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3.6.2006
Insólita e irônica despedida
Dalwton Moura
Familiares de José Alcides Pinto choraram a morte do poeta -
segundo a irmã, ironicamente vitimado quando saiu de casa para
postar nos correios dois livros que acabaram de sair do prelo
"Tazinha, tu vai pro lançamento, com teu vestido mais bonito." O
pedido, em tom de fraternal exigência, foi feito semana passada
pelo escritor José Alcides Pinto a sua irmã mais nova, a também
escritora Maria da Conceição Pinto Aguiar. O lançamento em questão
seria o de dois novos livros do escritor - ´Diário de Berenice´ e
´O Algodão dos Teus Seios Morenos´, volumes de poesia, ambos
publicados pelo Imprece Editorial e pela Jamaica Editora,
homenagem do poeta a uma de suas filhas. A apresentação das obras
estava marcada para agosto. Ontem, na sala de espera da Unidade de
Terapia Intensiva de um hospital em Fortaleza, Conceição chorou a
impossibilidade de cumprir a promessa feita ao irmão tão querido.
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A irmã Maria da Conceição, a Tatá: ´Ele era tão humano! Falava
aquelas coisas de poeta, que a gente ia passear, viajar. E
dizia que queria ser enterrado no Acaraú´ (Foto: Juliana
Vasquez) |
José Alcides Pinto disse adeus às 12h50 de ontem, em decorrência
de politraumatismo, após ser vitimado por um acidente nas
proximidades de sua casa, no último sábado. Uma fatalidade,
lamentariam os parentes reunidos no hospital no início da tarde de
ontem. ´Foi bem perto do Frotão, bem perto da casa dele, ali na
Praça da Bandeira. Ele ia andando, e a moto atropelou. Rapaz, que
velocidade! Ele fraturou a bacia, perfurou o intestino, o fígado,
tudo... E teve traumatismo craniano, vários, não foi só um´,
descreveu Conceição. ´No instante viram logo: ´É o escritor, o
poeta!´. Ele foi reconhecido de imediato, todo mundo ajudou ali na
hora´.
De acordo com a irmã, ao IJF, José Alcides ainda chegou
consciente. ´Ele ainda disse alguma coisa. Reclamou da dor na
região do estômago, na perna... Falou que queria ir pra casa´. Do
Instituto Dr. José Frota, o escritor foi transferido ao hospital
São Mateus, onde familiares acompanharam todo o processo de
assistência. ´O traumatologista se admirou com a violência da
pancada que ele sofreu. Ele ainda chegou a ser operado do
intestino, mas da cabeça ninguém pôde fazer nada. Aí pronto, foi a
Via-crúcis dele´, atesta a irmã, agradecendo a atenção da equipe.
´Aqui era só entrando e saindo médico, aquela confusão. Um deles
até disse: ´Eu não vou olhar mais pra ninguém. Vou ficar só aqui,
com o Poetinha´. Todo mundo foi muito carinhoso com ele. Havia
quem achasse que ele ia sair dessa, lembravam que ele era um
guerreiro. Mas a gente sabia que o caso era crítico´, acrescentou
Conceição, escolhida pela família para falar, em momento tão
difícil, por ter sido particularmente próxima ao irmão. Na sala de
espera, a insólita e irônica despedida era lamentada pela cunhada,
Maria de Lurdes Pinto, e pelas sobrinhas Jessilene Araújo Lima e
Francisca Alexandra Pinto. Entre a dor e a resignação.
Livros aos amigos
A figura do poeta maldito, de temas difíceis e escritos de densa
tessitura, diverge da condição humana vivenciada por José Alcides
no cotidiano do lar. Segundo Maria da Conceição, o poeta tinha
hábitos simples e, em casa, costumava manter uma bem-humorada
relação com os filhos e irmãos. ´Ele estava muito bem. Tanto que,
na hora do acidente, estava passeando. Talvez tivesse ido andar,
comprar um remédio, que ele adorava um remedinho, um melhoral,
essas coisas...´, recorda, esforçando-se em buscar os detalhes na
memória. ´Mas o que é mesmo que ele foi fazer ali naquela hora?
