta, in: Poesias completas/ de Castro Alves, prefácio de Manuel Bandeira. - Rio de Janeiro: Ediouro, 1995.
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 2a. ed. São Paulo: Cultrix, 1974.
COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil/ Direção Afrânio Coutinho; co-direção: Eduardo de Faria Coutinho. - 6º ed. rev. e atual. - São Paulo: Global, 2002.
CUNHA, Euclides da. Castro Alves e seu tempo. - 2ª ed, Grêmio E. da Cunha, Rio de Janeiro. 1919
IVO, Lêdo. A Travessia de Castro Alves in: Alves, Castro. Melhores poemas de Castro Alves/ Seleção e apresentação de Ledo Ivo. - 7º ed. São Paulo: Global, 2003.
HORTA, Ânderson Braga. Os ´erros´ de Castro Alves, in: HTTP.// www secrel.com.br./jpoesia/
MATOS, Edilene. A Sedução da voz, o verso, in: HTTP.// www secrel.com.br./jpoesia/
PROENÇA, M. Cavalcante. O catador Castro Alves in: estudos Literários/M. Cavalcante Proença; prefácio de Antônio Houssais; nota de Ivan Cavalcanti Proença. - 3ª ed - Rio de Janeiro: José Olímpio, 1982.
VERÍSSIMO, Érico. Breve História da Literatura Brasileira. Érico Veríssimo: tradução
VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1982.

 


MARCOS ROBERTO DOS SANTOS AMARAL
*Colaborador, do Curso de Letras da Uece


FIQUE POR DENTRO

A voz do poeta do povo

Jamil Almansur Hadad , em sua ´Revisão de Castro Alves´,observa: ´Com todos os seus rompantes de poeta erudito, imitador de Hugo e tradutor de Esprocenda, ele prolonga a voz dos cantadores cegos das feiras, a voz dos serenatistas bêbedos em noites com lua ou sem lua, mandando a amada suspirosa acordar por detrás das rótulas silentes, a voz do cabra empolgada no desafio, ou entoando o hino de glórias em louvor dos heróis pastoris ou do cangaço´. M. Cavalcanti Proença, fazendo um apanhado de ´semelhança de processos´ entre a poesia de Castro Alves e entre a dos catadores (em geral) nordestinos (especificamente), chama atenção para os ´elementos que estruturam a popularidade do condoreiro´, enumerando, então, um repertório de elementos que atestam essa veia castroalvina que pulsa com a poesia popular. Por essas qualidades de sua obra, é que se entende a admiração tão vigorosa e apaixonada do público ao seu vate. Por isso seus poemas como ´Navio Negreiro´ e ´Vozes d´África´ são estimados como ´a maior altura do seu estro. O primeiro é uma evocação dantesca dos sofrimentos dos negros na travessia da África para o Brasil; o segundo, uma soberba apóstrofe do continente oprimido a implorar a justiça de Deus´, escreve o poeta Manuel Bandeira.

 

 

Manoel de Barros

 

Augusto dos Anjos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

29.03.2006