Dos doidos poetas
amigos meus, o mais genial é José Alcides Pinto.
Em verdade, não
são doidos sem razão, mas na excentricidade, na coragem e ate na
inocência com que vivem num mundo de rapina e raposa. Numa sociedade
em que a mesquinhez sobrepuja as boas intenções, os poetas são como
as crianças que no Evangelho o Mestre recomenda imitar para merecer
o reino do céu. Em face da hostilidade da civilização contemporânea,
louvar os visionários da poesia, os eleitos da inspiração e uma
forma de reconhecer que o mérito daqueles que nos ofertam os prêmios
da arte e as benesses do encantamento.
Haverá quem duvide
de que o mundo precisará sempre dos artistas?
Que o ideal do belo e o diálogo com a essência serão sempre
imprescindíveis ao espírito? No estágio atual de evolução da
humanidade, como em todos os tempos, há sempre carência da íntima
viagem do sonho e da estesia. Em meio a tantos desmandos, a voz dos
poetas há que se manter audível, no cumprimento da missão de
resgatar valores humanistas e realçar o valor de quem se alimenta de
ideais e princípios eternos. Nesse ponto, parodio Vinícius de
Morais: os muito pragmáticos que vão pro inferno, mas o lirismo é
fundamental. José Alcides Pinto é um poeta cuja dedicação e serviços
prestados a causa da poesia merecem destaque. Com uma obra que
abrange todos os gêneros literários e que soma mais de uma centena
de livros, em que se realçam a criatividade, o estilo inconfundível,
a marca pessoal de uma visão própria da realidade humana, José
Alcides Pinto se tornou uma personalidade admirada e cultuada, não
apenas pela intelectualidade cearense e brasileira de sua geração,
mas sobretudo pelos jovens escritores, sempre sequiosos de novas
idéias e de autores cujo processo de criação literária apresente o
maior suporte possível de experiências inovadoras.
Este livro foi planejado na viagem que fiz com José Alcides Pinto à
sua fazenda, “Terras do Dragão”, durante dois dias que passei no
sertão ouvindo e anotando as idéias que aqui publico. Na ocasião,
conversamos sobre sua maneira de entender o mundo e o espírito, e
recordamos momentos de nosso convívio diário na década de 80, quando
dialogávamos diariamente e mantivemos proveitoso intercâmbio de
idéias. Os dados biográficos de José Alcides Pinto, aqui divulgados,
me foram transmitidos diretamente por ele. Contudo, a interpretação
dos seus pontos de vista e dos textos citados reflete minha absoluta
visão pessoal. Preservarei ao longo do livro a abreviatura do nome
do poeta, utilizando às vezes as iniciais para nominá-lo nos
capítulos que se seguem.
O encontro com
Jap e outras peripécias.
Fui apresentado a
Jap por meu pai, em 1978, na fazenda do poeta, que se chamava
“Equinócio”, no município de Acaraú, onde José Alcides decidira
residir com o objetivo de se concentrar para escrever alguns livros.
Como explicarei na
seqüência deste livro, Jap havia abandonado a cadeira de professor
universitário para dedicar-se exclusivamente à literatura e havia
decidido abdicar da vida urbana para melhor se concentrar em seu
trabalho literário. Lembro-me da figura magra, do perfil aquilino,
do bigode exótico e dos gestos sempre agitados, falando com tal
velocidade que não se consegue entender bem tudo o quanto diz, e
simpatizei de pronto com aquele tipo que me pareceu original, bem
humorado e alvoroçado. Jap ofereceu uma dose de cachaça a meu pai, e
a garrafa foi trazida por uma jovem camponesa, que o poeta nos
apresentou como sua nova musa.
Segundo nos
confidenciou, estava submetendo a musa a um estágio para testar os
seus talentos de propiciadora de inspiração e de cozinheira. E
arrematou o assunto dizendo, “pois é, poeta é assim, não pode ficar
sem a companhia de suas musas”.
No dia em que o
conheci Jap estava vestido de branco, pois, conforme explicarei
adiante, já havia pago a promessa de vestir por um ano o hábito
franciscano. Apresentou-me meu pai nos seguintes termos: “o meu
filho também é poeta”. Alcides olhou-nos e disse, com a agilidade
mental que o caracteriza: “é poeta? Então é um homem iluminado!”
Senti-me desde aquele tempo, atraído pela força carismática de Jap,
sua obsessão literária, sua personalidade insólita, capaz de
exaltar-se e de denegrir sua auto-imagem em poucos segundos, seu
humor pornográfico, suas peripécias e aventuras, sempre fascinantes
e dignas de admiração, podendo provocar pasmo ou repugnância por
parte do aprendiz que dele se aproxime. O fato é que Jap não pode
ser considerado um cidadão comum.
Sua simplicidade
singular, suas atitudes controvertidas, o costume de mudar de casa
praticamente cada dois anos, os casamentos e os filhos que tem com
diversas mulheres, enfim toda essa itinerância, essa inquietude que
o faz fecundo na obra como na prole, e que o anima a escrever
ininterruptamente, num intenso e constante processo de produção
literária, tudo isto prova que a monotonia nunca foi uma
característica na vida de José Alcides Pinto.
