Rodrigo Santina
A última que
morre
31/10/2006
É numa noite
escura e taciturna,
Que faz-me
lembrar a da peste etérea,
Que escuto a voz
rouquíssima e funérea
Da Esp’ranca vir
da mitológica urna.
O ocaso
simbolista em mim se ajeita.
E, como se
Napoleão tomasse
A coroa e a si se
consagrasse,
Meu coração me
esconde a mão direita.
Mas eu vejo os
Hebreus c’um novo Deus,
E lembro Epimeteu
apaixonado
Soltando as
Doenças e deixando-A só,
E então percebo
que Ela é os sonhos meus
Nas mãos de um
povo cego e condenado.
Cuidei ser Moïses,
fui Faraó.
Cronos me
disse que era verdade...
25/11/2006
Retorna o
esquecimento à minha mente...
E minha
curiosidade fica
A uma lembrança
insone porém rica
Presa, como é
perpetuo o amor na gente.
A duvida que
tenho é tão latente
Em mim que cada
coisa que é-me explicita,
É-me mentira, e
esta, quando dita,
Me deixa
confortável, geralmente.
Mas, como os nove
meses de uma grávida,
No fim de meu
caminho espera, imóvel,
Uma comprida
passarela, a qual
Pôde encorajar
meu esp’rito pávido.
Contudo, me
parece ser tão óbvio
Que seja o
esquecimento algo normal...
Tormenta
18/01/2007
Das pétalas
caídas que é minh’alma
Emerge, estranha
e conhecidamente,
Um homem
colossal, profundamente
Ensimesmado,
aparentando calma...
Mas súbito ele
rompe a mesma e sem
Tibiar insurge
respondendo ao trauma:
Berra, e no
berrar fragorosamente
Esquece a Ideal
vivencia branca e alva...
“Ó Tétis
fabulosa! Ó Tétis pura!
Dama deste oceano
que é meu peito!
Praguejo para
sempre a Formosura
Que fez Peleu
ganhar o teu respeito!
Se não te basta o
meu amor, a jura
Deste ódio meu te
bastará no leito!”.
Vísceras
08/02/2007
meu sonho: “estou
no Egito a contemplar
As pirâmides, tão
monumentais,
Quando
assaltam-me a mim, assim sem mais,
E para o interior
vão-me a levar.
Lá, trabalhando
para embalsamar-
Me, retiram-me as
Vísceras, e as tais
Colocam numa
urna, e enfim depois,
Em uma barca
mágica pro Mar.
Aqui, vários
demônios, vários monstros,
Que esperavam meu
embalsamamento,
Como a ração de
um cão que está por vir,
Insistem,
vampiríssimos, nos pontos
Da urna (se um
existe), assim querendo
O seu poder”. E é
toda noite assim
O Senhor das
Moscas
08/02/2007
São as moscas do
meu passado obscuro
Que adejam no meu
quarto, sobre a cama
Onde
desajeitadamente durmo.
Visitam-me uma
vez só por semana,
Zumbindo, me
mordendo, honrando a fama,
Fazendo de meu
corpo o seu monturo,
Zumbindo, me
mordendo, sobre a cama,
Como se
reclamassem seu futuro.
Mas esta noite,
inda zumbindo, etc.,
Sobre o meu corpo
ainda revoando,
Como procura
carne um urubu,
Saiu do turbilhão
uma delas, e ela
Inteligivelmente
foi zumbando:
“És o Novo
Regente, ó Belzebu”.
Existência
09/02/2007
Horas de espera
na fila do banco.
Horas de
estresse, cansaço, calor.
A moca do caixa
explica ao senhor
A causa, o porquê
de o atraso ser tanto.
No fundo da fila
há dois que conversam.
No fundo da fila
há duas também.
Observa o
segurança o que elas têm
Enquanto um dos
gerentes tergiversa.
No meio alguém
resmunga bem baixinho.
Um outro ali da
corda a seu resmungo.
Discutem eles o
valor do mundo,
E o mundo é a
ligação de seu Vazio.