Ah, já sei: ele foi colocar o envelope com os livros dele para os
amigos. Ele vai lançar dois livros dele, lindos os livros, agora
em agosto. Olha, eu dizendo ´Ele vai lançar´...´, percebe,
emocionando-se. ´Devia estar voltando, porque já vinha sem os
pacotes na mão. São lindos os livros, eu já tinha pego´, diz,
exibindo os exemplares, em torno de 50 páginas cada.
Se o escritor tratava a irmã mais nova por ´Tatá´ ou ´Tazinha´,
para Conceição Alcides era ´Didi´, ou Poetinha´. ´Ele me chamava
de Tazinha porque eu era a mais nova, não sabia falar direito. Ele
brincava comigo: ´Ô menina feia! O nome dela é Tatá´´, detalha.
´Ele era tão humano. Falava aquelas coisas de poeta, que a gente
ia passear, viajar. Aqueles sonhos de poeta mesmo. E dizia que
queria ser enterrado no Acaraú´, destaca, citando o município de
Santana do Acaraú e dizendo ser desejo da família atender ao
pedido do irmão. ´Agora não pode ser, porque tem os filhos, tá
todo mundo em choque, não ia ter como irem pra lá. Então, ele vai
ser enterrado em Fortaleza, mas daqui a uns anos, quando for o
tempo, vai ser trasladado pra lá. Por que não, se era o que ele
queria?´.
Versos finais
Não por acaso, os livros que restaram inéditos também celebram
musas do autor de ´Os Verdes Abutres da Colina´. ´Ele falava muito
de morte, era um dos temas dele. E muito sexo também, né? Ô homem
pra gostar de mulher´, diz Conceição, encontrando forças para
sorrir. ´Ele gostava de dizer: ´Tazinha, depois de mulher, não
conheço nada melhor. Se Deus fez, foi pra ficar só pra ele´. Era a
cara dele´.
´Diário de Berenice´ traz dedicatória a ´Josy (Joseane), estudante
musa mulata´ e inclui como epígrafe versos da canção ´Já sei
namorar´, dos Tribalistas Brown, Antunes e Marisa Monte. O autor
assume então a palavra, em um dos pequenos trechos de prosa
poética que compõem a obra:
´Num dia de imensa tristeza, Berenice atirou-se ao mar. E não
voltou mais. Em seu caderno de anotações foi encontrado isso: ´Não
tenho mais nada a fazer no mundo. Vou conviver com os peixes e as
sereias, os corais e as algas. Não ouvirei o grito das gaivotas
nem o ruflar das asas da rola chegando ao ninho. Essas cousas
talvez nunca existissem: a não ser na sua imaginação: O periquito,
o galo, o rádio de pilhas, uma cueca nova com uma nódoa recente de
esperma, que ela raspou com a unha´.
Já em ´O Algodão dos Teus Seios Morenos´, volume mais lírico, em
que José Alcides dedica poemas a amigos como Geraldo Jesuíno, José
Telles, Sérgio Braga, João Soares Neto, Giselda Medeiros, além da
filha mais velha, Belkiss Valéria, as musas dividem espaço com a
morte, bem ao estilo do autor, que questiona: ´Baudelaire!
Baudelaire! Baudelaire! Luis Nicolau Fagundes Varela, quando
voltarei a ser poeta?´. E arremata, em versos agora carregados de
ironia:
Que mais precisa o morto
a não ser do sossego
a paz que vem dos mortos
está no aconchego
da própria escuridão
que lhe serve de abrigo
à suma eternidade
trancado em seu jazigo
(...)
Mas quem pode afirmar
com absoluta certeza
se o morto não está vivo
embora morto esteja?
REPERCUSSÃO
Em memória de José Alcides Pinto
'Perdemos um grande intelectual, autor de belíssimos poemas, que
muito fez pela literatura do Ceará. É uma ocorrência lamentável
sobre todos os aspectos, constituindo um prejuízo muito grande
para as letras do Ceará. Sobretudo no campo da poesia, em que ele
se destacou de maneira brilhante e inquestionável. Lamento
profundamente o seu desaparecimento e acho que nós que fazemos
literatura estamos de luto'. (Arthur Eduardo
Benevides, Poeta)
'É um dos maiores escritores do País, e um dos maiores do Ceará,
ao lado de José de Alencar, Moreira Campos e Francisco Carvalho. A
literatura cearense, toda ela, depois de Alcides, é tributária de
sua influência. Foi fundamentalmente um poeta de estética moderna
e criativa, que instaurou uma estética nova na literatura
brasileira. Para mim, era uma espécie de pai literário e afetivo.