Recordo que o
poeta Rogaciano Leite Filho, querido amigo precocemente ceifado da
vida, costumava contar, com muita graça, o seu primeiro encontro com
Alcides, rindo muito porque visitou o poeta cerca da hora do almoço,
e ao tentar se despedir, disse que em casa o estavam esperando para
almoçar. Então, Jap lhe disse: agora não, e colocou um cacho de
bananas sobre a mesa e falou aos brados, como se desse uma ordem,
“comei, poeta, saciai a vossa fome!” Depois encheu-lhe os bolsos de
bananas, para a perplexidade do visitante.
Alcides diz que
sua singularidade é devida ao sangue nômade de cigano, dos seus
ancestrais. Lembro-me agora de dois episódios engraçados acerca da
personalidade excêntrica de José Alcides Pinto. O primeiro, contado
por Francisco Carvalho, o qual, quando foi à casa de Alcides notou,
entre outras coisas esdrúxulas, que a porta estava escorada com o
Aurélio, faltando várias páginas. O segundo me foi recordado por
Natalício Barroso, que conta que Alcides, como prova de amizade,
oferecia sempre sua casa aos amigos, para o caso de necessitarem de
levar alguma companhia feminina para passar a noite. Tinha um quarto
reservado nos fundos da mansão da rua Rodrigues Junior, para tais
emergências. E lembrava ainda que haveria café da manhã pronto, no
dia seguinte, como num verdadeiro hotel. Alcides sempre fez questão
de demonstrar sua aversão a tudo quanto é convencional. Por isso
costuma dizer: quem quiser gostar de mim, goste como eu sou, quem
não gostar, vá pra baixa da égua.
Depois do primeiro
encontro na fazenda Equinócio, tornamo-nos amigos e quando Jap
voltou a residir em Fortaleza, costumávamos ir à praia
cotidianamente para conversar sobre literatura. A companhia do
Alcides sempre me divertiu e instruiu. Exceto quando estava em crise
existencial por causa de alguma mulher ou por motivo de saúde. De
resto, o poeta conservou sempre o senso de humor irreverente, capaz
de fazer-se auto-elogios ou comentários depreciadores a si mesmo,
capaz de conversar com toda mulher que via na praia, revelando-se um
incansável e renitente paquerador. Distribuía cartões com o seu
endereço, pedindo-lhes para visitá-lo, pois assim ganhariam um
livro, tomariam um café, assistiriam televisão, etc. É que morava
só, numa casa imensa na Aldeota, onde, se quisessem, as musas
poderiam também ficar para dormir... Eu via na insensatez do amigo
uma graça especial. Como ele dizia, persuasivamente: “sou escritor e
vivo só, venha conhecer minha obra ...” Com isto foi visitado por
muitas mulheres de todas as idades e construiu para si a boa fama de
Casanova, que logo se espalhou pela cidade. Acompanhava-nos as vezes
o professor Jarbas Júnior, que durante certo período andava fazendo
exercícios espirituais, submetendo-se a rígidas disciplinas e
austeridades, fruto de suas pesquisas no campo do esoterismo e do
hinduísmo. À maneira dos gurus da Índia, cuja biografia havia lido,
decidira não mais comer carne, nem ingerir bebida alcoólica e fizera
voto temporário de castidade, com o intuito de purificar-se das
vibrações mundanas, método que, para Alcides, não fazia o menor
sentido. Essa nova conduta do Jarbas era motivo de zombaria por
parte do Jap. Era divertido observar que, enquanto eu e o
Jarbas olhávamos a paisagem do litoral, as nuvens, a linha do
horizonte, Jap chamava sempre nossa atenção para o corpo das
mulheres deitadas na areia, e com seus comentários galhofeiros,
dizia “que bunda cor de canela!”. Citava um poema do seu Relicário
Pornô: “da prima vagabunda louvo a bunda”. Em seguida, recordava
Camões: “Bramindo o negro mar de longe ouvia/ como se desse em vão
n'algum rochedo”. E declamava depois uns versos de Gonçalves Dias:
“Oceano terrível mar imenso!/ de vagas procelosas que se enrolam,/
floridas, rebentando em branca espuma de um pólo a outro pólo”.
Depois, erguendo os olhos, dizia: “só o mar apagará a tua
insensatez”. Súbito retornava à dimensão terrena e contemplava as
mulheres de bruços sobre a areia -- “contemplai ó poetas, a bunda
dessas ninfas!”, exclamava heroicamente. Da inspiração colhida nos
passeios pela costa cearense escreveu o poema “Sensualismo”, que
começa com o seguintes versos: “vou comer a bunda dela/ que bunda
cor de canela!” Passando rapidamente do terreno do erotismo para o
campo do lirismo, recitava Castro Alves: “Cansado inda do dilúvio,/
qual Tristão descomunal,/ o continente desperta/ num concerto
universal”. Recitava caminhando pela praia e enaltecendo a
genialidade do poeta condoreiro: “Quem sempre vence é o porvir”. Via
nos versos do grande bardo baiano um hino triunfal em louvor da
cultura e da civilização: “O livro, esse audaz guerreiro/ que
conquista o mundo inteiro/ sem nunca ter Waterloo”/.