Olhando-os,
lembro quando eu encontrei
Flor Linda, em
uma tarde ensolarada,
Vestida toda
azul, descendo a escada
Da livraria que
eu ao Caso achei.
Logo ficou meu
peito acelerado,
Como um cãozinho
quando chega o dono.
Me achando um D.
Dinis, no peito pondo
A mão, cuidei
’star vendo ali meu fado.
Olhando-os,
Afrodite bela vejo,
Com Marte, com
Adônis, com Vulcano,
E sinto a
sensação de ser humano,
Em si lendo o
Baquete, o Fédon, o Fedro.
O hipopótamo
cinza
I.
Só quero te
dizer, leitor amigo,
Que um dia como
tu eu me encontrei.
Não te ofendas
coos versos que versei,
São apenas os
versos do Rodrigo.
A branda forma e
o gesto que consigo
Não são novos
cadáveres da lei,
São as formas e
os gestos que marquei
A calcada
eminente do perigo.
Um dia, quando a
Obscuridade e a Treva,
Quando o Vazio e
o Despojamento,
Quando a Secura e
a Aridez me olharam,
A minha
inteligência de minerva,
A minha sensação
de esquecimento,
Os meus loucos
afetos se calaram...
II.
Como eu andasse
por ua rua larga,
Onde o zunzum da
gente me irritasse,
E como fosse
noite e demorasse
Para o zunzum
findar, ua negra e magra
Ovelha ofereci à
Noite, em paga
De ter ua solução
que me acalmasse.
De repente,
moveu, como num passe,
O zunzunzum da
gente da rua larga.
Como Polux por
Castor é trocado,
Surgiu-me um
hipopótamo cinzento;
E eu, com meus
lábios débeis, estagnado.
Seu olho esquerdo
(azul) e o seu direito
(Vermelho), por
frações de olhar, atentos,
Faziam do meu
corpo o seu conceito...
III.
“Quem és?”, lhe
perguntei. “O que desejas?
Por que estás a
me olhar como se eu fosse
Um belo, grande e
suculento doce?
Por que num olho
a cor n’outro sobeja?
“Que tolo
coração, que almeja ouvir-te.
Tens natural a
condição errante;
Tua voz é como um
sino bem distante.
Stou vendo o que
não vejo... E vejo... És triste...?”.
“Eu sou da
Obscuridade a Perspicácia;
Sou do
Despojamento a grã Memória;
Sou da Secura o
Afeto mais sensível.
“Eu sou tua
condição inflexível;
Sou do veneno teu
a pertinácia,
Que impede tua
ascensão para a alta Glória.
IV.
“Eu levo nos
olhos a cruz de Cristo.
Por eles corre o
fogo sempiterno
E as gotas
inocentes com que Cristo
Salvara
(batizado) João do Inferno”.
Aquilo que esta
boca inda não sabe,
Aquele desespero
que desata
Do peito ai
calado que lhe cabe,
Me foi a minha
culpa própria e inata...
Aquilo o
hipopótamo dissera.
Só não dissera o
que a dentama, erguida,
Mordendo-me, mais
pôde em mim que o tino...
Foi quando a
Noite se cansou da espera,
E vendo como maçã
mordida
Poisou nele um
mumificado ovino...
V.
Olhei-me. Vi,
distante, a devorar
Um touro, um
leão. Tinha a lhe cair
Na juba neve, e
fogo a lhe queimar
A cauda. Porém
disso pus-me a rir...
Enquanto eu
segurava o meu olhar,
Cuidei ver o leão
vir até mim...
Olhava-me, e nos
olhos vi chegar
A imagem própria
deste ser aqui...
A Noite do
hipopótamo arrancava
Os olhos... Me
voltei. Ela os jogou
Ao pé de mim.
Ergueu-se uma cortina...
Em fogo essa
cortina flamejava...
Atravessei-a: o
mundo se alterou:
Gozava eu por
Adão à cruz divina.
Ópera-balé
Sonhei que estava
acordado
E que ia ao
banheiro
E que abria a
torneira
E que me demorava
demoradamente pela pele
Meu olhar se
fixou o espelho.
