“Escreviver” reúne as jóias raras da poesia de José
Lino Grünewald, crítico cultural ligado à vanguarda
concreta
O tempo se ocupa de exigir que se esqueça de determinadas
coisas, acontecimentos e pessoas, para que outras sejam
lembradas. Este troca, no entanto, nem sempre é justa.
Grosso modo, da Poesia Concreta ficou a produção de Décio
Pignatari,
Augusto e Haroldo de Campos - os “patriarcas”, como os
chamaria Paulo Leminski -, a história da dissidência de
Ferreira Gullar e as experiências posteriores de
seguidores, caso do próprio Leminski. Dos satélites que
orbitavam o trio, hoje pouco se fala. O movimento
concretista cearense, liderado por José Alcides Pinto, por
exemplo, é ignorado dentro do próprio Estado.
José Lino Grünewald (1931 - 2000) também enfrenta um
injusto esquecimento. Há que possa protestar contra esta
afirmação, comentando a relevância e o reconhecimento do
trabalho de Grünewald como crítico de cinema e cultural.
Do poeta concreto José Lino Grünewald, para deixar mais
claro, muito pouco se fala. Para não dizer das vezes que
foi esquecido em antologias que pretendem dar conta deste
ou daquele recorte da produção poética. Apesar disto, sua
obra permanece como uma das mais expressivas e criativas
do Poesia Concreta paulista.
Contrafluxo desta corrente é o livro “Escreviver”. Me
refiro à recém-lançada edição que não só inclui o livro
homônimo, de 1983, como a estréia do poeta, “Um e dois”
(1958), e alguns poemas inéditos. Editado em conjunto pela
Fundação Biblioteca Nacional (MinC) e a Perspectiva, o
livro integra a coleção Signos desta editora, dirigida
pelo poeta Augusto de Campos, colega dos tempos da Poesia
Concreta e amigo pessoal de “Zé Lino”. A organização do
volume ficou por conta do também poeta José Guilherme
Correa. Além dos poemas de Grünewald, Correa incluiu uma
pequena fortuna crítica, com um texto de sua própria
autoria, um perfil memorialístico de Campos, outro, de
Décio Pignatari e o posfácio de Grünewald para o livro de
1983.
Radicalismo e candura
A estrutura binária da estréia reaparece em “Escreviver”.
Pelo menos, na parte estabelecida pelo próprio José Lino
Grünewald. Em “Um”, se encontra a poesia da fase
“pré-concreta” de Grünewald. Ao invés do radicalismo
verbi-voco-visual, versos líricos, eróticos, de protesto.
Mas que o leitor não se engane, a poesia de Grünewald já
nesta época apresentava elementos raros no meio literário
brasileiro. Em poemas como “Espere” e “Evocação em Klee”,
o autor importa e adapta ao português invenções poéticas
do francês Stéphane Mallarmé (1842 - 1898) e do
norte-americano Ezra Pound (1985 -1972). Não foi a toa que
o carioca Grünewald se aproximou dos paulistas da revista
Noigandres. Mallarmé e Pound eram são referências
confessas dos irmãos Campos e de Pignatari, eles mesmos
grandes divulgadores e tradutores destes dois modernistas.
Se ainda não tinha entrado de cabeça na invenção poética
do trio paulista, Zelino - como estes o chamavam - já
caminhava em direção aquelas mesmas descobertas. Em 1956,
anos de seus primeiros poemas, ele ainda não ousava na
utilização de tipos e ícones não verbais, mas já avançava
na utilização não tradicional da página. “Amoristes” é um
poema desta leva que se fragmenta na folha branca. A frase
explode e as palavras se espalham, perdendo um ordem
direta para ganhar a possibilidade de ser reordenada e
ganhar novos sentidos. Com isto, o poeta mostra que ainda
estava mais próximo de um Mallarmé que de um Pound, sendo
clara a influência de “Um lance de dados”, obra-prima do
francês cuja tradução brasileira traz a assinatura dos
parceiros concretistas de Zelino.
“Dois” traz o Grünewald poeta concreto, que se mantém fiel
a proposta original por quatro décadas. “Sob certos
aspectos, Zelino era mais ‘ortodoxo’ do que nós”, revela
Augusto de Campos, e, “Zelino vai e vem”, texto escrito
por ocasião da morte do amigo.
Aqui, Grünewald trabalha o espacial, a geometria do poema
e suas possibilidades sonoras. Ainda assim, o poeta traz
elementos da fase anterior. Notadamente, o gosto pelas
oposições. O encadeamento de frase de grafia ou sonoridade
semelhante, produzindo novas imagens poéticas a partir de
seu inusitado contato.
Há ainda que se destacar a carga política de poemas como “Durassolado”,
em que fala do “capitalienado gadumano”, e “Carne leite
pão”, poema anti-publicitário (tal qual o célebre
“Cloaca”, de Pignatari) que dá uma bordoada nos slogans e
no apelo ao consumismo.
"Escreviver"
José Lino Crünewald
R$ 56
270 páginas
2008
Perspectiva
DELLANO RIOS
Repórter