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Bernardo Linhares
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Ressaca
Pássaro do dilúvio,
confiante na força dos teus braços,
não sou a sombra cravada no
crepúsculo,
que deixa o mar coberto de sargaço.
Cansado dessa tarde cinza-escuro,
ressaca onde o azul foi apagado,
navego o meu olhar para o futuro,
mergulho e saio dessa tempestade.
Não há mais nada flutuando além da
bruma.
Nem a lua ilumina o holocausto.
13/O8/2007
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Azul
Para Luzia e
JVeloso
O mais
azul de todos os delírios
Sosígenes Costa
Tecendo e penetrando a nova aurora,
a lua nova agora devaneia.
Além da vela, vibra a flor da flora.
O azul cavalga o dorso da sereia.
Nascendo rosa em toda passiflora,
clareia o amarelo e o azul semeia.
Seus tons, seus entretons, fazendo a
hora
o azul cavalga o dorso da sereia.
No verde, coroada por gaivotas,
a lua nova permanece acesa.
Feliz, a cor do mar dá cambalhotas
mostrando sobre as águas seu
sorriso.
A vida segue a trilha da beleza
do azul que faz de tudo um paraíso.
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CAROLINA
São rosas na bruma
buquê de gaivotas
por cima das águas
bordadas de espumas.
Com linha da costa
de seda tão pura
costuro tua moda
na vela do barco.
Ternura mais funda
os fios da corrente
revelam teus laços...
Cortando o silêncio,
um amor imenso
navega no vento.
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O Sol
Ao poeta Ruy
Espinheira Filho
Depois da noite em chamas,
cantando nas espumas,
o mar ainda é rubro,
ouriçado de escamas.
Feito uma concha, rosa
secreta sob as ondas,
a lua fecha os olhos
e oculta a própria sombra.
No céu surge outra chama,
na chama vários tons,
nos tons todas as gamas.
O sol, concha amarela,
transforma a aurora escura
num céu de madrepérola.
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Madrepérola
O céu também é madrepérola
no seio cálido da aurora;
as minhas mãos são duas conchas,
onde deslizam tuas pérolas;
são duas pérolas douradas,
brilhando assim, tranqüilas, claras;
em meio às luzes desse bálsamo
e o céu da boca à flor da pele,
levo nas mãos teu coração;
ao florir das primeiras horas,
teu seio é cálido na aurora.
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Sertanejo
Para Miguel Carneiro
O anjo partiu enrolado na rede.
Cruzes entoam rosário de preces.
Reses perdidas procuram pastores.
Alma penada suplica por hóstia,
e o diabo é o sol queimando nas costas...
Carneirinho, Carneirinho meu santo,
lá, onde o inferno tem fome e fama
com a graça de Maria Imaculada,
teu pé no pó anda léguas de encanto,
terna imagem do azul, manto celeste.
Poema é curto, no cabo da enxada,
estalando dedos, fio de navalha.
Sementes são calos, não cicatrizes.
Meu santo, tuas mãos pulsam raízes.
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Rapina
Para Zeca de Magalhães
Leque ríspido, incoercível pássaro,
asas abertas, navegando cactos,
seguindo a seca que fulmina os círios,
a rapina aterrissa em crucifixo.
Meia noite, pau d’arco, corre a lágrima
da carneira tábida, a nave mármore
com ossos no ninho, coroa e espinhos,
insere duas cruzes no epitáfio,
depois aponta o bico para o céu.
Mal aventurada, cruel, rapina,
fera faminta, infeliz e funérea.
Sua fúria desafia e fascina,
ela, que vigia no mundo a miséria,
a morte, amigo, é que ilumina a Terra.
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