E meus olhos não
estavam se vendo
De repente, uma
sanha me veio pelo sangue e jogou-se pelos olhos
Enlouqueci.
A torneira aberta
Qual marionete
sem-fio me estirei no chão
Cálido e gélido
Da cruz que o
pirata fez pro seu tesouro
Meu olhar se
fixou o espelho.
A torneira aberta
...achei estranha
aquela imagem tão familiar
Era uma imagem
que era outra consciência minha
Era outra imagem
que era minha
Era outra imagem
que costumava ver e estava vendo pela primeira vez
A torneira aberta
Uma imagem branca
(um espelho que tinha alma)
De traços
Baudelairianos e com lábios rubicundos palpitando sexo dos mortos
Que desataram-se
das raízes sepulcrais do Mistério e
Soergueram-se
para beijar a boca da Bela Adormecida.
A torneira aberta
...e me da uma
agonia — não em mim mas no poeta que sou a escrever este poema
Fechei a
torneira.
(E aquela imagem
me olhava com olhos de vampiro que não existia e por isso olhava)
...e vi meu rosto
no espelho
e tornei pro meu
quarto.
Abri a janela e
Fernando Pessoa
entrou pela porta sem seus óculos e em ofereceu ópio
— Não preciso do ópio pra escrever.
— Não escrevo por causa do ópio, o ópio é que escreve por
causa de mim.
Olhei à janela e
vi muitas camas na rua desarrumadas,
Como se fossem
poemas inacabados...
Ode floral
05/09/2006
Estrofe
Vamos, Amor, vamos olhar as flores
Do Campo do Universo,
Vamos vê-las ao Céu se abrirem, como
Um padre os braços ergue, em sua igreja,
Ao Supremo Senhor do Cristianismo.
Vamos, amor, ao Campo
Vê-las n'Água e na Terra florescerem,
Qual floresceu Jesus à Nova Vida.
Antístrofe
Vamos, amor, vamos pegá-las, delas
Extrair o Alimento,
O Orvalho, a Chuva, e, como se Platão
Nos guiasse, passar pelos Portões
De Pedro, e ainda o Lete atravessar,
E ter a Mão de Aquino
Em nossa face, e ver-nos batizados
Pelas Virtudes de Santo Agostinho.
Épode
E, carregando um Candelabro de ouro,
A memória de Adão
Glorificar, assim,
Na Fé, na Caridade, na Esperança.
Vamos, amor, ao Campo,
Vamos, que as flores se abrem.
Vamos, ó dino amor, vamos: é Hora!
Rato penitente
À doce Fabiana
Eu lembro-me do
dia em que meus dentes,
De tanto se
premirem, apartaram-se,
E ao mundo onde
nasceram lamentaram-se
Do pranto que
bebias, tristemente...
Eu lembro-me de
olhar-te penitente...
Meus lábios do
teu pranto alimentaram-se...
Sedentos, gota a
gota, não cansaram-se
De te enxugar o
rosto, calmamente...
Agora, um sujo
rato rói-me o peito,
Como se me
rascasse uma madeira
Com dois malditos
dentes afiados!
Eu te amo como
nem Camões sujeito
À Dinamene fora,
pois não dera
Apoio ela aOs
Lusíadas, marcados!
Como uma
oração
À doce Fabiana
Só a visão de um enorme Cais
Carrego em mim — e não a Vida
Que o sopro de Boreas tem —
E ainda o aceno da Partida...
Comigo levo uma estranha morte,
E dentro desta a minha sorte,
A tal que olhei na Saída...
Meus pais, Flor Linda e meus amigos
Ainda não gemera’, ainda...
Pois eles não me lera’ os versos
(Estes) cuja canção é linda.
Meu peito, de pensar, se altera,
Pois o Destino à porta espera...
Mas o pior será Flor Linda.
Quando ela isso souber de mim, —
E saberá, podes contar —
Suas lágrimas terão espinhos
Que sangrar-lhe-ão, em derramar-
Se, a face; e quando ela, Flor Linda,
Voltar um dedo nelas, inda
Sangue em seu rosto escorrerá.
No peito sentirá de um rato
Os dentes penetrados fundos;
De dor os joelhos dobrará,
E fungará o olor do mundo.
