Faltava uma hora para o crepúsculo. O frio anunciado pelo
confortável vermelho do céu, já se materializava em meus pés. Era
um lindo céu... mas eu não vi. Estava só na sala. Sofá, janelas
fechadas, perna esticada, coluna torta. Encontrava-me com Dante e
Virgilio por algum lugar do purgatório quando um empoeirado
envelope interrompeu nossa caminhada.
Não era um envelope silencioso como de costume, este fazia muito
barulho, era baixo, quase surdo, mas barulho. E a poeira... não...
nem de perto a poeira preta da cidade grande, era de terra,
encardia, terra do sertão. Jogaram-me, Dante e Virgilio caíram,
aberto, sobre minha coxa.
Apenas ao tentar largá-lo percebi que estava envolto em grude,
invisível, apenas em mim funcionou. Um poema, neste, o grude era
tão forte, que foi necessário relê-lo várias vezes para que algum,
também invisível, removedor fizesse efeito.
Curioso, abri. Pelo lado errado. Confesso.
Uma simples dedicatória no alto. Nunca me chamaram “poeta”, quase
chorei, não é para mim, pensei, mas havia meu nome, era meu, e o
“poeta”, para mim.
Sem mais pestanejar, li. Não entendi.
Tudo bem... estou mentindo a mim mesmo, eu entendi. Mas não queria
nem pensar em sair daquela poeira. Já estava empoeirado,
encardido, não minhas roupas, minhalma. Reli.
O que era aquilo? Um simples prefácio? Não... Lembranças, jogadas
ao mundo paralisando o tempo, causando inveja, saudade, emoção,
choro, calma, poeira. O que eram aquelas palavras? Percepções,
imperceptíveis a olho nu, visíveis apenas com a grossa lente de um
poeta. Logo a frente, elogios. Corretos. Todos! Falta o meu. Não
do eu que por outra missiva eletrônica lhe falou. O novo eu. Um
novo poeta, um novo fã.
Parabéns. Que vulgar continue sendo apenas uma palavra para você.
Abraços.
Enzo Giaquinto