Inspirando amores e ódios, na mesma medida, abrasantes, a Poesia Concreta
foi o único movimento literário brasileiro a conseguir repercussão internacional.
Tendo à frente o semioticista Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo
de Campos, o grupo paulista - fundador e principal expressão da poética concretista
nacional - é o objeto de estudo do livro “Poesia Concreta brasileira”, do
argentino Gonzalo Aguilar. O obra preenche uma lacuna na bibliografia em
língua portuguesa sobre o movimento que se propôs a reinventar a poesia praticada
no Brasil.
Quando foi lançada, em meados da década de 50, a Poesia
Concreta -com o perdão do clichê - caiu como uma bomba na cena literária
brasileira. A revista O Cruzeiro (então, um dos veículos da mídia no país)
apressou-se em chamar o movimento de “rock’n’ roll da poesia”. Para o autor
do artigo, a Poesia Concreta era, tal qual o então nascente estilo musical,
“uma moda importada” e “efêmera”. Passados cinqüenta anos, a produção do trio Décio
Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos não foi devidamente digerida e continua
a inflamar reações apaixonadas - de amor e de ódio.
Mexer no vespeiro
concreto sempre foi uma tarefa delicada. Preenchendo a lacuna deixada pelos
estudiosos brasileiros, “Poesia Concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada
modernista”, do argentino Gonzalo Aguilar, ganha tradução nacional. Doutor
em Letras, Aguilar acerta em fazer uma revisão do fenômeno concreto com distanciamento
ideológico (tanto quanto possível a uma produção acadêmica) e afetivo.
Eruditos
e bem articulados nas áreas de crítica literária, tradução, lingüística,
semiótica e conhecedores de mais de uma dúzia de idiomas, os
patriarcas (como
o também concretista Paulo Leminski se referia ao trio) teorizaram sobre
a própria criação. Com isso, acabaram por intimidar uma crítica posterior.
Não que não tenham encontrado quem se propusesse a comentar a produção do
grupo. Via de regra, os resultados tenderam a se polarizar, entre a apologia
e o apedrejamento. Esse último caso, encontrou sua melhor expressão na boca
do poeta Mário Chamie, criador da Poesia Praxis, que, em entrevista a Antonio
Abujamra (Provocações, TV Cultura), chamou o grupo de “concretinos”.
Partindo
de uma perspectiva histórica, Aguilar rastrea as ascendências da Poesia Concreta,
como os poetas Mallarmé e Erza Pound; seu diálogo com as vanguardas históricas
(Dadá, Futurismo, Cubismo) e contemporâneas ao movimento concreto; a influência
da literatura e das idéias do modernista Oswald de Andrade - que, em 1928,
afirmou em seu Manifesto Antropófago: “somos concretistas”.
Por fim,
em capítulos separados, Aguilar faz um comentário crítico sobre a produção
dos irmãos Campos, partindo de suas fases pré-concretas aos mais recentes
trabalhos, quando os poemas era produzidos de forma menos programática, tão
comum nos anos de Poesia Concreta. De crítica fica a ausência, não justificada,
de uma análise semelhante da poética de Pignatari.
Apesar das lacunas,
“Poesia Concreta brasileira” cumpre bem o papel a que se propôs: dar a um
dos mais instigantes momentos de nossa literatura, um estudo à altura.
SERVIÇO: “Poesia Concreta Brasileira: as vanguardas na encruzilhada modernista”, de Gonzalo Aguilar. Edusp, 408pp., R$ 75,00
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