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Olegário Mariano

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Poesia:


 

Olegário Mariano (1889 - 1958)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

Olegário Mariano


 

Bio - Bibliografia

 

Olegário Mariano Carneiro da Cunha nasceu na cidade de Recife, Pernambuco, a 24 de março de 1889. Faleceu no Rio de Janeiro a 28 de novembro de 1958. Membro da Academia Brasileira de Letras. Publicou: gelus, edição do autor, 1911; Sonetos, edição do autor, 1912; Evangelho da sombra e do silêncio, edição do autor, 1912; Água corrente, Pimenta de Melo & Cia., 1918; Últimas cigarras, ed. Pimenta de Melo & Cia., 1920; Castelos na areia, Pimenta de Melo & Cia., 1922; Cidade maravilhosa, Pimenta de Melo & Cia., 1923; Ba-ta-clan, Benjamin Costellat & Micolis editores, 1924; Canto da minha terra, Pimenta de Melo & Cia., 1930; Destino, Editora Americana, 1931; Teatro, Cia. Editora Nacional, 1932; Vida, caixa de brinquedos, Editora Guanabara; O enamorado da vida, Editora Guanabara, 1937; Da cadeira 21, Editora A Noite, 1938; Quando vem baixando o crepúsculo, Livraria José Olympio, 1945; A vida que já vivi, Portugália, Lisboa, 1945; Cantigas de encurtar caminho, Livraria José Olympio Editora, 1949; Tangará conta histórias, Editora Melhoramentos, 1953; Correio sentimental, Livros de Portugal; Toda uma vida de poesia, 2 volumes, Livraria José Olympio Editora, 1957.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

Olegário Mariano


 

Kremme


Foi um dia de kremesse.
Depois de rezá três prece
Pra que os santo me ajudasse,
Deus quis que nós se encontrasse
Pra que nós dois se queresse,
Pra que nós dois se gostasse.


Inté os sinos dizia
Na matriz da freguezia
Que embora o tempo corresse,
Que embora o tempo passasse,
Que nós sempre se queresse,
Que nós sempre se gostasse.


Um dia, na feira, eu disse
Com a voz cheia de meiguice
Nos teus ouvido, bem doce:
Rosinha si eu te falasse...
Si eu te beijasse na face...
Tu me dás-se um beijo? — Dou-se.


E toda a vez que nos vemo,
A um só tempo perguntemo
Tu a mim, eu a vancê:
Quando é que nós se casemo,
Nós que tanto se queremo,
Pro que esperamos pro quê?


Vancê não falou comigo
E eu com vancê, pro castigo,
Deixei de falá também,
Mas, no decorrê dos dia,
Vancê mais bem me queria
E eu mais te queria bem.


— Cabôco, vancê não presta,
Vancê tem ruga na testa,
Veneno no coração.
— Rosinha, vancê me xinga,
Morde a surucucutinga,
Mas fica o rasto no chão.


E de uma vez, (bem me lembro!)
Resto de safra... Dezembro...
Os carro afundando o chão.
Veio um home da cidade
E ao curuné Zé Trindade
Foi pedi a sua mão.


Peguei no meu cravinote
Dei quatro ou cinco pinote
Burricido como o quê,
Jurgando, antes não jurgasse,
Que tu de mim não gostasse,
Quando eu só amo a vancê.


Esperei outra kremesse
Que o seu vigário viesse
Pra que nós dois se casasse.
Mas Deus não quis que assim sesse
Pro mais que nós se queresse
Pro mais que nós se gostasse.
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

 

 

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Olegário Mariano


 

O enamorado das rosas


Toda manhã, ao sol, cabelo ao vento,
Ouvindo a água da fonte que murmura,
Rego as minhas roseiras com ternura,
Que água lhes dando, dou-lhes força e alento.


Cada um tem um suave movimento
Quando a chamar minha atenção procura
E mal desabrochada na espessura,
Manda-me um gesto de agradecimento.


Se cultivei amores às mancheias,
Culpa não cabe às minhas mãos piedosas
Que eles passassem para mãos alheias.


