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Novidades da semana
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Página atualizada em 12.07.2000
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Miguel Sanches Neto
Comentários sobre a poesia de:
  1. Iacyr Anderson Freitas
  2. Manoel Ricardo de Lima
  3. Weydson Barros Leal
 
Uma casa maior que o mundo.
Gazeta do Povo,
12.08.2000
Percorrendo quatro cantos da poesia contemporânea, o crítico elege a sua morada.

 

Sem nenhum incentivo, vivendo um momento de orfandade crítica e midiática, a poesia continua dando frutos num sistema de recepção fechado, em que apenas os leitores domésticos, geralmente outros poetas ligados por vínculos de amizade, entram em contato com os livros. Esta auto-suficiência imposta aos bardos se dá não apenas pela falta de mercado, mas também pela ausência de critérios editoriais seletivos, tudo sendo publicável: em casa, para atender demandas pessoais, ou em pequenas editoras, que antes imprimem os livros do que os transformam em produto de valor extrínseco, ou seja, em um objeto desejável dentro de um horizonte de consumo sofisticado.

Esta superlotação poética nas prateleiras das livrarias faz com que bons autores fiquem à margem de um público maior. Este é o caso de Iacyr Anderson Freitas, que publicou por conta própria o livro Mirante (Juiz de Fora, 1999), reunião de 33 sonetos, num livro centrado nas incertezas do eu. O soneto, tão questionado nas últimas décadas, volta como uma possibilidade de ligar a poesia de agora aos grandes nomes da língua portuguesa, viabilizando assim o reencontro com uma tradição positiva apagada de nossa poesia por poetas modernos que transformaram sua incapacidade de unir engenho e arte em preconceito, decretando a morte do soneto - exercício de rigor e de magia. Esta forma poética é vista como um meio de expressão legítimo e atual num tempo, como o nosso, de poemas ruins:
Abre-se um novo embate. Abre-se a musa.
Eis que o metro força o antigo engenho.
Devo encaixar o mundo numa blusa e, pródigo, doar o que não tenho.
Devo encontrar outrora este soneto.
Também medir com régua cada estrofe.
Não se assuste o leitor. Este é o único poema metalingüístico do livro e cumpre a função de posfácio. Nos demais, Iacyr Anderson Freitas fala de coisas vividas e sentidas, como toda grande poesia, fundando-se no homem. Dono de uma língua universal, consegue ele dar naturalidade a textos que tratam de forma clara sentimentos de impotência diante do tempo, buscando no amor renovado a recuperação de toda a alegria, hoje perdida.



Mais elíptica e fragmentária, a poesia de Manoel Ricardo de Lima (Embrulho, 7letras, 2000) opera numa outra sintonia, destacando-se por um discurso em ruínas. É a atonalidade buscada pelos jovens poetas que encontraremos neste livro que não quer dizer, apenas sugerir as situações, renunciando à linguagem em nome de um silêncio que corrói todos os poemas. Levando à risca a economia dos meios, Manoel Ricardo se opõe a toda poesia que se queira acabada, bem elaborada, para permanecer na luta contra a poesia propriamente dita, tida pelo autor com fora de tempo e de lugar. Persegue a linguagem da juventude achando que isso lhe dará a juventude da linguagem - aposta um tanto arriscada numa época em que nada envelhece mais rápido do que os valores da moda. [Mais comentários de Cláudio Portela]


Em uma outra latitude poética, Weydson Barros Leal, Os ritmos do fogo (Topbooks, 2000), se dedica a um fechamento da linguagem, em poemas que se encaminham para o hermético, influência declarada de um Rimbaud e de um Rilke, embora em alguns momentos escreva poemas de conteúdo mais transparente - não por acaso os de melhor qualidade -, num livro que é competente, embora sem a chama poética da genialidade. Os seus ritmos são antes os do incaraterístico, longe do fogo sagrado dos textos de Rimbaud, o escritor vidente por excelência.

Indeciso entre vários estilos, Weydson é vítima do fascínio pela influência, buscando modelos que não se ajustam entre si e à voz do poeta. A influência só é produtiva quando ela soma com o que trazemos conosco - verdade um tanto óbvia que vem sendo esquecida.

Embora com uma precisa percepção das dimensões que faz o gênio, que exprime a imensidão do eu e de seu poder de criação, como fica sugerido em um dos mais belos versos do livro ("A casa de minha infância / era maior que o mundo que passava na rua" p.50), a sua poesia reconhece como maior o mundo literário do que a casa do poeta, espaço próprio que deveria ter sido alargado para rivalizar com tudo aquilo que não é ele. Os grandes livros de poema fazem-se umbigo do mundo, relevância que a coletânea Os ritmos do fogo não consegue adquirir para o leitor, que se sente mais dentro do mundo em que vivemos do que na casa grande que é o livro de poemas bem realizado.

É esta a proeza justamente de um jovem poeta gaúcho, Capinejar, cujo segundo livro (Um terno de pássaros ao sul, Escrituras, 2000) encanta e prende o leitor da primeira à última página, tanto pelo ritmo extremamente ágil quanto pelo forte princípio masculino de um discurso que se faz força de expressão. Este poema-livro é unificado pela busca biográfica da figura paterna, afastada da família pelo divórcio. Filho de Carlos Nejar e Maria Carpi, dois poetas gaúchos, o autor reencontra o pai neste livro, recuperando-o pela poesia. Manejando metáforas espontâneas, por mais inesperadas, Carpinejar esbanja vitalidade poética, não havendo recuo ou hesitação em seu livro de pura vitalidade. 

Valendo-se de tercetos, meio à maneira de Dante, a quem faz referência, mas sem o rigor dos versos medidos a régua, Carpinejar recupera o pai ausente (de sua vida e de sua terra natal) e sua poesia telúrica, tanto pelo tema quanto pelo estilo, colocando-se como uma grande força poética. 

A tensão do livro se constrói sobre a ausência física do pai, com referências à morte, uma morte metafórica, e a necessidade de perdoar esta ausência, de transformá-la em presença. O poeta vai rememorando o pai e o pampa, este espaço carregado de sentido para Carlos Nejar (que fez dele uma experiência de poesia), tecendo a unidade entre os dois. O filho, ao voltar-se para este pampa real e poético (presente também nos livros de Carlos), se depara justamente com o pai, porque ambos são um só. Se o poema se abre com um pedido impossível ("Volta para o pampa, pai"), revelando a saudade e o desejo de desfrutar do convívio físico com Nejar, mesmo sabendo que a "casa dele é distanciar-se", ele, o poema, acaba com uma inversão extremamente reveladora: "Volta ao pai, pampa". É justamente este o sentido de Um terno de pássaros ao sul, poema longo que, fundado no mitopoético universo paterno, devolve o pampa a Carlos Nejar, agora personagem de uma outra saga, onde o velho poeta que recuperou a história de seus antepassados é personagem e não mais sujeito, papel reservado para a nova geração da família. 

Não pense o leitor, no entanto, que este livro é uma nota de rodapé da obra de Nejar. Não, ele encena um drama próprio e numa freqüência de linguagem particular que complementa esta invenção lírica dos pampas, criando um outro Nejar, o personagem visto pela ótica de abandono do filho: 

Quem te conhece pela fama, Não te conhece ainda, apenas a projeção do que inventaste em vida.

Em todos os versos, sentimos que a casa mítica do autor, o Sul, é maior, muito maior do que o resto.

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