Convivi com ele desde a juventude na Piedade. O Ceará precisa se
orgulhar dele'. (Dimas Macêdo, Escritor)
'A perda foi grande para a literatura brasileira e cearense.
Estive com José Alcides na última quinta, falando sobre seus dois
próximos lançamentos. Foi uma convivência de toda uma vida. Estou
muito emocionado. Não consigo expressar toda a dimensão deste
grande escritor brasileiro'. (Sérgio Braga, Editor)
'Ele era o próprio compromisso com a literatura, viveu para a
literatura. Atravessou muitas dificuldades porque fez a opção pela
palavra. Deixou o emprego, deixou tudo para se dedicar à ficção e
à poesia. Fez da literatura seu apostolado. Era inquieto e leal, a
expressão da nordestinidade na vida, na literatura'.
(Barros Pinho, Escritor)
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3.6.2006
A escritura de José Alcides Pinto
Carlos Augusto Viana
José Alcides Pinto sempre constituiu um desafio
ao leitor. Passo a passo, sua imensa trajetória literária implicou
um encontro com o desvio da linguagem
Nesse sentido, tanto sua prosa quanto sua poesia revelam facetas
pouco encontráveis em seus contemporâneos: hermético e mítico em
“Cantos de Lúcifer” (1966), despojou a linguagem e valorizou os
recursos visuais em “Águas Novas” (1975); erótico e lírico em “Ordem
e Desordem” (1982), súbito converteu-se em um sonetista no livro “20
Sonetos do Amor Romântico / Novos Poemas” (1982), no qual está
reeditado um de seus maiores poemas de força social: “Os Catadores
de Siri” — um texto denso, composto de 552 versos, ora metrificados,
ora livres, às vezes em rimas brancas ou não, consoante o seu
espírito irrequieto.
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Foto do arquivo DN |
Nessa composição, ele visita o universo sórdido dos
meninos que tiram o sustento da lama e nesta se convertem. Esse
poema se realiza através de uma narrativa dramática. A oralidade
impõe-lhe uns laivos de prosaísmo, mas não lhe despe a imperiosa
musicalidade.
Quanto à linguagem, observam-se dois recursos: o da repetição e o
jogo metafórico. A repetição se dá por dois processos: o estilístico
e o simbólico, pela constante utilização de uma mesma imagem: “Quem
não tem o direito de viver / cava a lama / como eu cavo / as
crianças pobres do Recife”.
A expressão “cava a lama” apresenta um teor puramente sintagmático,
pois denota um fenômeno real; o mesmo não ocorre com a expressão
“como eu cavo / as crianças”, de conotações múltiplas: o universo
real (cava a lama) dá passagem ao simbólico: (como eu cavo / as
crianças). O poeta desenterra a cidade como se fosse um siri.
Em termos gerais, toda a obra de José Alcides Pinto se concentra em
suas concepções acerca da vida e da morte, do bem e do mal, enfim,
num mundo todo tecido a partir de contrastes. Ainda que, em alguns
poemas ou algumas passagens de romance, o ambiente do sertão
compareça, com suas paisagens descarnadas, a atmosfera que lhe
marcou a infância (nasceu ele em São Francisco do Estreito —
distrito de Santana do Acaraú) surge apenas como moldura, uma vez
que visa, sobretudo, ao universal.
Seu verdadeiro intento foi o de procurar os abismos do homem, aquilo
que é perene na condição humana: a angústia diante da brevidade do
tempo e da certeza inexorável diante da morte. O regional, portanto,
é apenas uma paisagem, um cenário para a construção de um universo
mí(s)tico, povoado de imagens surrealistas.
Fundem-se , em sua escritura, o lírico e o grotesco, o paraíso e a
queda, e seres estranhos habitam um espaço deformado pela força
criadora. Pela poesia de seu povoado, dissolvem-se homens e
demônios, como, por exemplo, na seguinte passagem de “Os Verdes
Abutres da Colina”: “Rosa mal podia espiar o poste aceso no oitão da
casa.