Depois, procurará por água,
Mas sentirá no gozo a mágoa,
A mágoa de um sabor jucundo.
Aumentará o pescoço quando
A cabeça deitar pra trás,
E soltará da boca um riso
Querendo lamentar-se em ais.
Enterrará na boca a voz;
E dos dedos gastando os nós,
Não mais irá viver em paz.
Em casa irá trancar-se ao quarto,
Fiar dentro do peito o nó
Que as Parcas desenrolarão,
Soltá-lo quando vir-me, e só
Jogá-lo a mim, Teseu, e ir co’ele
A fim de que lhe caia a pele
E vire, como as cinzas, pó.
Ó triste Blanchefleur! Ó triste
Rainha! Rivalen não torna!
O beijo que me dais não deis-me!
Não quero que deixeis a forma!
Escuta de Rohalt a voz,
Que quando ele comigo, a sós,
Fugiremos de Morgan à norma!
Eu sei; mas nisso não creiais:
O peito, quando em caso assim,
Da parte racional se apossa,
Esquece Diotima a fim
De que se lhe recorde a fala
Daquele que até hoje abala,
Co’As Rãs, a gente e mesmo a mim!
Ó minha bela déia, não
Cuideis tal caso, que inda vejo
Efialtes e Otos castigados!
Lembrai daquele nosso beijo,
Daquela sensação de amor
Que não pôde conter sua flor,
Nem mesmo me conter o pejo!
Lembrai com mais fervor do tempo
Em que eu vos condenava a mão
Em minha cabeleira e ria,
Que andava nela o coração!...
Não sojugueis-vos vós à Idade,
Pois inda tendes a saudade
Dos versos que vos faço então!...
Ó bela Tisbe! Ó Julieta!
Quão forte fora a boca e o lenço!
Quão fraco o seu arrazoamento!
Na Cruz ainda está suspenso
Aquele amor inexplicável,
Aquela dor insaciável
Que teve a vós valor imenso!
Tirai, ó vós! da Cruz tal dor,
Tal modo de ressentimento!
Cuidai coisa melhor, que assim
Só dilatais vosso tormento!
Ó filha de Cisseu do ventre
Inesgotável! para a gente
Eterno é o vosso sofrimento!
O povo entende a vossa dor!
Sofrestes como mais ninguém
Ousara (apenas vós!) sofrer!
Matar Polímestor, porém,
No que ajudar-vos-á, se a cena
Da praia vede’ e Polissena
O túmulo de Aquiles tem?!
Ó doce e fervorosa Dido!
Pro avaro irmão dissimulada,
De Byrsa fundadora e dona
Do sítio onde fixou morada!
Sois vós mulher fiel e bela,
De todas a melhor estrela,
Por isso é que vos chamo “amada”!
Não quero ir ao vosso enterro!
Scutai, ó bela dama, ouvi
O verso que vos canto agora,
Porque o não vou vos repetir!
Olhai que Jarbas não merece
Tal medo, pois o medo cresce
E não termina com o fim!
Ó minha Flor! querida,
Amiga de sortidos jeitos!
A voz que agora exponho aqui
Está surtindo algum efeito?!
Cuidai minhas palavras, vede
Que a fome vos não mata a sede!
E nisso não ponho defeito.
Ó Carolina de Novais!
Ó Joana D’arc! Ó Beatriz!
Sois todas as mulheres juntas,
E juntas não vos são senis!
Que honra vos declamar num verso
Onde tudo se encontra impresso,
Carinho, Força, Prece e Afins!
Vibrião
Porque na ansiedade e no desejo
Não pôde segurar da amada a veste,
Orfeu cantou sozinho aquele beijo
Que só pôde lhe dar aquela Peste.
Assim também cantei por longo tempo
A mágoa destes versos que ora faço;
E tudo sem ganhar acolhimento,
Sem ter de pais e amigos forte abraço.
Porque nos vem o dia em que Jesus
Da Cruz desprega os pés e suas mãos,
Carrega-nos aos beijos à sua cruz
E os pregos nos concede à Salvação.
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