“Gosto de andar
acompanhado por uma coorte de malditos iluminados, uma casta legião
de poetas”, reiterava o bardo. E exclamava, afirmando sobre si
mesmo: “ô macho culto, esse José Alcides Pinto é um gênio, esse
puto!”.
Lembro-me de que,
na volta da praia, com o calor abafado que ficava no carro, o poeta
jamais sentava de imediato no banco quente. Esperava sempre alguns
minutos com o automóvel de portas escancaradas até o ar entrar e
refrescar os assentos. Apesar da vida sexualmente dissoluta, o poeta
não negligencia os cuidados com a saúde. Para cuidar dos males da
coluna ia nadar na piscina olímpica do Náutico Atlético Cearense.
Obtinha, com o Avelino Dutra, um dos diretores do clube, dois
permanentes que nos davam direito a freqüentar a piscina, sem a
obrigação de nos associarmos.
Essa regalia era
paga com livros autografados, que oferecia aos diretores do clube.
Nossos amigos comuns têm muitas histórias engraçadas sobre o
Alcides. Uma delas me foi contada pela amiga Maria Auxiliadora, mais
conhecida pela alcunha de Dorinha. No dia em que o viu pela primeira
vez, nas imediações da Praça do Ferreira, no centro de Fortaleza,
Dorinha o conhecia apenas de nome e de fotos no jornal. Pois quando
passava pelos redutos de paquera do Alcides, foi notada pelo
fauno-poeta, que ao vê-la se desdobrou em galanteios, como costuma
fazer a todas as mulheres bonitas que passam. Falou o seguinte: “que
coxinhas bonitinhas, grossas!” Ela olhou para trás e o reconheceu. E
disse: “Ah é o José Alcides, só podia ser o poeta pornô, que tem
fama de sem-vergonha, mas não pensei que ficasse elogiando todas as
mulheres em plena rua!” Alcides gostou de sua franqueza e logo se
tornaram amigos.
Irreverência e
ceticismo
A irreverência de
José Alcides Pinto se verifica na vida como na
literatura. São
famosas as polêmicas que manteve com alguns escritores, cuja atitude
desleal numa crítica ou comentário pejorativo feriram sua
sensibilidade e despertaram suscetibilidade. Sempre respondeu às
criticas ferinas com palavras duplamente mais pesadas e mais
sarcásticas que as dos ofensores. Jamais hesitou em dizer o que
pensa de quem quer que seja, ainda que se trate de uma autoridade
política ou policial. Declara, por exemplo, que a maioria dos
secretários de cultura que o Ceará teve foi gente incapaz de exercer
a função. Com exceção de uns poucos como o Joaryvar Macedo e o
Eduardo Campos, “a maioria realmente ficou pendurada nos cabides
oficiais e não quer nada com literatura e nem qualquer tipo de arte.
São apenas maus políticos”. A verdade é dura, mas irrenunciável.
“Toda vida consciente é uma revolta”, cita Albert Camus.
Como polemista
impiedoso demonstrou que muitas criticas que recebeu foram feitas
apenas por inveja e decidiu respondê-las à altura. Alguns dos mais
renomados autores da província e de outros estados engrossam as
fileiras dos que passaram pelo crivo rigoroso da represália do
Alcides. Bem feito, quem os mandou se meterem a bestas. Pra que
foram pisar na asa do anjo maldito? O castigo não tardou. “Não trago
desaforos para casa, já que não os levo para a rua”.
Exemplificam a
virulência da verve alcidiana os poemas que retratam o tema da
injustiça social. A indignação diante da miséria humana e da
hipocrisia com que a burguesia tenta justificá-la suscita a sua mais
veemente invectiva. No “Poema da Moral Exigida”, do livro Poeta Fui,
Ora Direis, escrito sob o signo da irreverência e da ironia, o poeta
apresenta um plano iconoclasta e revolucionário para subverter a
falsa ordem. Propõe um anarquismo delirante como protesto pela
condição absurda da sociedade. E com a voz do inconformismo, comanda
o enforcamento das autoridades e até de alguns dias da semana...
Confessa e reconhece o ceticismo de sua ideologia: “de nada
adiantaria/ surgiriam novos tiranos/ novos parlamentares corruptos/
com cara de veteranos”.