A lâmpada soltava uma luz amarela, embaciada, apagava e ascendia
como a lanterna dos pirilampos, piscando ao pé das calçada ou
abrindo buracos na escuridão do ar. De vez em quando, um se metia
debaixo do chambre, focava inconvenientemente. Outros subiam-lhe
pelas pernas trôpegas, cheias de mondrongos, e invadiam-lhe as
virilhas num luzeiro que a fazenda do chambre não encobria. Rosa
sapateava na sua inconsciência centenária: — Xô bicho”.
Como se vê, é verdadeiramente um universo dominado pelas forças
fatais. A obra de José Alcides Pinto pode ser compreendida a partir
do entrelaçamento de três temáticas essenciais: o sexo, a morte e a
loucura, sendo instâncias inseparáveis, entregues ora ao sagrado,
ora à maldição. Como todo símbolo, seu universo ficcional ou poético
comporta forças positivas e negativas, criação e destruição, num
digladiar-se interminável.
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3.6.2006
Adeus ao nosso poeta maldito
Dellano Rios
No começo da tarde de ontem, chegou ao fim a
vida do poeta José Alcides Pinto. Sua arte, no entanto, permanece e
o ultrapassa
O protagonista já determinava que, fossem quais fossem as
circunstâncias, a notícia causaria alvoroço. José Alcides Pinto está
morto. Um dos gigantes na literatura cearense, o poeta foi vítima de
uma fatalidade. Uma morte “estúpida”, como diria o escritor francês
Albert Camus sobre os acidentes de trânsito.
No sábado (31.05.20080, às 11h30, foi atropelado por uma motocicleta na Rua
General Sampaio, próximo a sua residência, no Centro da Capital. O
escritor fazia uma de suas andanças rotineiras pelo bairro.
Reconhecido no local, ele foi levado ao Instituto Doutor José Frota
(IJF). No hospital, foi atendido pelo médico Almir Gomes, membro da
Sociedade Brasileira dos Médicos Escritores (Sobrames). Alcides
sofreu ferimentos graves, com ruptura de órgãos vitais e traumatismo
craniano. A morte cerebral foi diagnosticada na noite de domingo. O
poeta, por fim, faleceu às 12h50 de ontem. O corpo foi velado na
Academia Cearense de Letras. Até o final da tarde de ontem, o local
de sepultamento - se em Fortaleza ou em Santana do Acaraú - ainda
não está definido.
Deixou seis filhos, de três casamentos. Deixou, ainda, uma vasta
obra que inclui poesia, teatro, romance, contos, crônica, memórias,
aforismos e crítica literária. Como poeta, foi o responsável pela
chegada do concretismo no Ceará; na prosa, destacaram-se suas obras
de realismo fantástico. Nestas duas dimensões da escrita, uma
literatura marcada pelos temas malditos: o sexo e a morte.
Vida como obra
José Alcides Pinto nasceu em 10 de setembro de 1923, no povoado de
São Francisco do Estreito, distrito de Santana do Acaraú, na região
norte do Estado. Em 1945, partiu para o Rio de Janeiro, onde se
formaria em jornalismo e biblioteconomia. Ocupou cargo no então
existente Ministério da Educação e da Cultura e foi professor da UFC.
Abandonou os empregos públicos para se dedicar, exclusivamente, à
literatura.
“Todo minha obra é autobiográfica”, revelou o escritor em uma de
suas últimas entrevistas ao Diário do Nordeste, em agosto último. O
caráter memorialístico da obra do poeta causa assombro. Seus
personagens vivem embates com a loucura, a morte, o sexo e
experiências místicas. Na vida e na literatura, José Alcides Pinto
vivia na zona de intercessão entre o sagrado e o profano. “Não
existe distância (entre estas duas dimensões), eles se bifurcam”,
afirmou em outra entrevista.
