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Rodrigo Santina

Escreva para o poeta

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904) - Phryne before the Areopagus

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

Rodrigo Della Santina nasceu em São Paulo no dia 22 de agosto de 1981. É formando em Letras pela Universidade Metropolitana de São Paulo.

Em 1998, cursou teatro em Guarulhos. Interpretações pecas de Maria Clara Machado, como “Pluft, o fantasminha” e “A bruxinha que era boa”, além de outras peças adultas.

Em 2005, publicou, por conta própria, alguns de seus poemas, reunidos sob o titulo de “Intertrigem”.

Atualmente [2007] dedica-se a escrever crônicas e poemas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Andréa Santos

 

Regina Sandra Baldessin

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rodrigo Santina


 

A última que morre

31/10/2006

 

É numa noite escura e taciturna,

Que faz-me lembrar a da peste etérea,

Que escuto a voz rouquíssima e funérea

Da Esp’ranca vir da mitológica urna.

 

O ocaso simbolista em mim se ajeita.

E, como se Napoleão tomasse

A coroa e a si se consagrasse,

Meu coração me esconde a mão direita.

 

Mas eu vejo os Hebreus c’um novo Deus,

E lembro Epimeteu apaixonado

Soltando as Doenças e deixando-A só,

 

E então percebo que Ela é os sonhos meus

Nas mãos de um povo cego e condenado.

Cuidei ser Moïses, fui Faraó.


 

 

Cronos me disse que era verdade...

25/11/2006

 

Retorna o esquecimento à minha mente...

E minha curiosidade fica

A uma lembrança insone porém rica

Presa, como é perpetuo o amor na gente.

 

A duvida que tenho é tão latente

Em mim que cada coisa que é-me explicita,

É-me mentira, e esta, quando dita,

Me deixa confortável, geralmente.

 

Mas, como os nove meses de uma grávida,

No fim de meu caminho espera, imóvel,

Uma comprida passarela, a qual

 

Pôde encorajar meu esp’rito pávido.

Contudo, me parece ser tão óbvio

Que seja o esquecimento algo normal...


 

 

 

Tormenta

18/01/2007

 

Das pétalas caídas que é minh’alma

Emerge, estranha e conhecidamente,

Um homem colossal, profundamente

Ensimesmado, aparentando calma...

 

Mas súbito ele rompe a mesma e sem

Tibiar insurge respondendo ao trauma:

Berra, e no berrar fragorosamente

Esquece a Ideal vivencia branca e alva...

 

“Ó Tétis fabulosa! Ó Tétis pura!

Dama deste oceano que é meu peito!

Praguejo para sempre a Formosura

 

Que fez Peleu ganhar o teu respeito!

Se não te basta o meu amor, a jura

Deste ódio meu te bastará no leito!”.


 

 

 

Vísceras

08/02/2007

 

meu sonho: “estou no Egito a contemplar

As pirâmides, tão monumentais,

Quando assaltam-me a mim, assim sem mais,

E para o interior vão-me a levar.

 

Lá, trabalhando para embalsamar-

Me, retiram-me as Vísceras, e as tais

Colocam numa urna, e enfim depois,

Em uma barca mágica pro Mar.

 

Aqui, vários demônios, vários monstros,

Que esperavam meu embalsamamento,

Como a ração de um cão que está por vir,

 

Insistem, vampiríssimos, nos pontos

Da urna (se um existe), assim querendo

O seu poder”. E é toda noite assim


 

 

 

O Senhor das Moscas

08/02/2007

 

São as moscas do meu passado obscuro

Que adejam no meu quarto, sobre a cama

Onde desajeitadamente durmo.

Visitam-me uma vez só por semana,

 

Zumbindo, me mordendo, honrando a fama,

Fazendo de meu corpo o seu monturo,

Zumbindo, me mordendo, sobre a cama,

Como se reclamassem seu futuro.

 

Mas esta noite, inda zumbindo, etc.,

Sobre o meu corpo ainda revoando,

Como procura carne um urubu,

 

Saiu do turbilhão uma delas, e ela

Inteligivelmente foi zumbando:

“És o Novo Regente, ó Belzebu”.


 

 

 

Existência

09/02/2007

 

Horas de espera na fila do banco.

Horas de estresse, cansaço, calor.