O ceticismo que o
impulsiona à irreverência e a ironia provém de sua compreensão de
que a humanidade evoluiu no sentido do mal. Sua forma de interpretar
o comportamento humano através da história constitui uma chave para
a interpretação de sua obra literária. Durante a viagem que fizemos
a fazenda Terras do Dragão, onde o poeta se refugia para meditar e
escrever, Alcides falou-me de suas idéias sobre diversos aspectos da
realidade humana. Segundo seu entendimento, o que vemos diariamente,
em todas as classes, em todo o mundo, mostra que o homem não esta
caminhando no sentido do bem. Observamos em toda parte o sofrimento
causado pela ganância e pelo ódio, onde deveria prevalecer o bem,
que é um patrimônio público subtraído da maioria pela minoria que
detém o poder econômico. A natureza é boa, mas os homens não a
imitam. Nisso consiste a beleza e a tragédia do mundo, pois se a
humanidade fosse toda conduzida para o bem, tudo se transformaria
num paraíso, sem que o homem tivesse méritos para tanto. Há
necessidade de que o mundo seja composto do bem e do mal. Essa
disparidade sempre existiu desde os tempos mais antigos, desde o
tempo da escrita ideográfica e mesmo antes dela, mas segundo entende
Alcides, naquelas épocas os homens eram mais felizes, porque não
havia outras opções ou ambições. O homem vai-se transformando com a
evolução, mas não difere do animal em termos de defender-se e
procriar. E revela uma maldade natural mais aguda que a dos animais
inferiores, pois impõe sua força, como um ditador, contra os menos
favorecidos. O homem se tornou escravo da própria ciência, por
exemplo, no emprego da força atômica. Egoísta e perverso, sua idéia
de dominação do outro parece que não vem do homem primitivo, pois
este direcionava sua força física e mental para dominar as feras e
sabia harmonizar-se com a natureza. O homem contemporâneo, como não
tem mais feras para dominar, volta-se contra o semelhante e o agride
gratuitamente. Além disso não tem o sentido da eternidade, a não ser
o do poder e do dinheiro; o do egoísmo e do sexo. Já no tempo do
Império Romano, os reis, os grandes ditadores, criaram muitas
instituições perversas. Durante os pagodes de Roma, por exemplo, que
são uma das fontes do catolicismo, os cristãos eram atirados à cova
dos leões, enquanto a platéia bebia vinho e dava gargalhadas.
E eles sabiam que era um cristão, que tinha uma alma e um corpo
igual ao deles. Por isso Jap acha que o mundo evoluiu e involuiu
paralelamente, sendo que a involução foi maior que a evolução.
Acredita que as duas bombas atômicas que os americanos jogaram sobre
Hiroxima e Nagazaki, matando milhões de crianças, velhos, mulheres
num minuto, criou um estigma no mundo que ninguém pode apagar
jamais. As bombas não se justificam como fator de interrupção da
guerra como querem explicar os americanos. Uma matança, um
extermínio de tal enormidade é diferente de uma matança gradual
durante uma guerra convencional. É possível que a guerra terminasse
aos poucos sem a necessidade de apelar-se para a bomba atômica.
Hitler não podia ser eterno. Era um homem, não era o anticristo. A
existência do anticristo é uma figura de retórica. Ele era um
perverso, com um exército altamente bem equipado, com uma disciplina
extraordinária. Mas o mundo apavorado com o nazismo só encontrou
essa saída, que no entanto não foi correta.
A humanidade
precisa se conscientizar de que existe um Espírito Superior regendo
o universo. Os homens deviam imitar o exemplo das abelhas e dos
pássaros, que trabalham de forma harmoniosa. Deveria haver entre os
homens o verdadeiro espírito de humanidade e de desprendimento. Só
assim poderemos ver nos astros e nos animais o espírito divino.
Enquanto não houver essa consciência, essa fraternidade que deve ser
universal, não haverá paz no mundo. Se é possível a guerra,
porque não é possível a paz? Os homens precisam se humanizar, seguir
as escrituras. Se se adotasse a quarta parte da sabedoria que o
Cristo deixou no mundo não se desprezaria o espírito. Seriamos mais
solidários, mais dignos, mais tementes a Deus, pelo exemplo que o
Cristo deixou na Terra e pelo próprio exemplo do universo. O
universo é um todo orgânico onde reina a paz. Nele não há guerras,
só harmonia. Diz Teilhard de Chardin que Deus é uma espiritualidade
cósmica em expansão. O Deus que se encontra em expansão somos nós
mesmos, os seres humanos. Mas o problema é que nem sempre evoluímos,
pensa Alcides. E, segundo acredita, o sexo não é a causa dessa
involução. O sexo é integração do espírito. Ele só se torna um
instrumento de regressão quando o homem o vulgariza, vulgarizando-se
a si mesmo.
O Ceará, a
natureza e o mundo.
Quanto à
influência da cultura regional em sua literatura, Alcides declara
que a fidelidade às raízes e à paisagem cearense é a referência pela
qual exprime a universalidade em sua obra. A fauna, a flora e a
paisagem cearense estão presentes de forma marcante em sua poesia e
em sua ficção.
