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Iacyr Anderson Freitas

iacyrand@yahoo.com.br

Poussin, The Judgment of Solomon

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Noli me tangere

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

Iacyr Anderson Freitas


 

Nota biográfica:


 

IACYR ANDERSON FREITAS nasceu em Patrocínio do Muriaé, Minas Gerais, em 22/09/1963. É autor de, entre outros, Primeiro livro de chuvas (1991) e Lázaro (1995), além do ensaio Heidegger e a origem da obra de arte (1993). Os poemas acima foram retirados de Messe (1995)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

 

 

 

 

 

Iacyr Anderson Freitas


 

Ao princípio


as palavras perderam-se
pelo chão comum
das mitologias, ah
decerto não souberam chegar
                                        ao princípio
ao âmago
ao núcleo da água e do limo
                               (quem as visse
ante o ouvido endurecido,
já perdidas,
rogando clemência ou nacos de pão
                                        ou vinho)


mas nada, nada resta agora
                   das palavras,
sua geometria quebrou-se,
desolada.


pois que não fique pedra sobre pedra,
pois que nada ao tempo frutifique
e além do extremo recinto
reste apenas uma nau,
sozinha,
                    e um dique.


 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, David, detalhe

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Renata Palottini

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Empire of Flora

 

 

 

 

 

Iacyr Anderson Freitas


 

E sobre o deserto


condenação primeira: carregar
os despojos desta tarde, arrastá-la
para fora do tempo
com seus ossos e nuvens,
enterrá-la onde não haja escape.


como os que buscam no alforje
entre serpes
o alimento de seus mortos,
também ofertarei meu corpo
às figurações da chuva e do trópico,
também poderei ungir
as cartilagens nulas de seu nome.


e sobre o deserto
e sobre os despojos de tudo
o que restou da tarde em seu transporte
permanece a mesma busca,
incessante, de uma terra mais
profunda e gasta, cada dia mais distante.


 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Pipelighter

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Aricy Curvello

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

 

 

 

 

Iacyr Anderson Freitas


 

Um caminho urge


quanto não haveria de consumir-se
para a ostentação e o claustro


dias voados no albume
céus voados


e um vento que não quer
deixar os livros


quanto não haveria de consumir-se
para quedar assim
sobre a mesa
                      farto
                      de si
e de toda e qualquer iniqüidade


dias voados céus de alheia estirpe
abancai-vos nestes campos


eis que um caminho urge
sozinho
                        sob o escuro da flora


 

 

 

Aurora, William Bouguereau (French, 1825-1905)

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Beatriz Alcântara

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rubens, Julgamento de Paris

 

 

 

 

Iacyr Anderson Freitas


 

Elegia


o inverno quer ficar contigo
neste jardim,
onde um velho dorme.
ainda não são seis horas
e a nuvem
que outrora te acusava
some no azul, desfeita
por teu brilho
que envelhece,
                           é certo,
sem o alarde
dos ventos mesmos
de outrora.


o que procura estar contigo
não te envolve:
espera, agudo, neste jardim
inaugural
                   entre formigas,
jornais
              e o que resta de setembro.


vives uma infância transitória
e teus cabelos cingem,
na cintura, o esboço
de um adeus
que a tua própria ausência configura.


 

 

 

Rubens_Peter_Paul_Head_and_right_hand_of_a_woman

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Daniel Glaydson

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Iacyr Anderson Freitas


 

Muriliames


1.

entre vazio e triste
o outono cumpre
seus guardins de ofício


de uma terra estranha
fazem-me sinais


há muito luto
contra meu duplo
adormeço os espíritos do ar


passaram ao largo
as naus do descobrimento:
deixaram-me aqui
ancorado e só
neste braço de mar


anterior à própria noção de tempo
ainda não poderei nascer


as formas esperam por meu corpo
minhas horas esperam


mas ainda é possível ouvir
ao longe
o lamento da noite se avolumando



2.

na noite que se estende
para muito além de meu corpo
tento comunicar-me


a luz é pobre
e pouco me socorre
das arcadas que se acendem
entre os livros, mistério
de existir até o último encanto,
onde mesmo o amor é frágil,
e fere.


na noite que se estende
tento comunicar-me
mas há sempre um solilóquio
de formas se precipitando
e a náusea mesma que se evola
dos intestinos abertos
à consumação dos tempos.


                      em verdade
sou culpado pelo amor
daqueles que me antecederam,
             culpado pela iniqüidade
             de meus pais,
                                pela culpa
mesma de meu nascimento
e morte.


vazio até a consumação dos meses
ninguém me estenderá
seus braços para a queda.


              em verdade
estarei sozinho
no amor dos homens


sozinho diante
do caldário endurecido


cavando as florações de treva
as arcadas
as touceiras de treva
                   em seus tambores


na noite que se prolonga
muito além de meu corpo
tento comunicar-me


vazio
ante o solilóquio que se abre
ao desgaste dos tempos



3.

levaram-me pelas mãos
sobre o feno
fizeram-me reconhecer
os oceanos que me modelaram
para o ocaso


agora entendo
o espasmo que rebenta
dos alheios frutos
a ferrugem e o claustro
sob toda a magnitude que amo


há muito esquecido
- na distância que se prolonga
antes
e depois de meu nascimento -
hei de chorar este dia
afastado das idades
que me conjuraram


um outro
ao feno convoca meus cantos
e os distende


com os olhos em fogo
fizeram-me reconhecer
os ventos que me anteciparam


o ocaso com seus sulcos


e a treva
sobre toda a extensão
que amo

 

 

 

Franz Xavier Winterhalter, retrato de Roza Potocka

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Wilson Martins

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Iacyr Anderson Freitas


 

XXII


sempre a noite na escada
sempre o quarto a
luminária
o disco de sempre
essa toada sem graça
esse asco profundo
esse medo de sacrificar-se


esse sempre



XXII


Sempre la notte nella scala
sempre la stanza la
lucerna
il disco di sempre
quella canzone senza grazia
quella nausea profonda
quella paura di sacrificarsi


quel sempre

 

 

 

Um cronômetro para piscinas

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Manoel de Barros

 

 

 

06/01/2006