Hoje, esquecendo ingratidões mesquinhas,
Alimento a ilusão de que essas rosas,
Ao menos essas rosas, sejam minhas.
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

 

 

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Olegário Mariano


 

A velha mangueira


No pátio da senzala que a corrida
Do tempo mau de assombrações povoa,
Uma velha mangueira, comovida,
Deita no chão maldito a sombra boa.

 

Tinir de ferros, música dorida,
Vago maracatu no espaço ecoa...
Ela, presa às raízes, toda a vida,
Seu cativeiro, em flores, abençoa...

 

Rondam na noite espectros infelizes
Que lhe atiram, dos galhos às raízes,
Em blasfêmias de dor, golpes violentos.

 

E, quando os ventos rugem nos espaços,
Os seus galhos se torcem como braços
De escravos vergastados pelos ventos.


Publicado no livro Canto da Minha Terra (1930).
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

 

 

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Olegário Mariano


 

Arco-íris


Choveu tanto esta tarde
Que as árvores estão pingando de contentes.
As crianças pobres, em grande alarde,
Molham os pés nas poças reluzentes.

 

A alegria da luz ainda não veio toda.
Mas há raios de sol brincando nos rosais.
As crianças cantam fazendo roda,
Fazendo roda como os tangarás:

 

"Chuva com sol!
Casa a raposa com o rouxinol."

 

De repente, no céu desfraldado em bandeira,
Quase ao alcance da nossa mão,
O Arco-da-Velha abre na tarde brasileira
A cauda em sete cores, de pavão.


Publicado no livro Canto da Minha Terra (1930).
 

   

 

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Olegário Mariano


 

Castelos na areia


— Que iluminura é aquela, fugidia,
Que o poente à beira-mar beija e incendeia?
— É apenas a criação da fantasia: —
São castelos na areia.

 

Andam, tontas de sol, brincando as crianças
Como abelhas que voaram da colmeia.
Erguem torreões fictícios de esperanças...
São castelos na areia.

 

Ao canto de um jardim adormecido:
"Por que não crês no afeto que me enleia?
E as palavras que eu disse ao teu ouvido?"
— São castelos na areia.

 

E o tempo vai tecendo, da desgraça,
Na roca do destino, a eterna teia.
— "E os beijos que trocamos?" — Tudo passa,
São castelos na areia.

 

Coração! Por que bates com ansiedade?
Que dor é a grande dor que te golpeia?
Ouve as palavras da Fatalidade:
Ventura, Amor, Sonho, Felicidade,
São castelos na areia.


Publicado no livro Castelos na Areia: poemas (1923).
 

   

 

Tiziano, Mulher ao espelho

 

 

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Olegário Mariano


 

Cigarra


Figurinha de outono!
Teu vulto é leve, é sensitivo,
Um misto de andorinha e bogari.
Num triste acento de abandono,
A tua voz lembra o motivo
De uma canção que um dia ouvi.

 

Quando te expões ao sol, o sol te impele
Para o rumor, para o bulício e tu, sorrindo,
Vibras como uma corda de guitarra...
É que o sol, quando queima a tua pele,
Dá-te o grande desejo boêmio e lindo
De ser flor, de ser pássaro ou cigarra

 

Cigarra cor de mel. Extraordinária!
Cigarra! Quem me dera
Que eu fosse um velho cedro adusto e bronco,
E tu, nessa alegria tumultuária,
Viesses pousar sobre o meu tronco
Ainda tonta do sol da primavera.

 

Terias glórias vegetais sendo vivente.
Mas um dia de lívidos palores,
Tu, cigarra, que vieste não sei donde,

 

Morrerias de fome lentamente
No teu leito de liquens e de flores
No aconchego sutil da minha fronde.

 

E eu, na dor de perder-te, no abandono,
Sem ter roubado dessa mocidade,
Do teu corpo de flor um perfume sequer,
Morreria de tédio e de saudade...
Figurinha de Outono!
Cigarra que o destino fez mulher!


Publicado no livro Evangelho da Sombra e do Silêncio: versos (1911/1912).
 