A infância é o
fator preponderante na formação de todo indivíduo. Em qualquer país,
época ou regime social, a infância é a matéria-prima de qualquer
escritor. Ela acompanha toda a trajetória do homem. A realidade
social e geográfica do Nordeste brasileiro são elementos que
ressaltam em sua obra. O Nordeste, região de contrastes, carregada
de mitos, de símbolos e do sobrenatural, produziu grandes poetas,
como Padre Antônio Tomás, José Albano, Manuel Bandeira, Ascenso
Ferreira, e grandes líderes espirituais como Frei Damião, Padre
Cícero e Antônio Conselheiro, entre outras figuras que transpiram
religiosidade e que estão presentes na arte alcidiana. “Esta
paisagem sou eu, é a minha vida, são meus olhos, meus sentimentos,
minhas recordações, que se transformam na minha criatividade
literária, na poesia e na ficção que escrevo. Se eu não
tivesse nascido em São Francisco do Estreito, no Ceará, jamais teria
escrito O Dragão, João Pinto de Maria, Biografia de um Louco e Os
Verdes Abutres da Colina”. A geografia do Estado está retratada em
Acaraú, Biografia de um Rio.
Jap carrega dentro
de si imagens do ambiente místico e mítico de sua infância, a
paisagem do rio Acaraú, os trabalhadores das vazantes, das
plantações. Sua experiência fundamental está no âmbito sertanejo.
Seu veio telúrico adquire proporções mágicas em “Acaraú, Biografia
do Rio”, onde, segundo o crítico José Lemos Monteiro, Jap pretende
antropomorfizar o rio a partir do próprio título. Segundo o autor de
Universo Mí(s)tico de José Alcides Pinto, um dos fatores principais
da tendência ao fantástico e ao sobrenatural na escritura de Jap
provém das experiências vividas em sua infância, no ambiente de
penúria e catástrofe, em que o sertanejo é vítima de secas e
enchentes arrasadoras, tragédias que tornam o sertão uma região
mística, palco do fanatismo, da desolação e da insegurança que
fundamentam o pensar de Jap. Tão absurdas e terríveis imagens,
gravadas em seu subconsciente, o convenceram da impenetrabilidade do
mistério e da vulnerabilidade do ser humano. E diante de sua
insegurança e fragilidade, resta ao ser mortal o mergulho no
absurdo, no irreal. Em conseqüência disso, nos romances que
escreveu, a paisagem se transfigura através da satanização do
ambiente: a serra do Mucuripe é caracterizada como um antro de
abutres demoníacos que sobrevoam o povoado à procura da carniça dos
mortos, vítimas da fome ou das enchentes. Assim, os pecados, as
debilidades e os flagelos humanos são retratados em seus romances
através da caracterização dos personagens. O vício sórdido da
avareza é focalizado na figura de João Pinto de Maria, que após uma
vida aviltante e mesquinha, enlouquece de vez e beatifica-se
subitamente. Trata-se de um caso de fanatização absoluta, sem
meio-termo, de fanatismo extremo, um fenômeno absurdo, inexplicável.
O transe, a ascese mística de João Pinto de Maria é típico da
concepção existencial de Jap, ou seja, a de que nada faz sentido e
que tudo é possível num universo ilógico. Também é próprio da
personalidade do autor o oscilar entre a devassidão e a razão, entre
a blasfêmia e a devoção, como demonstram fatos de sua vida. Sua
tendência ao hábito franciscano nos momentos de fervor religioso e a
negação dos postulados da fé nos instantes de irreverência. Sua
propensão ao anarquismo e sua sede de justiça. Outros paradoxos
veremos no decorrer do livro. Acontece que o poeta acredita que o
homem pode-se redimir de uma vez por todas e purificar-se num
simples ato de contrição, num átimo em que a consciência se ilumina
pelo reconhecimento de seu pecado, numa conversão absolutamente
redentora. Portanto, não se deve ter pressa em purificar-se. Pode-se
aproveitar o tempo para fazer algumas sandices enquanto não chega o
momento terrível, ou quem sabe, o momento luminoso da redenção.
A respeito da
Trilogia da Maldição, o escritor e psiquiatra Carlos Lopes escreveu
sobre os personagens da ficção de Jap, em sua tese intitulada A Voz
Interior em José Alcides Pinto, que se trata de homens vitimados
pelas intempéries e pelas estruturas econômicas oligárquicas cujo
destino e a destruição, como o caso de João Pinto de Maria que finda
os seus dias na mais completa loucura e do Padre Tibúrcio, que
também imerge numa espécie de alienação. Contudo estes dois
importantes personagens da tragédia clássica criada por Alcides são
dotados de certa lucidez se comparados aos demais habitantes do Alto
dos Angicos, totalmente imersos na inconsciência e na depravação. E
verdadeiramente cinematográfica a maneira como Alcides os qualifica,
em O Dragão. “Vidas apagadas, inúteis, sem sentido. Criaturas
idiotas que de manhã abrem as portas, se espreguiçam, dão dois
passos dormentes até a beira da calçada, mijam e ficam olhando o
tempo. As mulheres levantavam-se de lundum. A cara enferrujada.