A moca do caixa explica ao senhor

A causa, o porquê de o atraso ser tanto.

 

No fundo da fila há dois que conversam.

No fundo da fila há duas também.

Observa o segurança o que elas têm

Enquanto um dos gerentes tergiversa.

 

No meio alguém resmunga bem baixinho.

Um outro ali da corda a seu resmungo.

Discutem eles o valor do mundo,

E o mundo é a ligação de seu Vazio.

 

Olhando-os, lembro quando eu encontrei

Flor Linda, em uma tarde ensolarada,

Vestida toda azul, descendo a escada

Da livraria que eu ao Caso achei.

 

Logo ficou meu peito acelerado,

Como um cãozinho quando chega o dono.

Me achando um D. Dinis, no peito pondo

A mão, cuidei ’star vendo ali meu fado.

 

Olhando-os, Afrodite bela vejo,

Com Marte, com Adônis, com Vulcano,

E sinto a sensação de ser humano,

Em si lendo o Baquete, o Fédon, o Fedro.


 

 

 

O hipopótamo cinza

 

I.

Só quero te dizer, leitor amigo,

Que um dia como tu eu me encontrei.

Não te ofendas coos versos que versei,

São apenas os versos do Rodrigo.

 

A branda forma e o gesto que consigo

Não são novos cadáveres da lei,

São as formas e os gestos que marquei

A calcada eminente do perigo.

 

Um dia, quando a Obscuridade e a Treva,

Quando o Vazio e o Despojamento,

Quando a Secura e a Aridez me olharam,

 

A minha inteligência de minerva,

A minha sensação de esquecimento,

Os meus loucos afetos se calaram...

 

II.

Como eu andasse por ua rua larga,

Onde o zunzum da gente me irritasse,

E como fosse noite e demorasse

Para o zunzum findar, ua negra e magra

 

Ovelha ofereci à Noite, em paga

De ter ua solução que me acalmasse.

De repente, moveu, como num passe,

O zunzunzum da gente da rua larga.

 

Como Polux por Castor é trocado,

Surgiu-me um hipopótamo cinzento;

E eu, com meus lábios débeis, estagnado.

 

Seu olho esquerdo (azul) e o seu direito

(Vermelho), por frações de olhar, atentos,

Faziam do meu corpo o seu conceito...

 

III.

“Quem és?”, lhe perguntei. “O que desejas?

Por que estás a me olhar como se eu fosse

Um belo, grande e suculento doce?

Por que num olho a cor n’outro sobeja?

 

“Que tolo coração, que almeja ouvir-te.

Tens natural a condição errante;

Tua voz é como um sino bem distante.

Stou vendo o que não vejo... E vejo... És triste...?”.

 

“Eu sou da Obscuridade a Perspicácia;

Sou do Despojamento a grã Memória;

Sou da Secura o Afeto mais sensível.

 

“Eu sou tua condição inflexível;

Sou do veneno teu a pertinácia,

Que impede tua ascensão para a alta Glória.

 

IV.

“Eu levo nos olhos a cruz de Cristo.

Por eles corre o fogo sempiterno

E as gotas inocentes com que Cristo

Salvara (batizado) João do Inferno”.

 

Aquilo que esta boca inda não sabe,

Aquele desespero que desata

Do peito ai calado que lhe cabe,

Me foi a minha culpa própria e inata...

 

Aquilo o hipopótamo dissera.

Só não dissera o que a dentama, erguida,

Mordendo-me, mais pôde em mim que o tino...

 

Foi quando a Noite se cansou da espera,

E vendo como maçã mordida

Poisou nele um mumificado ovino...

 

V.

Olhei-me. Vi, distante, a devorar

Um touro, um leão. Tinha a lhe cair

Na juba neve, e fogo a lhe queimar

A cauda. Porém disso pus-me a rir...

 

Enquanto eu segurava o meu olhar,

Cuidei ver o leão vir até mim...

Olhava-me, e nos olhos vi chegar

A imagem própria deste ser aqui...

 

A Noite do hipopótamo arrancava

Os olhos... Me voltei. Ela os jogou

Ao pé de mim. Ergueu-se uma cortina...

 

Em fogo essa cortina flamejava...

Atravessei-a: o mundo se alterou:

Gozava eu por Adão à cruz divina.