   

 

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De papo pro á


I

 

Não quero outra vida
Pescando no rio
De jereré
Tenho peixe bom...
Tem siri-patola
De dá com o pé

 

Quando no terreiro
Faz noite de luá
E vem a saudade
Me atormentá
Eu me vingo dela
Tocando viola
De papo pro á

 

 

II

 

Se compro na feira
Feijão rapadura
Pra que trabaiá
Eu gosto do rancho
O home não deve
Se amofiná
Estribilho


In: MASCARENHAS, Mário. O melhor da música popular brasileira. São Paulo: Irmãos Vitale, 1982. v.4, p.146-147
 

   

 

Tiziano, Mulher ao espelho

 

 

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Olegário Mariano


 

 Fulaninha


Foxtrotando pela rua
Vai Fulaninha, seminua,
Tem movimentos de onda do mar.
O corpo moço, a pele fresca,
Futurista, bataclanesca,
Chi! Eu gosto! Nem é bom falar...

 

Pisa a calçada, toc... toc...
No seu encalço vão a reboque
Peralvilhos, gênios do mal.
E ela nem liga... Continua
Foxtrotando pela rua...
Gentes, Que coisa mais fatal!

 

Figurino de dia cálido!
O seu semblante moreno-pálido
A mão de um gênio foi que compôs.
Como se chama? Vera? Estefânia?
Meu Luluzinho da Pomerânia,
Meu Luluzinho número 2!

 

Aonde vais, lindo vagalume?
— Vou ao Bazin comprar perfume...
Guerlain, Houbigant, Coty?
Todo o perfume é o mesmo, ardente,
E alucinante, e estuante, e quente,
Quando o perfume vem de ti.

 

— Meu bizarro João da Avenida!
Já ficou bom daquela ferida
Que lhe abriram no coração?
— Há muito tempo estou curado.
Por que falar-me do Passado?
E ela pôs os olhos no chão.

 

E dizer que tu foste... Perdoa...
— Pr'a que dizer? A lembrança é boa
— Lembrar é falta de educação.
— Mas a saudade purifica...
O sofrimento é o único bem que fica
Para a volúpia do perdão!


In: MARIANO, Olegário. Ba-Ta-Clan. Figurinhas de J. Carlos. Rio de Janeiro: B. Costallat & Micolis, 1924.
 

   

 

Tiziano, Mulher ao espelho

 

 

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Olegário Mariano


 

 O Flirt


Retirei um breve instante
Das minhas cogitações,
Para falar-vos do Flirt,
A epidemia elegante
Dos salões.

 

Nasce de um sorriso mudo,
De um quase nada que, enfim
Vale tudo
Para elas e para mim.

 

O Flirt. Haverá no mundo
Quem não sinta essa embriaguez
De um momento, de um segundo,
De quinze dias, de um mês?

 

Ele é efêmero e fortuito,
Vale pouco ou vale muito,
Conforme o Diabo o compôs.
É um simples curto-circuito
Entre dois.

 

Uma carícia inflamável
Doidinha por incendiar,
Um micróbio insuportável
Que vai de olhar para olhar.

 

Ou antes: um precipício
Que a gente olha sem pavor.
O divino instante, o início
Do êxtase imenso do amor.

 

Um galanteio, uma frase
Intencional
Que sendo frívola, é quase
Um madrigal.

 

A mão que outra mão afaga,
O pé que pisa outro pé.
Carícia lânguida e vaga...
Só quem ama e quem divaga
Pode saber o que isto é.

 

A orquestra soluça um tango:
Dois. Ela folle, ele fou.
Flor de Tango. — A flor de Tango,
Diz ele baixinho, és tu.

 

E assim vai num tal crescendo,
Que ela se debate em vão.
Parece que está morrendo
Nos braços do cidadão.

 

Quando passa o áureo momento,
Vem a tragédia em três atos.
Três atos
Com um epílogo. Depois,
Um noivado, um casamento,
Um bruto arrependimento
E ao fim divórcio entre os dois.


In: MARIANO, Olegário. Ba-Ta-Clan. Figurinhas de J. Carlos. Rio de Janeiro: B. Costallat & Micolis, 1924.
 

   

 

Tiziano, Mulher ao espelho

 

 

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