O escritor de obras transgressoras — como “O Relicário Pornô”,
coleção de poemas e aforismos que o título descreve bem — se dizia
um homem religioso. Nos últimos anos, crescia seu interesse pela
temática mística. A mesma que permeou algumas de suas principais e
mais famosas obras — em especial, a Trilogia da Maldição, que reúne
os livros “O Dragão”, “Os Verdes Abutres da Colina” e “João Pinto de
Maria (biografia de um louco)”. Nesta série de romances, Alcides
ambientou em na localidade em que nasceu acontecimentos miraculosos
e inexplicáveis à razão.
O confronto entre o místico e o banal da existência terminou por
dar-lhe o título de “maldito”, como seus admirados Rimbaud e Artaud.
“Acho muito bom ser ligado aos malditos. São todos abençoados”,
decretou. Sobre a morte que acabou por alcançá-lo, José Alcides
Pinto disse: “Minha escrita é um meio de fugir dela, mesmo que isso
não seja possível”. Com a morte, parte Alcides, mas fica a obra.
Resta, por fim, uma dúvida: teria nosso poeta maldito conseguido o
impossível?
REPERCUSSÃO
Em memória de José Alcides Pinto
'Tivesse escrito em espanhol, o Alcides certamente seria nosso
candidato ao Prêmio Nobel de Literatura. É um escritor premiado
nacionalmente, desde sua “Trilogia da Maldição” até livros mais
recentes, como “Trilogia da Morte”. Nele, o poeta José Alcides Pinto
fala da vida, com base em sua experiência secular, e da morte, com a
intimidade de quem já vivia em outro mundo'. (José
Telles, Presidente da Sociedade Brasileira dos Médicos Escritores -
Secção do Ceará)
'A gente sempre tem a impressão que os nossos amigos nunca vão
morrer. A morte do Zé é uma perda para a literatura cearense, para a
literatura brasileira e, para mim, uma perda pessoal. Ele foi meu
companheiro de descobertas nos anos 1950. Tenho ainda hoje um
exemplar do Rimbaud autografado por ele. Aprendemos muito juntos'.
(Ferreira Gullar, Poeta e crítico de arte)
'José Alcides Pinto foi um dos grande poetas do Ceará das quatro
últimas décadas. Era meu amigo particular, desde 1957, quando chegou
do Sudeste com a novidade da Poesia Concreta. Com ele, participei da
introdução da Arte Concreta no Estado. Sua morte é uma perda para
nossa literatura'. (Pedro Henrique Saraiva Leão Poeta e
membro da Academia Cearense de Letras)
'O José Alcides Pinto foi um autentico artista. Toda sua vida foi
organizada para ser um escritor. Largou cargos públicos e carreira
acadêmica para viver com base em valores da arte. Ele tinha dois
talentos especiais: um era a facilidade para a criação; o outro
valor era estabelecer novas relações e apoiar os novos talentos'.
(Auto Filho, Secretário da Cultura do Estado)
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3.6.2008
O feiticeiro ganhou asas
Henrique Araújo
O escritor José Alcides Pinto morreu na noite
do último domingo após ter sido atropelado. Místico, louco, lúcido:
esses são alguns dos adjetivos usados por amigos ao se referir ao
poetinha. O Vida & Arte publica algumas poesias inéditas contidas
nos dois livros que JAP lançaria em agosto
Poeta, romancista, teatrólogo e crítico literário, José Alcides
Pinto sofreu morte cerebral na noite do último domingo, às 22 horas,
no hospital São Mateus, em Fortaleza. As informações foram
confirmadas pelo escritor e amigo José Telles, encarregado pelos
trâmites do sepultamento do poeta. Às 11 horas do sábado, 31, numa
de suas muitas andanças por Fortaleza - aos 82 anos, Alcides Pinto
preferia os próprios pés ao emborrachado dos pneus de ônibus e
carros -, o autor de Os verdes abutres da colina e O dragão foi
atropelado por uma motocicleta na rua General Sampaio, próximo à
praça Clóvis Beviláqua, e levado ao Instituto Doutor José Frota,
onde reclamou de dores nas pernas. Em seguida, foi transferido para
o Hospital São Mateus. Alcides teve traumatismo craniano e
perfurações no estômago. O escritor "maldito" deixa seis filhos e
seis irmãos. O velório acontecerá na sede da Academia Cearense de
Letras e o enterro, no pequeno cemitério de São Francisco do
Estreito, distrito de Santana do Acaraú, no interior cearense - a
Macondo de JAP. Até o fechamento desta edição, às 15 horas, o
horário do velório não estava confirmado.
