O poeta
Parece estar
mais próximo do outro mundo.
Está.
Quando dorme a profundeza do
sono
o poeta rompe a porta das
coisas
e vai às ilhas que ninguém
conhece.
Vê na flor não o que a flor não
é.
Vê na flor o singelo encanto
e furta das pétalas a luz do
dia.
A lamparina acesa atravessa a
madrugada.
Junta o alfarrábio e o tinteiro
à escrivaninha.
Tece metáforas em silêncio
como se contasse segredos a
ninguém.
Consigo já não pode. Nem com os
demais.
Chora aqueles que perderam a
amada.
Sente na mão a dor das chagas,
porque nele todas as dores se
encontram.
Nasce a poesia.
E o poeta devolve às pétalas
a luz do dia
tecida em palavras.
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O autorretrato
Sou um poeta, um escritor do mato, mesmo amando a
inteireza e a loucura das grandes metrópoles. Mesmo
que eu tenha armado a minha oca em São Paulo. Eu
nasci em Itaituba, no interior do Pará. É uma cidade
localizada às margens do Rio Tapajós, afluente do
Amazonas. Talvez o mais bonito. Sou filho de
migrantes que mudaram para as terras paraenses na
década de 1970, com a abertura da Rodovia
Transamazônica e Santarém-Cuiabá. Vivi parte de
minha infância em chácaras e sítios nessas rodovias.
Por isso, as imagens antigas que povoam a minha
memória são uma aglomeração de vacas, poeira, lama,
estradas, caminhões, barcos, barro, casas de chão de
terra batida, rios, igarapés, árvores, rezas,
capelinhas, quintais e rostos suados.
Com seis anos, quase completando sete, fui morar na
cidade e só nessa época comecei a estudar num
colégio público, Coronel Raimundo Pereira Brasil.
Era uma escola pequena de nome grande, nome de
coronel do tempo em que borracha e seringueira
valiam ouro. A escola foi o desvendar de um
mistério. Lembro as primeiras letras ensinadas pela
mãe. A professora contava e recontava contos de
fada. E hoje ouço gente que fala mal de Cinderela e
Patinho feio. Eu gostava de ouvir tudo aquilo. Foi
essencial para a minha formação. Como foi essencial
o medo que eu tinha de ir até o matagal atrás da
sala de aula, onde diziam que morava a Matinta
Perera.
Anos depois recebi uma bolsa do Colégio Isaac
Newton. Lá concluí o Ensino Médio e fiz peripécias
como performances com poemas, teatro e exposição de
poesias.
Comecei a inventar de escrever aos treze anos, com a
crença de que tudo o que eu escrevia era bárbaro e
empolgante. Sempre um pouco de prosa e poesia. A
minha mãe trouxe os poetas românticos, os
professores os modernos. Foram vários instantes de
deslumbramento e as influências estão em meus
escritos: Mário e Oswald de Andrade, Drummond,
Manuel Bandeira e Ferreira Gullar. A leitura de
Chove nos campos de Cachoeira de Dalcídio
Jurandir talvez tenha sido um dos maiores
acontecimentos em minha jovem vida literária. Foi
com Dalcídio que descobri um amor, até então não
muito claro, pela Amazônia, pela gente amazônica.
Este olhar para o espelho, o reconhecimento das
próprias raízes, foi imprescindível. Eu tenho uma
aldeia. E mesmo distante, é de lá que vem esta força
que me sustenta (força pouca, força grande).
Morei um ano em Santarém e depois mudei para São
Paulo, capital, onde me formei em Filosofia. Hoje
estou no mestrado em Educação na Universidade de São
Paulo – USP. Vivo entregue a vários projetos
literários e escrevo e escrevo. Crio personagens e
heterônimos. Pouco foi publicado. Sou co-autor de
dois livros pela editora In House: Educar
e aprender e Bate-papo no gramado.
A minha literatura habita entre o abrupto e o
singelo - pelo menos é essa a crítica que posso
fazer agora. De um lado há a ternura do cotidiano, a
sagacidade do homem e sua terra. De outro a
angústia, a revolta, a pesquisa em torno da
existência e da solidão humana. É quase como se
morassem em mim dois escritores. De um lado uma
procura pela filosofia do encontro de Martin Buber e
a obra de Adélia Prado, Manuel Bandeira, Mário
Quintana e Manoel de Barros. De outro Sartre,
Beckett, Camus, Kafka, Hilda Hilst, Bergman e Milton
Hatoum me atormentam.
Sou um escritor em construção.
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