Catando pulgas nos cós da saia. Coçando a bunda e as virilhas.
Mijavam de pé como as vacas, no quintal ou no terreiro. Enxugavam-se
com o sungão e faziam o café. Às vezes iam até a bodega e ingeriam
um dobrão de cachaça. Cuspiam ao pé do balcão. Calçavam o queixo com
a masca de fumo e repetiam o trago”. Enquanto comíamos rapadura e
cuscuz nas Terras do Dragão, explicou-me que o personagem central de
“O Dragão” foi inspirado no sacerdote da paróquia de São Francisco
do Estreito, Padre Araken da Frota.
Os demais
personagens também foram inspirados na vida e nos costumes do povo
da aldeia de São Francisco do Estreito, terra de nascimento de Jap.
É através da caracterização do comportamento da geração ribeirinha
que ele compreende o pensamento universal do homem e transpõe a sua
concepção para o que escreve. Por isso se refugia na fazenda. Ali
encontra o cenário e a matéria prima de sua arte: o silêncio e a paz
de espírito que não existem na cidade, o céu pleno de estrelas e a
quietude do sertão que jamais o entediam. Declara que só se entedia
se não tiver uma companhia, pois para um artista a falta de diálogo
pode tornar a vida insuportável. “Não posso ainda conversar com os
astros”. E não há quem consiga bastar-se a si mesmo de forma
absoluta, conversar com os astros, com os anjos, nem que sejam anjos
hipotéticos.
Na fazenda Terras
do Dragão guarda alguns objetos de estimação. Além do manto
franciscano e de alguns livros seus e de amigos, tem a foto de João
Firmo Cajazeira, um caboclo do Estreito, homem pobre e honesto, que
era considerado um santo. Ele predisse a hora que ia morrer, mandou
comprar a própria mortalha e disse que quando o padre chegasse já
ele teria morrido. E tudo isso aconteceu. Era uma alma
virtuosíssima. Por isso o poeta colocou na parede de sua casa a foto
do “santo”. Trata-se de um dos personagens do livro “Os Verdes
Abutres da Colina”. Era chamado de “João Grelô” porque tinha um olho
torto. Os meninos gritavam, vem cá João Grelô e atiravam-lhe pedras.
Ele não reagia e continuava caminhando, com a cabeça sangrando. Não
dizia nada. Seu melhor amigo, que se chamava Messias Lourenço, outra
pessoa singular, que também é personagem do mesmo romance, costumava
brincar com João Firmo. Dizia que seu amigo olhava sempre para cima,
para os astros, enquanto ele só via o que estava em baixo. Um dia
Messias perguntou a João Firmo: quantos cestos dá o serrote do
morro? Deixa eu pensar, Messias. Se for um cesto do tamanho do
serrote só dá um. Nesse livro tem tudo isso. Messias, tu tá me
vendo? pergunta João Firmo. Tô não, tu só olha pra cima, pros
astros, e eu só olho pra baixo. Sem jamais ter lido livros, João
Firmo sabia decifrar cartas enigmáticas. Sabia histórias de muitos
reis. Contava a vida de Cleopatra, Herodes, Nero e outros, como se
tivesse lido enciclopédias. Um dia decifrou até hieroglifos e
caracteres ideogramáticos que lhe mostraram num almanaque. Era um
fenômeno, um homem puro. Alcides se considera privilegiado por ter
tido a chance de conhecê-lo. Todos os dias se levantava às 3 horas
da madrugada e ia a pé do Alto dos Angicos até Santana do Acaraú,
vários quilômetros de distância. Voltava às 7 da manha e continuava
a trabalhar o dia todo no Alto dos Angicos. Quando previu a própria
morte, deu o dinheiro para o caixão e mandou fazer a cova.
Chamaram o Padre
Araken, que veio a cavalo e confirmou-se o que havia previsto. O
padre não chegou a tempo de lhe dar a extrema-unção. Outro
personagem seu é o padre Araken. Alcides recorda um episódio em que
o pai de uma moça veio queixar-se ao padre que um caboclo havia
comido a sua filha. O pai da donzela levou o cabra, que era nativo
da Serra do Mucuripe, à presença do vigário, para que ele punisse
aquele crime. E Araken disse: Você tem que casar com a filha desse
cidadão aqui. E ele, eu me caso, seu padre, mas eu tô desempregado.
E o sacerdote retorquiu: vou lhe dar uma enxada de 3 libras e meia e
uma foice pra você trabalhar. Vocês, da Serra do Mucuripe, são uns
chupadores de caju! O meio ácido pede uma fruta acida onde dissolver
seus sais... Referia-se à mulher como fruta ácida...
Na fazenda mantém
sempre cabeças de alho espalhadas pela casa para afastar os demônios
que farejam-lhe os passos. Não há nada de exótico, nada fora do
comum para José Alcides Pinto. Um poeta íntimo das forças
ocultas do universo, um homem que detesta a falsidade e rejeita
homenagens. Jamais aceitará ingressar na Academia Cearense de
Letras.