O trágico sumiço do galante e zombeteiro Alcides Pinto surpreendeu
amigos e parentes. "Ele sempre andava sozinho pelo Centro, adorava,
não sei como isso aconteceu", espantou-se Conceição Pinto Aguiar,
ainda no hospital. Incrédula, Conceição adormecera logo após o
acidente. Foi acordada ao saber que a morte cerebral do irmão era
coisa inarredável. "Às vezes eu penso que é um sonho, que, quando eu
sair daqui, tudo se resolve", falou. "Ele entendia a morte como um
enigma, como mistério e, ao mesmo tempo, como uma fatalidade", depôs
José Lemos, autor de o Universo Mí(s)tico de José Alcides Pinto,
livro de 1979. Para JAP, continua Lemos, realidade e ficção eram
indistintas. "Ele entendia a vida como um absurdo. Para escapar do
absurdo, a solução seria a loucura ou então a morte."
Ao telefone, o poeta cearense Francisco Carvalho, 81, lamentou a
morte do amigo. Antes, confundiu-o com um técnico de futebol. O POVO
o apanhara distante da notícia do falecimento de JAP. Carvalho
engasgou, levou dois ou três minutos até retomar o fôlego e reunir
coragem para falar sobre a relação que tinha com o escritor. "Eu
dediquei dois sonetos no aniversário de 80 anos do Alcides Pinto.
Ele era um escritor extraordinário, completo. Fazia de tudo."
Silêncio - Carvalho ruminava sabe-se lá que memórias. Sem aviso
prévio, constata: "Os velhos estão morrendo". Em seguida, relembra a
última vez em que esteve com JAP. Foi na terça da semana passada.
"Tinha prometido comprar os dois últimos livros dele.".
Feiticeiro, pornógrafo, santo, demoníaco. Polêmico, paradoxal. JAP
trazia a semente desgraçada dos mártires e encapetados. Morreu
pobre. Passara a noite anterior na última casa de uma vila
miserável, no Centro. Era devoto de São Francisco e Teresinha de
Jesus. Fez promessas e foi atendido. Durante um ano, podia ser visto
nos bosques da Universidade Federal do Ceará trajando o hábito e
calçando as chinelas do santo a quem recorria fervorosamente. Hoje,
as peças estão guardadas em sua fazenda Terra do Dragão, em Santana
do Acaraú, onde nasceu, em 1925. Antes e depois dele, outros oito
irmãos vieram ao mundo. Resolveu mudar-se para Fortaleza. Ganhou um
bilhete para uma viagem de navio até o Rio de Janeiro, aonde só
chegaria cinco anos após ter embarcado. É que JAP saltou na capital
pernambucana. Lá, estudou jornalismo e colaborou nos principais
periódicos da época. No Rio, formou-se na Universidade do Brasil.
Foi membro do Sindicado da categoria e ingressou no magistério.
Pouco tempo depois, transferiu-se para Fortaleza. Ensinou na
Universidade Federal do Ceará. Entre tantas idas e vindas, formou-se
bibliotecário.
José Alcides Pinto renunciou a tudo em favor da literatura. "O
Alcides teve uma carreira bastante dissociada", biografa Geraldo
Jesuíno, um dos mais próximos de Alcides Pinto. Nele, vida pessoal e
ofício contrapunham-se harmoniosamente. Porque Alcides era o
paradoxo. "O escritor e o homem eram duas figuras que não caminhavam
na mesma trajetória. Enquanto o escritor crescia assustadoramente, o
homem não se dava muito cuidado, ele não tinha posses, não tinha
nada, era um escritor pobre, dava os livros dele de presente."
Vinte anos de pesquisas resultaram em um dos livros a que JAP
devotava respeito razoável. Escrito por Dimas Macedo, A face do
enigma é uma das mais importantes referências a tratar da obra de
Alcides e o seu autor, um dos mais chegados ao "maldito". "Ele foi
uma escola para todos os escritores do Ceará. São todos tributários
dele. Nunca deixou de ser jovem. Nunca deixou de ser um
transgressor. Morreu completamente pobre. Vivia da caridade",
destaca Dimas. Por telefone, ele afirma estar mais calmo. Garante
poder falar sobre o amigo. E Dimas fala. Reconta parte da história
do que, para ele, constitui um raro exemplar mitológico. "Ele era a
palavra. Era a estética. Ele era a literatura".