 

 

 

Ópera-balé

 

Sonhei que estava acordado

E que ia ao banheiro

E que abria a torneira

E que me demorava demoradamente pela pele

Meu olhar se fixou o espelho.

E meus olhos não estavam se vendo

De repente, uma sanha me veio pelo sangue e jogou-se pelos olhos

Enlouqueci.

A torneira aberta

Qual marionete sem-fio me estirei no chão

Cálido e gélido

Da cruz que o pirata fez pro seu tesouro

Meu olhar se fixou o espelho.

A torneira aberta

...achei estranha aquela imagem tão familiar

Era uma imagem que era outra consciência minha

Era outra imagem que era minha

Era outra imagem que costumava ver e estava vendo pela primeira vez

A torneira aberta

Uma imagem branca (um espelho que tinha alma)

De traços Baudelairianos e com lábios rubicundos palpitando sexo dos mortos

Que desataram-se das raízes sepulcrais do Mistério e

Soergueram-se para beijar a boca da Bela Adormecida.

A torneira aberta

...e me da uma agonia — não em mim mas no poeta que sou a escrever este poema

Fechei a torneira.

(E aquela imagem me olhava com olhos de vampiro que não existia e por isso olhava)

...e vi meu rosto no espelho

e tornei pro meu quarto.

Abri a janela e

Fernando Pessoa entrou pela porta sem seus óculos e em ofereceu ópio

— Não preciso do ópio pra escrever.

— Não escrevo por causa do ópio, o ópio é que escreve por causa de mim.

Olhei à janela e vi muitas camas na rua desarrumadas,

Como se fossem poemas inacabados...


 

 

 

Ode floral

05/09/2006

 

Estrofe

Vamos, Amor, vamos olhar as flores
Do Campo do Universo,
Vamos vê-las ao Céu se abrirem, como
Um padre os braços ergue, em sua igreja,
Ao Supremo Senhor do Cristianismo.
Vamos, amor, ao Campo
Vê-las n'Água e na Terra florescerem,
Qual floresceu Jesus à Nova Vida.

Antístrofe

Vamos, amor, vamos pegá-las, delas
Extrair o Alimento,
O Orvalho, a Chuva, e, como se Platão
Nos guiasse, passar pelos Portões
De Pedro, e ainda o Lete atravessar,
E ter a Mão de Aquino
Em nossa face, e ver-nos batizados
Pelas Virtudes de Santo Agostinho.

Épode

E, carregando um Candelabro de ouro,
A memória de Adão
Glorificar, assim,
Na Fé, na Caridade, na Esperança.
Vamos, amor, ao Campo,
Vamos, que as flores se abrem.
Vamos, ó dino amor, vamos: é Hora!


 

 

 

Rato penitente

À doce Fabiana

 

Eu lembro-me do dia em que meus dentes,

De tanto se premirem, apartaram-se,

E ao mundo onde nasceram lamentaram-se

Do pranto que bebias, tristemente...

 

Eu lembro-me de olhar-te penitente...

Meus lábios do teu pranto alimentaram-se...

Sedentos, gota a gota, não cansaram-se

De te enxugar o rosto, calmamente...

 

Agora, um sujo rato rói-me o peito,

Como se me rascasse uma madeira

Com dois malditos dentes afiados!

 

Eu te amo como nem Camões sujeito

À Dinamene fora, pois não dera

Apoio ela aOs Lusíadas, marcados!


 

 

 

Como uma oração

À doce Fabiana

 

Só a visão de um enorme Cais

Carrego em mim — e não a Vida

Que o sopro de Boreas tem —

E ainda o aceno da Partida...

Comigo levo uma estranha morte,

E dentro desta a minha sorte,

A tal que olhei na Saída...

 

Meus pais, Flor Linda e meus amigos

Ainda não gemera’, ainda...

Pois eles não me lera’ os versos

(Estes) cuja canção é linda.

Meu peito, de pensar, se altera,

Pois o Destino à porta espera...

Mas o pior será Flor Linda.

 

Quando ela isso souber de mim, —

E saberá, podes contar —

Suas lágrimas terão espinhos

Que sangrar-lhe-ão, em derramar-

Se, a face; e quando ela, Flor Linda,

Voltar um dedo nelas, inda

Sangue em seu rosto escorrerá.

