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Castro Alves


Marilene Felinto


Castro Alves - O eterno abc de Castro Alves
in Folha de São Paulo, 16/03/97


Em 1941, Jorge Amado escreveu um chamado ``ABC de Castro Alves'', uma louvação, de baiano para baiano, uma biografia romanceada do poeta, com todas as tintas do ambiente incestuoso, e por isso limitado, característico da cultura baiana. É incrível como o populismo demagógico da política de um baiano contemporâneo como Antonio Carlos Magalhães é o mesmo que está presente na prosa de Jorge Amado e em certa poesia de Castro Alves.

"Há momentos no mundo em que todas as forças de uma nação se conjugam e (...) aparece (...) demoniacamente belo, justo e verdadeiro, um gênio. Nasce dos desejos do povo, das necessidades do povo. Nunca mais morre, imortal como o povo'', Jorge Amado declama sobre seu ídolo. O ``ABC'' de Amado é uma bobagem a ser perdoada. Castro Alves não é nenhum gênio. Tem apenas alguns momentos de genialidade numa obra irregular e curta -aliás, a qualidade da obra de todos esses poetas românticos que morreram tísicos e cedo demais (Castro Alves morreu aos 24) devia ser relevada, senão por motivos estéticos, ao menos porque não tiveram tempo suficiente para amadurecê-la.

Castro Alves só é grande artista quando consegue se livrar do "delírio verbal'', em expressão de Antonio Candido: "Nos bons momentos, há nele uma força de gênio que transpõe a emoção além dos problemas de gosto, ao superar a tendência para o verbalismo sem nexo, presente em boa parte da sua obra''. Entretanto, ouçamos mais Jorge Amado de palanque -afinal, a praça Castro Alves é do povo!: ``Que se danem os historiadores!

(...). Quero é escrever sobre Castro Alves com amor, como um homem do povo sobre um poeta do povo. (...) Que, ao lado dos meticulosos historiadores, se danem os meticulosos críticos e analistas''.

Paciência. Daqui desse lugar em que me dano -e bem longe do povo- para escrever sobre os 150 anos do nascimento do poeta (Antônio Frederico de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847, na fazenda Cabaceiras, próxima da hoje cidade de Castro Alves, Bahia), nada mais adequado do que tentar um ABC atualizado de Castro Alves (leia mais sobre o poeta às págs. 5-11 e 5-12). Se fosse hoje, os versos do poeta viriam de outras fontes de inspiração, das musas contemporâneas, mas das eternas também, quem sabe as que vão nesta página.


Fontes:
Antonio Candido - ``Formação da Literatura Brasileira''
Marisa Lajolo e Samira Campedelli - ``Literatura Comentada
- Castro Alves''
Jorge Amado - ``ABC de Castro Alves''
 

 

O Jornal de Poesia concorda inteiramente com a dona Marilene.

O Castro Alves NÃO é um gênio
O Castro Alves é um Super Gênio!

Assinado: Soares Feitosa, aprendiz

 

Hélio Rola

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Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Léo Schlafman


O poeta dos oprimidos
in Jornal do Brasil, 07/03/97

 

Os 150 anos de nascimento de Castro Alves, comemorados no próximo dia 14, estão sendo marcados pela lançamento da Obra completa do poeta dos escravos pela Nova Aguilar (906 páginas, R$ 62), numa edição que reúne, além da sua produção literária, ensaios críticos e reportagem iconográfica sobre o autor de Espumas flutuantes. Na Bahia, a data será lembrada com a abertura de uma exposição que, depois de ocupar o Teatro Castro Alves, será montada em outras capitais, Rio de Janeiro inclusive. Defensor da causa abolicionista, Castro Alves foi um poeta precoce, de versos melódicos e ardor romântico. Na efervescência política brasileira do século 19, investiu a sua criação poética no espírito libertário e incorporou em definitivo o negro à literatura. O seu lirismo esteve sempre impregnado pelo sentimento da morte e pela precariedade da vida. Morreu aos 24 anos com apenas um livro publicado. Amante obsessivo de pelo menos duas mulheres - uma atriz e uma cantora -, Castro Alves bem ao sabor do sentimento romântico tentou acabar com a sua vida por uma paixão contrariada. Viria a morrer pelas conseqüências de seu gesto. Poeta que levantou um brado de revolta contra escravidão, fez do coração machucado, uma criação lírica.