E MAIS
Da inutilidade do tempo
Estou só no mundo
e não me chamo Raimundo:
como Drummond dizia
digo eu: um dia é outro dia
e o mesmo dia.
E esses dias somados
a troco de vintém:
não servem para mim
nem para ti ninguém.
Não servem para nada
nem pra dar nem vender:
são dias emprestados
a troco de viver.
Mais um dia que passa
sem parar se deter:
nessa doida corrida
sem saber para quê.
E onde isso vai dá?
O saber que importa:
esteja aberta ou fechada
a porte é a mesma porta
por onde se entra e não sai
tal qual uma sepultura:
como se jogassem fora
a chave e a fechadura.
Trecho do livro O algodão dos teus seios morenos
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José Alcides Pinto |
3.6.2008
Inéditos de José Alcides Pinto
Pedro Rocha
José Alcides Pinto deixou dois livros inéditos,
previstos para serem lançados em agosto. Não teve tempo de revisar
as obras de poesia. A morte surge nos livros: menos por um
prenúncio, mais como um de seus temas fundamentais.
José Alcides Pinto deixou dois livros inéditos de
poesias e prosa poética: O algodão dos teus seios morenos e Diário
de Berenice. Queria encarrilhar ainda um terceiro, mas seu amigo
Geraldo Jesuíno, 61 anos, responsável pelo projeto gráfico das
obras, pediu calma. "Ele estava em plena atividade criativa, um
poeta maduro", contou Jesuíno. Ultimamente, o escritor tinha
diminuído um pouco o ritmo da escrita, primando pela qualidade,
mesmo assim não teve tempo de revisar as obras, curtas, ambas com
pouco mais de 50 páginas, previstas para serem lançadas em agosto.
"Às vezes, continuar vivo era uma preocupação do Alcides, mas não
era a maior. A grande amante dele era a literatura", disse.
Nas capas, a dualidade da obra do escritor: no livro O algodão...,
uma mulher de seios rijos a mostra cor púrpura; e noutro, uma pomba
branca e arabescos na fonte. As últimas cinco obras de Alcides
ficaram aos cuidados de Jesuíno, que os concebeu graficamente e
assinou a contracapa de um deles, onde escreveu: "mais um raro e
magnífico afago estético a que nos permite um dos maiores escritores
vivos deste País". O amigo reescreveu ao telefone na manhã de ontem:
"Agora é um dos maiores poetas que esse País já conheceu".
A morte freqüenta vários poemas das duas obras. Antes de inferir
alguma previdência do escritor, um "profeta" para alguns, vale
lembrar que o tema, corrente na literatura de Alcides Pinto, mereceu
uma trilogia semi-autobiográfica intitulada O tempo dos mortos,
composta pelos romances Estação da Morte, de 1968, e O Enigma e O
Sonho, ambos de 1974. As três obras foram relançadas ano passado
pela editora Top Books.
Avalizando o escritor nas orelhas das duas obras nomes como os dos
críticos Wilson Martins, Antônio Houaiss e Fausto Cunha, e
escritores Levo Ivo, Francisco Carvalho e Artur Eduardo Benevides.
Alcides Pinto somou ainda em vida uma fortuna crítica de mais de dez
livros sobre sua obra, figurando em antologias da literatura
brasileira como a recentemente lançada Roteiro da Poesia Brasileira
- anos 50, organizada por André Seffrin.
Quando o professor e crítico de literatura, José Lemos Monteiro,
planejou no final da década de 1970 três obras sobre escritores
cearenses representativos, reservou a José Alcides Pinto o volume
dedicado ao romance. "Ele exerceu sobre mim um fascínio muito
grande, porque eu também encarei e, de certa forma, ainda encaro a
vida como um absurdo, como algo, segundo os próprios
existencialistas, a que o homem foi condenado. O homem está aqui pra
viver, mas não deve questionar porque tem que viver e porque um dia
tem que morrer. Na verdade, ele foi um escritor que se tornou
singular aqui na literatura cearense, porque de fato ele foi muito
fundo na reflexão sobre a condição humana", disse.