 

No peito sentirá de um rato

Os dentes penetrados fundos;

De dor os joelhos dobrará,

E fungará o olor do mundo.

Depois, procurará por água,

Mas sentirá no gozo a mágoa,

A mágoa de um sabor jucundo.

 

Aumentará o pescoço quando

A cabeça deitar pra trás,

E soltará da boca um riso

Querendo lamentar-se em ais.

Enterrará na boca a voz;

E dos dedos gastando os nós,

Não mais irá viver em paz.

 

Em casa irá trancar-se ao quarto,

Fiar dentro do peito o nó

Que as Parcas desenrolarão,

Soltá-lo quando vir-me, e só

Jogá-lo a mim, Teseu, e ir co’ele

A fim de que lhe caia a pele

E vire, como as cinzas, pó.

 

Ó triste Blanchefleur! Ó triste

Rainha! Rivalen não torna!

O beijo que me dais não deis-me!

Não quero que deixeis a forma!

Escuta de Rohalt a voz,

Que quando ele comigo, a sós,

Fugiremos de Morgan à norma!

 

Eu sei; mas nisso não creiais:

O peito, quando em caso assim,

Da parte racional se apossa,

Esquece Diotima a fim

De que se lhe recorde a fala

Daquele que até hoje abala,

Co’As Rãs, a gente e mesmo a mim!

 

Ó minha bela déia, não

Cuideis tal caso, que inda vejo

Efialtes e Otos castigados!

Lembrai daquele nosso beijo,

Daquela sensação de amor

Que não pôde conter sua flor,

Nem mesmo me conter o pejo!

 

Lembrai com mais fervor do tempo

Em que eu vos condenava a mão

Em minha cabeleira e ria,

Que andava nela o coração!...

Não sojugueis-vos vós à Idade,

Pois inda tendes a saudade

Dos versos que vos faço então!...

 

Ó bela Tisbe! Ó Julieta!

Quão forte fora a boca e o lenço!

Quão fraco o seu arrazoamento!

Na Cruz ainda está suspenso

Aquele amor inexplicável,

Aquela dor insaciável

Que teve a vós valor imenso!

 

Tirai, ó vós! da Cruz tal dor,

Tal modo de ressentimento!

Cuidai coisa melhor, que assim

Só dilatais vosso tormento!

Ó filha de Cisseu do ventre

Inesgotável! para a gente

Eterno é o vosso sofrimento!

 

O povo entende a vossa dor!

Sofrestes como mais ninguém

Ousara (apenas vós!) sofrer!

Matar Polímestor, porém,

No que ajudar-vos-á, se a cena

Da praia vede’ e Polissena

O túmulo de Aquiles tem?!

 

Ó doce e fervorosa Dido!

Pro avaro irmão dissimulada,

De Byrsa fundadora e dona

Do sítio onde fixou morada!

Sois vós mulher fiel e bela,

De todas a melhor estrela,

Por isso é que vos chamo “amada”!

 

Não quero ir ao vosso enterro!

Scutai, ó bela dama, ouvi

O verso que vos canto agora,

Porque o não vou vos repetir!

Olhai que Jarbas não merece

Tal medo, pois o medo cresce

E não termina com o fim!

 

Ó minha Flor! querida,

Amiga de sortidos jeitos!

A voz que agora exponho aqui

Está surtindo algum efeito?!

Cuidai minhas palavras, vede

Que a fome vos não mata a sede!

E nisso não ponho defeito.

 

Ó Carolina de Novais!

Ó Joana D’arc! Ó Beatriz!

Sois todas as mulheres juntas,

E juntas não vos são senis!

Que honra vos declamar num verso

Onde tudo se encontra impresso,

Carinho, Força, Prece e Afins!


 

Vibrião

 

Porque na ansiedade e no desejo

Não pôde segurar da amada a veste,

Orfeu cantou sozinho aquele beijo

Que só pôde lhe dar aquela Peste.

 

Assim também cantei por longo tempo

A mágoa destes versos que ora faço;

E tudo sem ganhar acolhimento,

Sem ter de pais e amigos forte abraço.

 

Porque nos vem o dia em que Jesus

Da Cruz desprega os pés e suas mãos,

Carrega-nos aos beijos à sua cruz

E os pregos nos concede à Salvação.