Cada amigo seu que
entra para aquela agremiação torna-se um pouco menos amigo, pois
acha o academicismo uma banalidade e um embuste.
Em São Francisco
do Estreito quiseram render-lhe homenagem colocando o seu nome numa
praça. Ele não aceitou. Não faz questão disso, acha bobagem,
frescura. “Lanço minha maldição sobre todo aquele que prestar
tributo à minha memória”, escreveu em Relicário Pornô. O importante
é o seu apego à região onde nasceu e onde passou a infância. Esse
zelo pela gleba de seus ancestrais, aquele rincão árido e quente
onde viu a luz do sol pela primeira vez e que o inspirou tanta
literatura. Pensa em vender a fazenda, mas só para algum amigo que
possa conservá-la. Já me ofereceu a fazenda Terras do Dragão para
que a comprasse, mas eu lhe disse que não tinha condições no
momento. Alcides recorda que em sua infância São Francisco do
Estreito se chamava Alto dos Angicos e era um matagal cheio de
raposas berrando, redemoinhos carregando tudo. O rio Acaraú
derrubando barrancos, carregando cercas, inundando plantações,
destruindo os casebres da gente pobre ... Esse ambiente selvagem
está configurado nos seus romances, especialmente em "O Dragão" e na
"Trilogia da Maldição".
A configuração do
universal através do regional aparece em sua obra nas imagens da
realidade nordestina, presentes no discurso de sua ficção como em
sua poesia. Nos versos: “Assim vou cantando o verde/ ruminando essa
metáfora/ como a cabra sua semente”, do poema “Verde que te quero
azul”, nota-se a metáfora recolhida do universo camponês, que mostra
a sua sensibilidade profundamente marcada pelo ambiente do sertão. A
consciência do homem rural prevalece, em grandes momentos de sua
estética, sobre a realidade da vida urbana. As imagens telúricas do
universo regional se encontram intensamente em sua poesia: “Escrevo
teu nome/ no esterco do gado,/ no mijo das cabritinhas”. (Teu nome).
Os elementos de natureza, que produzem para a humanidade as
condições vitais: o vento, os astros, a flora e a fauna que habitam
a terra, são referências determinantes na sua criação. O fenômeno
natural é o amálgama, o elemento original que o poeta transfigura em
sua alquimia verbal. Em Acaraú, Biografia do Rio, a paisagem terrena
é transmutada no mito: o relevo de Jericoacoara, de morros
vermelhos, lembra o coração de Netuno. A figura do Frade de Pedra,
que se avista na serra de Itapajé, domina o panorama, sugerindo a
presença de um monge que se eleva acima do chão. Os soterramentos da
velha igreja de Almofala pelas dunas trazidas por “ventos
malditos”,também suscitam a lembrança do sobrenatural: “como se os
demônios fizessem ali morada”.
Enquanto
viajávamos para as Terras do Dragão, sua fazenda, o poeta disse:
“Estamos caminhando para o mito, quando escrevemos um poema, também
fazemos parte de um mito. Toda palavra tem sua mitologia, está
carregada de sortilégio, magia, mistério, símbolo. O poeta é um mito
e só através da poesia compreende sua situação no mundo. A natureza
é pródiga, ampla, não tem limites. O homem é que é limitado. Mesmo
os autores de grandes invenções como Thomas Edison e Santos Dumont
dependem da natureza. Mas ela não subjuga o homem, dá-lhe tudo e não
depende dele para nada. Quando é a estação de chover, a chuva
acontece.
Na época de dar
frutos, sazona e produz a colheita, a flor abre os pistilos e se
oferece às brisas no momento certo. As aves e os beija-flores a
fecundam como a mulher. No verão há o caju, rico em ferro e a cajá,
em vitaminas. No inverno temos outros frutos e cereais, como o
feijão e o milho, ricos em amido. É a natureza que mudou, entrou em
outra fase, obedecendo os seus próprios desígnios. Ela é sábia e
nela o homem deve inspirar-se. Mas não se encontram no homem as
características dos astros, do mar, do vento. O homem se torna
importante na medida em que reconhece esta verdade e dela dá
testemunho, transmitindo a beleza da natureza através da expressão
artística”.
Os livros Os
Cantos Tristes da Morte e Fúria retomam a temática da indignação
face à injustiça social reinante no Nordeste brasileiro. Neles, o
repúdio à fome e à penúria impostas ao nordestino se faz denúncia e
protesto. Tamanha indignação nem a hipérbole pode descrever: “A
fome, como um incêndio sem ruído,/ mastiga a luz, rói os crustáceos
do céu,/ e come o próprio corpo aos pedaços/. Assim o homem do
Nordeste se come por inteiro/ - cão agarrado ao seu único osso. “No
clima psicológico de ambos os livros há uma atmosfera macabra, em
que corvos sobrevoam sobre homens descarnados, esqueletos e ratos.