O historiador da literatura cearense, Sânzio de Azevedo, assinou o
prefácio do livro Sonetos do Amor Romântico. Lá escreveu: "José
Alcides Pinto é tão moderno que não tem medo nem vergonha de ser
romântico", e agradou bastante o autor, que repetia a frase. "Eu
acho que José Alcides Pinto foi uma figura muito original, muito
autêntica, nunca fez muitas concessões, vivia em dificuldade. Ele
era assim meio estranho, mas não era pra chamar a atenção não, ele
era uma pessoa original", disse Sânzio.
INÉDITOS
Teus doces arrebaldes
Num dia de imensa tristeza, Berenice atirou-se no mar. E não voltou
mais. Em seu caderno de anotações foi encontrado isso: "Não tenho
mais nada a fazer no mundo. Vou conviver com os peixes e as sereia,
os corais e as algas. Não ouviu o grito das gaivotas nem o ruflar
das asas da rola chegando ao ninho. Essas cousas talvez nunca
existissem: a não ser na sua imaginação: O periquito, o galo, o
rádio de pilhas, uma cueca nova com uma nódoa recente de esperma,
que ela raspou com a unha.
(...)
A maré enchia de manhã e à tarde esvaziava.
Berenice se entretinha nesse vai-e-vém constante. Andava na
beira-mar segurando a barra da saia porque as águas chegavam até
seus joelhos. Era o único divertimento de sua vida. Esse prazer era
renovado todo dia.
Biblioteca
O Criador de Demônios (1967)
Estação da Morte (1968)
Entre o sexo: a loucura a morte (1968)
O Enigma (1974)
O Sonho (1974)
O Amolador de punhais (1987)
Trilogia da Maldição (1999)
Noções de poesia e arte (1952)
Pequeno caderno de palavras (1953)
Concreto: estrutura visual gráfica (1956)
Ciclo único (1964)
Contos de Lúcifer: poemas reunidos (1966)
Os catadores de siris (1966)
As águas novas (1975)
O Acaraú: biografia do rio (1978)
Ordem e desordem (1982)
Antologia poética (1984)
Guerreiros da fome: outros poemas (1984)
Fúria (1986)
Fúrias do oráculo (1996)
Silêncio branco (1998)
As Tágides (1998)
Poemas Escolhidos (2003)
Poemas Escolhidos II (2006)
Diário de Berenice (2008)*
O algodão dos teus seios morenos (2008)*
* Livros inéditos
Memória
10/9/1983 - José Alcides Pinto nasce em São Francisco do
Estreito, distrito de Santana do Acaraú, Ceará.
1945 - Muda-se para o Rio de Janeiro, onde trabalha como
bedel de aluno. Diploma-se em Jornalismo pela Faculdade Nacional
de Filosofia e em Biblioteconomia pelo Instituto Brasileiro de
Bibliografia e Documentação.
1950 - Em parceria com Ciro Colares e Raimundo Araújo,
lança o livro Antologia dos Poetas da Nova Geração.
1952 - Lança seu primeiro livro individual, Noções de
Poesia e Arte.
1957 - Volta para Fortaleza, onde lança o Manifesto
Concretista.
1964 - Publica seu primeiro romance, O Dragão.
1974 - Publica Os Verdes Abutres da Colina e João Pinto de
Maria - Biografia de um Louco, que, junto com O Dragão, formam a
chamada Trilogia da Maldição.
1977 - Desliga-se da Universidade Federal do Ceará, onde
dava aulas no curso de Comunicação Social. Veste um hábito
franciscano e vai morar numa fazenda no sertão cearense.
1986 - Ganha o Prêmio Nacional Petrobrás de Literatura.
2000 - Ganha o Prêmio da Crítica da Associação Paulista de
Críticos de Arte.
2003 - A Editora G.R.D publica uma coletânea de poemas de
José Alcides Pinto, intitulada Poemas Escolhidos.
2008 - Estava pronto para lançar dois livros inéditos de
poesia, Diário de Berenice e O Algodão dos teus Seios Morenos com
o selo Jamaica Editora, nome de uma das filhas.
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