Passados 150 anos redondos do nascimento e 126 da morte, Castro Alves continua a ser o que ele próprio achava de si: "Sou pequeno, mas só fito os Andes". Polêmicas, revisões, críticas, elogios, tudo continua, mas não resta dúvida, como disse Manuel Bandeira, que ele era "uma criança verdadeiramente sublime, cuja glória se revigora nos dias de hoje pela intenção social que pôs na obra".

Mário de Andrade, que criticou certos aspectos literários da poesia de Castro Alves,sobretudo o mau gosto dos excessos condoreiristas, no quase definitivo ensaio sobre ele em Aspectos da literatura brasileira, observou que "chega a ser sublime o enceguecimento apaixonado com que se entregou a uma grande causa social do seu como do nosso tempo, a dos escravos". Se outros problemas lhe despertaram ainda a "paixão de cantar", e de "cantar freqüentemente mal, com vícios de Béranger e muito de didático", não resta dúvida, no entanto, que sua obsessão pela liberdade, de que a causa abolicionista era a expressão mais clamorosa, personifica uma das melhores virtudes nacionais.

No tempo dele as grandes causas estavam nas praças: republicanismo, insurreição dos negros de Palmares, papel civilizador da imprensa e, acima de todas, campanha contra a escravatura. Por ela, o poeta, em Vozes d’África, dirigiu-se indignado diretamente aos céus, sem intermediário: "Deus! oh Deus! onde estás que não respondes / Em que mundo, em que estrela tu te escondes / Embuçado nos céus? / Há dois mil anos te mandei meu grito, / Que embalde, desde então, corre o infinito... / Onde estás, Senhor Deus?..."

Como a justificar o mote de Lamartine, de que "há mais política num canto de Homero do que nas utopias de Platão", Castro Alves se entregou por inteiro à causa dos escravos. Viveu portanto a causa do século. E morreu, ainda criança, aos 24 anos, de amor, de um tiro no pé e de tuberculose - como se fazia no século.

Sobrou para ele o epíteto de "poeta dos escravos", embora não fosse o único a trabalhar pela causa. Um seu contemporâneo, Sousândrade, tal como ele, era poeta participante, pregou a república e sempre se insurgiu contra a escravidão. Só que, opostos pela técnica, trilharam caminhos diferentes, um compondo versos melódicos e cadenciados a metrônomo, como os românticos, o outro se antecipando, numa genialidade quase louca, à estridência polifônica da era tecnológica.

É curioso como o destino reservou-lhes sorte diversa, um pelo atalho da fama, o outro pelo labirinto do esquecimento. No entanto, eram umbilicalmente coetâneos. Sousândrade nasceu 14 anos antes de Castro Alves e morreu em 1902, 31 anos depois dele. Suas viagens pela Europa, África, América Latina e a longa permanência nos EUA abriram-lhe o horizonte do mundo capitalista em plena explosão industrial - coisa que os românticos não haviam percebido, fechados em ambiente provinciano, afrancesado. Conheceu in loco o fenômeno das concentrações urbanas, onde tudo o que era sólido se desmanchava no ar, os escândalos financeiros de Wall Street e as redações de jornais dirigidos às novas massas. O Guesa, poema em 13 cantos deixado incompleto, mas no qual trabalhou durante 30 anos, trata da lenda quíchua que narra o sacrifício de adolescente de 15 anos, escolhido desde o nascimento a peregrinar pelo mundo e a perecer depois pelas mãos dos sacerdotes. Escapando deles, refugia-se em Walll Street, onde reencontra-os disfarçados de empresários e especuladores ("O assassínio, o audaz roubo, o divórcio, / Ao smart Yankee astuto, abre New York").

