Resenha
Entre Estações
Manoel
Ricardo de Lima
Articulista
do Vida & Arte
Jornal
O Povo, 2.10.2000
O
novo livro de Teoberto Landim, "A Próxima Estação",
subverte os cânones do romance, da narrativa, propondo um diálogo
com o leitor. A história, através da metáfora da passagem,
do lugar de não-permanência, fala da condição
humana.
Tomar a estação
como lugar de passagem. Talvez, como possibilidade, uma das primeiras sínteses
interessantes do movimento urbano das cidades, dos aglomerados, que já
traz em si uma idéia de tempo. Depois, pode-se pensar que desta
passagem de transeuntes em viagem e sobre esta alguma idéia de tempo,
há também e de fato uma outra idéia, que pode ser
tomada até como uma serenidade zen: a da estação como
passagem do tempo em um percurso cíclico da natureza, como está
lá nas sendas de Bashô, o poeta japonês. Pois.
Digo isto para pensar aqui
o livro de Teoberto Landim, romance, A Próxima Estação,
edições UFC (programa editorial Casa de José de Alencar).
Lembro também que sobre o tema da estação ainda, Teoberto
publicou em 1992 o livro de ensaios Seca, Estação do Inferno,
o que abre uma perspectiva outra para pensar sobre uma outra possibilidade
para o termo. Desta vez, o fato e o sertão, o confinamento, a impossibilidade
de existir, a permanência e a diáspora num descontínuo
e improvável devir.
Tenho insistido aqui, vez
ou outra, que neste nosso malfadado fim de século, ou que mesmo
durante todo ele, se pensarmos as coisas de um modo crítico e avaliativo,
difícil pensar uma narrativa que não seja tocada por outras
que foram produzidas neste século com algum caráter de invenção.
Ao menos, as que trafegam em outro sentido, apenas apegadas ao caráter
de tradição e sem propor nada no que trata do próprio
gênero e da linguagem, pouco me interessam.
A partir disso podemos pensar,
em princípio, sobre este romance de Teoberto, em duas perspectivas:
uma, recontar a trajetória do próprio romance, como gênero,
enquanto cria variáveis com o narrador no percurso da narrativa,
isto talvez pelo fato de Teoberto ser um pesquisador dessa possibilidade
- o romance na contemporaneidade - e por conhecer meandros teóricos
para criar uma narrativa crítica. Duas, desenfrear pensamento em
direção ao sujeito contemporâneo, retirá-lo
de sua nacionalidade, retirá-lo de sua fronteiriça força
de existência em suas raízes, deslocá-lo para um centro
urbano, um aglomerado, para uma outra língua e para nenhuma outra
intervenção sobre si mesmo que não seja a do tempo.
Controlar o narrador, controlar a narrativa.
Teoberto elabora Thomas,
a personagem protagonista, e insere toda uma característica de pensamento
e percepção urbana sobre o sujeito e sobre a própria
literatura: a idéia de tempo. Trabalha com a inserção
desta idéia de tempo num tráfego, uma espécie de ENTRE,
do termo ESTAÇÃO: o lugar de passagem, o percurso cíclico
da natureza. Palavra escrita na modelagem não modelar do que seria
chamado de narrativa pós-moderna, ou de coisa nenhuma. O que, a
meu ver, reúne mesmo é alternativas para o escritor: processo,
possibilidade, fazer; que é o que parece interessar.
Thomas é uma personagem
dessas expostas, desnarradas em fragmentação e que se
antepõe a um narrador que também está exposto, e posto,
para devorar, com capacidade onívora, as entranhas do leitor e jogá-lo
ao limbo (ainda há lugar para o leitor?, parece nos perguntar a
narrativa de Teoberto). Thomas vive em desamor, disfarces, melancolia.
Senhor de uma brasilidade inquestionável, vê-la em xeque quando
se muda para Colônia, Alemanha, pré-derrubada do muro de Berlim,
e percebe-se sujeito sem lugar no mundo, não interessa mais o ONDE,
mas sim o ESTAR. Este ONDE passa a ser critério de possibilidade
de existência e questionamento sobre a condição da
arte, da literatura.
Entre as estações
que se aproximam e passam pela personagem com a velocidade desesperada
da própria narrativa, há a constatação de uma
revisão do conceito de espaço, que pode ser delineado pela
arquitetura dos centros urbanos e pela inquisição interior
do sujeito neste tempo de deslocamento para dentro. Este é o ponto:
o lugar de Thomas é dentro, para dentro, entre todas as perguntas
e nenhuma resposta. Algo como a capacidade de fazer perguntas não
traz a mesma facilidade para respondê-las. A busca incessante por
uma sempre e desejada próxima estação: lugar de passagem
ou percurso cíclico da natureza.
Teoberto, creio, registra
com este seu romance uma trégua bem vinda para as possibilidades
de sabermos que estar aqui, em Fortaleza, pode ser, ao mesmo tempo, estar
em qualquer lugar, tanto faz. O que interessa é propor diálogo
e repensar possibilidades para a literatura, impasses, problemas, para
que ela respire o que de fato é: vida. Como desdenha e desafia o
narrador de Teoberto: "Narro essas histórias sem interesse, não
sou um escritor''.
A Próxima Estação
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Teoberto Landim. Edições UFC. Lançamento: 3.10.2000,
às 19h30min, na Sala de Convivência da Reitoria da UFC. Informações:
281 4333. |