Os demônios suscitam ira e blasfêmia. E o drama se torna mais
angustiante, pois mesmo os poetas parecem insensíveis à miséria de
seu povo. Só os poetas, que ainda constituem uma reserva moral, um
baluarte de luta ante tal condição degradante, só eles ainda se
condoem da penúria de seus semelhantes. Mas apenas os mais
autênticos se sensibilizam com os problemas sociais de sua terra.
“Onde estão os poetas deste país?” pergunta ele no poema. E
responde, com ironia, que andarão empoados e melancólicos, como
arlequins de ventres intumescidos e nádegas gordurosas. E assim
narra, com estonteante força expressiva, o drama da miséria
nordestina e a indignação do homem explorado e esbulhado pela
inexcrupulosidade dos patrões calhordas. Num libelo de angústia e
revolta, constata, estapafúrdio, a pândega de violência desencadeada
pelo crime da desonestidade: “Para onde se destina essa leva de
almas extintas e condenadas?/ Mais temíveis que hienas, mais ferozes
que lobos selvagens/. O que tocam, destroem; no que cospem,
incendeia/”. Abomina tal iniquidade que provoca a rebelião de um
povo faminto, de uma raça sedenta de justiça. E ao denunciar a
calamidade da urbe descreve o combate das almas sufocadas contra as
tropas opressoras -- uma luta cruel e injusta de facas e cacetes
contra metralhadoras e fuzis. A poesia de Jap se nutre do limiar do
desespero, alumbra-se no teatro do pesadelo. Por fim a revolta
explode em gritos de ódio. Ante tamanha injustiça, a revolta parece
ser a única solução: “A cidade é dos revoltosos/. Justiça se faz com
as mãos. As ruas estão cheias de soldados armados de metralhadoras e
fuzis/. Mas os retirantes não cedem: a faca na cintura, o cacete no
punho levantado”.
Em “Fúria” também
protesta contra a deterioração das condições de vida do povo
cearense, especialmente os camponeses. O título do livro, “Fúria”,
reflete o clima de violência de seus poemas. E o seu desabafo
envereda na linha do pornográfico. Só a linguagem chula pode
descrever os aspectos sórdidos da realidade social no Terceiro
Mundo. O ambiente em que aparecem essas abjetas imagens é o da lama
e do lixo, onde rosas e espermatozóides se misturam em meio às
explosões e ao terror da guerra.
Quem pode ficar
indiferente a esta derrota e esta vergonha, cujos responsáveis
diretos são os tiranos, os príncipes maquiavélicos? Súbito assoma o
discurso político. Vocifera contra os déspotas e os magnatas.
“América, quantos
ditadores mais terias, não fosse a consciência proletária dos que
por ti se sacrificaram, sem escapar das bocas suturadas um só
grito?” Tal é a situação de pânico e de calamidade no deserto
selvagem da sociedade capitalista: “uns pedem amor, outros pão”.
Insólita visão de um mundo de canalhas, desonrados, prostitutas
grã-finas e pederastas. E diante desse quadro escatológico e
apocalíptico, confessa: “Nasci do abominável das coisas
abomináveis”. Seu pessimismo se reflete ao longo da obra, numa
fulguração de angústia. “Tudo caminha para a poeira: a fome, a fé, o
êxtase. Tudo sem razão”. Mas um sopro de esperança ainda se
pressente.“O vento da náusea açoita os homens, mas a fé não morre, a
fé -- dimensão mais forte do mundo”. É a esperança de que o império
das raposas termine.
Mas o lodo que
invade a alma, o terror e o pânico da morte e toda sorte de sordidez
o poeta recolhe para enfeitar os cenários do livro: piolhos,
mênstruo, blenorragia, fezes, urina, esperma e outras relíquias. Por
fim, em tom profético, vaticina o castigo dos ignominiosos. Sua voz
adquire dimensão bíblica, apocalíptica. Prediz a ruína dos tiranos
que perecerão, escravos da própria maldade, vítimas dos calabouços
que construíram: “Manicômios, cárceres, leprosários, albergues, abri
vossas portas/ a esses corruptos assassinos./ O império das Raposas
Velhas está terminado”.
Vislumbra então
perspectivas de esperança em meio ao trágico influxo de peçonha das
víboras e da ferocidade dos chacais. Nova aurora ressumbra no
horizonte humano. É a poesia que rebrota em eterno devir, no retorno
dos ciclos e das eras, permanente no coração da humanidade. Da luta
titânica Ormuz vencerá o satânico Arimã e o poeta erguerá
jubilosamente o facho da vitória, qual Zoroastro, com a sagrada
flama nas planícies da Pérsia: “Por trás do leste surge um novo sol
dourando o dia”/ ofuscando, com sua luz, os olhos venenosos dos
chacais./ Eles serão enforcados nos próprios coletes/ como as
víboras engasgadas com os monstros que geraram.”/ Um escritor não
pode cruzar os braços diante da injustiça. A condição humana é a
medida de sua dignidade.
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