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Aldo Votto
DOZE TRABALHOS
I
Percorri todos os mundos
para colher a erva gridelim
e te dar
Mergulhei em todas as águas
Para encontrar o peixe cúpreo
E te oferecer
Desapareci em cavernas e desfiladeiros
Para cavar a pedra carmesim
E te entregar
II
Li todos os livros
Que minhas mãos alcançaram,
Para te ensinar o que aprendi
Ouvi todos as canções
Que meus ouvidos perceberam,
Para repeti-las e te encantar
Mirei todas as telas e aquarelas
Que meus olhos permitiram,
Para imitá-las e te retratar
Carreguei todas as madeiras e rochas brutas
Que meus braços suportaram,
Para extrair delas teu busto perfeito
III
Arrastei todo o barro e cerâmicas
Que as minhas pernas sustentaram,
Para erguer teu abrigo perene
Plantei muitas florestas de musgos e heras,
Mais do que meu corpo supôs lograr,
Para te amparar à sombra do dia
IV
Enfrentei tantos batalhões e leões
Quanto minha coragem consentiu,
Para proteger-te da fúria das feras e dos homens
Negociei incontáveis tratados com os poderosos,
Tantos quantos minha resignação admitiu,
Para brindar-te com a paz improvável
E depois de tudo,
Só me sobraram a caneta e o papel
Para escrever-te
Um poema de despedida.
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MAR
O mar é muito.
Por isso a praia é linha;
A onda é arco,
O barco é ponto
E o horizonte é reta.
O mar é tanto,
Que mesmo o céu é pouco,
As nuvens são manchas
E a chuva é acréscimo.
O mar é tamanho
Que o sonho é remanso,
As ânsias são capricho
E o grito é suspiro.
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A COR DA SAUDADE
Um triste peito feminino
Pergunta com singeleza de criança
De que cor é a saudade,
Se branca é a paz, e verde a esperança.
Quem dera saber desse mistério
Terei, quiçá, um ou outro palpite.
Deve ter a saudade algum tom cinéreo
Entre o da neve e o do grafite
Pois como a cinza verdadeira
Guarda um tanto do que queimou,
A cinza cor não deixa por inteira
Ir embora a luz que chegou
A saudade é meio nuvem de tempestade,
Por isso, plúmbea, pesada, alta e ancha
Tem o matiz da montanha de madrugada,
É um pouco cor do tecido, outro tanto cor da mancha.
A saudade, estou quase convencido,
É uma emoção meio gris,
Mas pelo que tenho entendido
Só a sente quem já foi feliz.
Que coloração teria este sentimento
Que chora sobre o pouco que resta
Senão o esgotado brilho cinzento
De um salão de baile depois da festa?
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CHUVA
Chove a chuva
que há muito tempo chove;
que choveu sobre meu pai,
e que sobre o pai dele choveu.
Chove, chove, chove
a chuva que se procura
para voltar a chover, chover, chover.
Chove a chuva
perene e indiferente
à secura que dentro de mim possa haver.
Chove a chuva
que choveu sempre
e que daqui a tempos
sobre o meu filho choverá,
Constante e alheia
às estiagens da alma dele,
chovendo tanta e tanto,
quanto choveu sobre
meu avô,
sobre meu pai
e sobre mim.
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ESQUELETO
Esqueleto
Mais triste
Que o prédio abandonado
É o que foi deixado
em construção
Em que o musgo
Tomou o lugar da cal
E a sombra,
O lugar do reflexo.
Desfaz-se a obra
Que ainda não se fizera
E os tijolos viram tigelas
Para algum pombo citadino
A altura, em vez de imponência,
É ameaça de acidente.
Mas mais que tudo,
O prédio inacabado
é oco de gente;
Espaço semi-construído,
Sequer meio vivido.
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MIGRANTE
Na minha terra eu era mais um,
Agora sou menos.
Menos passante,
mais observador.
Levou-me a década
Para outro tempo e lugar,
Lá sou mais.
Mais transeunte,
menos vedor.
E onde quer que, por ventura, esteja,
Lá ou cá,
Busco a dimensão
Que me rejunte.
Que componha meus tempos,
Que reunifique meus hemisférios.
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