As excentricidades técnicas de Sousândrade, os arranjos sonoros, plurilingüismo,conjuntos verbais ousados, palavras raras e arcaizantes, neologismos, hibridismos - tudo contrasta com a poesia de Castro Alves e mesmo a dos outros companheiros ("- Harlem! Erie! Central! Pennsylvania! / = Milhão! cem milhões!! mil milhões!!! / Young é Grant! Jackson, / Atkinson! Vanderbilts, Jay Goulds, anões!). Desprezando o desenvolvimento lógico-linear e evoluindo por assim dizer no plano da memória, o Guesa dá um salto para o futuro, como o próprio Sousândrade previa: "Ouvi já dizer por duas vezes que o Guesa será lido 50 anos depois." Mais do que visionário, era otimista... Quem ainda continua lido é Castro Alves. Contrastes entre os estilos poéticos de Castro Alves e Sousândrade e o estilo vigorante um século e meio depois explicam as soluções de continuidade na apreciação pública em relação a um poeta. Sousândrade ainda espera pelo favor dos leitores, mas o autor de Os escravos, adorado na infância, detetado na mocidade, é sempre redescoberto na velhice.

Os poetas do século 19 tinham contato com o povo, faziam poesia ao ar livre. Espumas Flutuantes, único livro publicado em vida por Castro Alves, revela a presença do sentimento coletivo que posteriormente Carlos Drummond de Andrade consolidou sob a forma de sentimento do mundo. Cingiu-se, como assinalou Eugênio Gomes, à máxima hugoana de que a poesia não está na forma das idéias, mas nas próprias idéias, acentuando-se ainda mais, em seus cantos, a antítese entre o mundo real e o mundo ideal. Pensar por antítese era aliás atitude generalizada entre românticos e sobretudo em Castro Alves: "E as palmeiras se torcem torturadas, / Quando escutam dos morros nas quebradas / O grito de aflição." Havia intenção pragmática em seus cantos (antíteses violentas, onomatopéias ressoantes) feitos para serem declamados em praças, em teatros ou grandes salas - discursos de poeta-tribuno.

Nele a palavra passou de subjetiva a objetiva. "A gente vê a paisagem e sente o momento, o gosto da fruta, a umidade do rio", como disse Mário de Andrade, que o acusou no entanto de encompridador, de não saber absolutamente pautar o tamanho das poesias, de ser todo instinto e bravura, todo verbo e sentimento. No capítulo das críticas, Antônio de Alcântara Machado foi mais longe, ao falar das "imagens disparatadas, imprecações heróico-asnáticas, tiradas patético-pernósticas". Antônio Cândido observou que muitos de seus poemas denotam incontinência verbal tão brasileira: "Ao seu tempo, mais que agora, o orador exprimia o gosto ambiente." Mas,mesmo reconhecendo que a poesia de Castro Alves envelheceu em sua discurseira retumbante, destaca o efeito do discernimento lírico da natureza e do sentimento. Em meio àquela eloqüência comicial se destacam tiradas e achados extraordinários como em "Antevisão dos mortos": "Os mortos saltam, poeirentos, lívidos, / Da lua pálida ao fatal clarão."

O fato é que, num curto período de oito anos, de 1863 a 1871, quando morreu, o poeta precoce que, já no Adeus meu canto, aos 17 anos, sentia em si o "borbulhar do gênio", sintetizou, na solidão dos gênios, a própria existência aparentemente malograda ("O gênio é como Ahasverus... solitário./ (...) Mas quando a terra diz: Ele não morre, / Responde o desgraçado: Eu não vivi!"). Produziu obra informe, dispersa, cujos fragmentos reuniu apressadamente em Espumas flutuantes, antes da chegada da noite. O seu lirismo se impregnou do pressentimento da morte prematura e a precariedade da vida presa por um fio.

Os poetas do século 19 tinham contato com o povo, faziam poesia ao ar livre. Espumas Flutuantes, único livro publicado em vida por Castro Alves, revela a presença do sentimento coletivo que posteriormente Carlos Drummond de Andrade consolidou sob a forma de sentimento do mundo. Cingiu-se, como assinalou Eugênio Gomes, à máxima hugoana de que a poesia não está na forma das idéias, mas nas próprias idéias, acentuando-se ainda mais, em seus cantos, a antítese entre o mundo real e o mundo ideal. Pensar por antítese era aliás atitude generalizada entre românticos e sobretudo em Castro Alves: "E as palmeiras se torcem torturadas, / Quando escutam dos morros nas quebradas / O grito de aflição." Havia intenção pragmática em seus cantos (antíteses violentas, onomatopéias ressoantes) feitos para serem declamados em praças, em teatros ou grandes salas - discursos de poeta-tribuno.

 

* Léo Schlafman é redator do JORNAL DO BRASIL
 

Ruth, by Francesco Hayez

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Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido