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Emmanuel Nogueira

emmanuel@secult.ce.gov.br 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica:


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

John William Godward (British, 1861-1922),  A Classical Beauty

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

 

 

 

 

 

 

 

Elizabeth Marinheiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maria Maia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Wilson Martins

 

 

 

 

 

 

 

 

Jorge Amado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Emmanuel Nogueira

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

11.08.1997

 

Surpreendente réquiem poético sobre a Terra da Luz  

No livro “Psi, a Penúltima”, Soares Feitosa conta a saga dos lázaros de sol e sal

   

A palavra se fez carne. Não com o verbo, mas pelo substantivo. Poesia carnal em “hologramas” que expõem a ação intransitiva, substantiva. E a desconcretude da razão em “louvor” a um lirismo sorrateiro, buliçoso, fecundo, que não se deixa conter pelos arautos da verdade histórica ou determinismos abissais da natureza. São os acordes de trombeta do Anjo Vingador. Sim, acreditem! é o anjo que emergiu da poeira mítica da terra do sol; uma terra que oculta entre sua luz ofuscante (“luzeiro sem matriz”) as dores e delírios, as lendas e lírios, o imaginal e o real, de uma raça semeada em cinco século de fome e miséria, transmutada em poesia. (“Imaginal – é uma matriz em que todos os elementos do dado mundado, constituído de sonho, de lúdico, de onírico e de fantasia entram em interação, ecoam em concreto ou correspondem de várias maneiras e em constante reversibilidade, para descrever o real ou a hiper-realidade” – In: A Contemplação do Mundo, Michel Maffesoli).

O Anjo veio só. Ele não precisa de auxílio de Virgílio, pisa em qualquer chão, mesmo no chão esturricado da terra em sua morte quente – morte Severina, morte nordestina, vida-morte morrida. Sabem por quê? ele é a pura poesia. Não veio para julgar, veio para cantar. Um canto que nos faz abrir os ouvidos para vermos a beleza e a leveza das coisas nordestinas. Veio fazer um réquiem sofisticado que perfuma as páginas virtuais com o cheiro do mato da imburana. É essa sua vingança, macular de poesia os olhos cegos dos que esqueceram a arte da contemplação. Em seus “cânticos” podemos auscultar que de coisas simples se vive e se faz a vida. Escutemos o salmo 151: “O ato supremo da criação/ é também o galo que canta madrugadas/ e a raposa que o espreita;/ ambos criam – porque as Auroras criam-/ as Auroras estão carregadas -/ as Auroras, o galo e a raposa estão pelejadas de Electricidade, ‘Elektri’ mestre Álvaro, Álvaro de Campos,/ e os volantes que tangem todas as coisas.”

O Anjo atende pelo nome de Soares Feitosa (natural do solo-seco-sagrado de Monsenhor Tabosa – CE) e o réquiem completo está no seu livro de estréia no campo da Poesia, “Psi, a Penúltima” (Edições Papel em Branco, 254 página, 1997). Em nossa literatura jamais um estreante foi recebido com tanto furor e elogios, principalmente no clube seleto de artesãos da palavra (carpintaria poesia). Mestres como Jorge Amado, Manoel de Barros, Ledo Ivo, José Louzeiro, entre outro, não pouparam tintas nem adjetivos para espalhar a boa nova, o nascimento de um grande Poeta. Que nasce com uma alma inquieta e um coração trêmulo.

 

Lázaros de Sol

Orientado por essa intuição criadora, Soares Feitosa vai bulinando no universo dos versos quase tristes, quase perfeitos; é o catador dos cacos de um imaginário que parecia perdido. Ou, como diz Jorge Amado, “Seu livro é como uma dessas arcas de antigamente, onde eram recolhidas coisas diversas, cada uma delas co sua importância e significação”. Chega de confetes, a poesia não necessita disso. Ousemos abrir de vez essa caixa de Pandora às avessas. Para o poeta nordestino, segundo Wilson Martins, “o mundo exterior existe, não como paisagem ou quadros de exposição, mas como bloco existencial de matas e rios, pássaros silvestres e animais domésticos...”. O bloco existencial funciona como cenário onde as criaturas do sertão (plantas, bichos, rios e bichos-homens) interpretam seus papéis no enredo cosmogônico que Soares traz em si. Conversando em intimidade com o sol, a raposa, os ventos, as palmeiras, as tanajuras, as avoantes, os bichos-homens, Soares nos ensina que é possível amar aquilo que nos destrói, sem deixar de afrontá-lo. Isso porque sua poesia é um decreto sancionado a alforria à consciência das palavras. É o bloco estrutural em que tudo é permitido.

Ora, a prosa nordestina é regional porque a palavra é carregada de sentido, de uma busca político-ideológica. Graciliano Ramos e Raquel de Queiroz interpretaram a natureza sertaneja – numa leitura não menos importante, como estorvo que subjuga e atormenta o homem; como se um inviabilizasse a vida do outro. Sem entrar no mérito político dessas narrativas (Vidas Secas e O Quinze), apenas aponto aqui que as palavras são carregadas de uma consciência – politicamente correta. Com o Anjo, aprendemos a contemplar, amando, aquilo que nos toca, ferindo. Sim, o sol é poesia... o corpo esquálido do xique-xique, os juás que enganam a sede, as chuvas fêmeas-efêmeras, a inanição incurável... Sim, é a poética da luta do homem com a vida, sem dicotomias – “quixotices dá força para viver”.    

 

Cheiro de alecrim

“Psi, a penúltima” revela poesia feita de saudosismo com toques de amargura; ufanismo pincelado com ironias, que brotam de uma memória viva, terral; possibilitando o reencantamento das veredas esquecidas do sertão nordestino. O poeta rejeita a consciência das palavras porque sabe que ela não traduz o cheiro nem a cara “forquilhada” do homem-sertão. Prefere sim, amalgamá-los no bloco existencial, como na genial ode Antífona. Ou como em Panos Passados, um passeio lírico pelas intempéries da existência (sertaneja?): “Os bichos desocupam a areia/ ação de despejo (Juízo Invisível)/ ao cheiro da terra molhada/ sobem às barrancas/ e o fantástico cheiro da terra/ da terra fêmea, terra molhada:/ mais uma vez,/ as primeiras estrofes do Gênesis/ Como se fosse a primeira:/ um tímido fio d’água,/ o rio,/ a aflição das formigas,/ o revôo dos cupins e das tanajuras,/ e ali se diz:/ por uns breves dias, o leito deste rio tem dono: a Cheia.”

A possibilidade de reencantamento do mundo na poesia de Soares faz com que transcenda os limites regionalistas. Nos convida a sentir o cheiro da terra. Esse livro tem o cheiro das tarde de sol, no mormaço asfixiante, das águas esporádicas que fecundam a terra como donzelas semeadas. Poesia que invade a paróquia dos nossos sonhos. Poesia trabalhada com mãos fecundadas de barro elementar. Um livro que começou a ser escrito não na era dos dígitos. Sua primeira estrofe foi nasceu há 54 anos, quando dona Anísia  despejou ao mundo seu único filho, Francisco José Soares Feitosa.

É um livro que veio para ocupar um lugar na estante das obras-primas da literatura brasileira. Veio trazer o movimento sublime da criação. Por isso, dificilmente terá definição. Na ânsia de traduzir a obra, busca-se perdidamente adjetivá-la. Porém, a sensação é que todos adjetivos são inócuos. Esse palavreado que enseja funcionar como uma ponte entre o leitor e o poeta, às vezes distanciá-os. Apenas uma outra poesia poderia responder ao muno imaginal criado pelo Poeta-Soares. Ou que sabe, uma viagem por seus poemas etéreos.

Não desanimo, penso em Goethe contradizendo o Evangelho de São João. Para o autor de Fausto, no princípio não era o verbo. “No princípio era o sentido. O sentido é tudo que cria e opera? Deveria dizer: no princípio era a força. Mas também, ao escrever isso, algo me avisa que não pare aqui. O espírito me ajuda. De repente, sei o que fazer; e escrevo seguro: no princípio era a ação” – “Psi, a Penúltima” é o bloco estrutural que pinta o ser e a paisagem em ação substantiva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

 

 

Elizabeth Marinheiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Emmanuel Nogueira

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil

2.4.2003

 

TEATRO
Prêmios e espinhos

Os Cactos, terceira peça do cearense Emmanuel Nogueira, articulista do Vida & Arte, é premiada em concurso nacional e será editada pela Secretaria da Cultura de Porto Alegre. Em cena, o sofrimento dos que ficaram atrás da linha de frente da luta contra a ditadura

A ditadura serve como cenário de Cactos, peça do cearense Emmanuel Nogueira, premiada em Porto Alegre

[02 Abril 04h10min]


Boas novas para a dramaturgia cearense. O jornalista e dramaturgo Emmanuel Nogueira, crítico teatral de O POVO, venceu o IV Concurso Nacional de Dramaturgia (Prêmio Carlos Carvalho), promovido pela Secretaria da Cultura de Porto Alegre (RS). O prêmio é considerado um dos mais importantes do teatro brasileiro (rivalizando em prestígio com as premiações concedidas pela Secretaria da Cultura de São Paulo e pelo Ministério da Cultura) e, nessa edição, foi disputado por 415 textos de todo o País.

Emmanuel venceu o concurso com a peça Os Cactos, um texto que revisita as duras memórias da ditadura militar brasileira sob o ponto de vista das pessoas que, mesmo sem um envolvimento direto no front da luta contra o regime, perderam parentes e amigos. ''Essas pessoas vivem uma angústia, uma espera constante. Meu texto fala sobre a ditadura justamente sob a ótica da perda dessas pessoas. Eu não trato a questão com maniqueísmo. Não se trata de bem ou de mal, mas de uma situação extrema que leva, a meu ver, a perdas generalizadas'', explica.


Como prêmio, Emmanuel recebeu R$ 5 mil e, junto com o segundo e o terceiro colocados - respectivamente, Ninguém virá bater à minha porta, do mineiro Wilson Machado; e Corrida ao caos, do pernambucano Paulo Jordão -, terá seu texto publicado pela unidade editorial da Secretaria da Cultura de Porto Alegre. Durante a entrega da premiação, realizada na semana passada na capital gaúcha, houve também a leitura dramática da peça.

''Para nós, que temos uma certa dificuldade em divulgar nossos textos, um concurso como esse é uma grande vitória. Ele abre a possibilidade de você ser montado fora do estado'', festeja. ''Eu já recebi um e-mail de uma professora do Rio de Janeiro que vai fazer um círculo de leituras dramáticas ítalo-brasileiro, reunindo quatro textos da dramaturgia brasileira e quatro textos da Itália, e está querendo incluir Os Cactos nesse ciclo. Sem o prêmio, eu certamente não teria como levar esse texto a essas pessoas''.

Os Cactos é a terceira peça de Emmanuel, que já havia vencido o Encena Brasil (categoria auxílio montagem) e o Prêmio Padre Cícero de Cultura com o texto de A Serva, seu trabalho de conclusão de curso no Centro de Dramaturgia do Instituto Dragão do Mar, por onde se formou em 1999. No ano passado, a peça também foi classificada como melhor texto no Festival de Teatro Amador de Acopiara. Também em 2002, como pesquisador, Emmanuel ganhou o Prêmio Ceará de Incentivo às Artes Cênicas, realizado pela Secult, com o projeto O riso barroco - um estudo das farsas populares do dramaturgo José Mapurunga.


Depois de A Serva, que trata do tema do milagre de Juazeiro, veio Os Esquecidos, uma tragicomédia envolvendo três pacientes terminais. ''Eu estou começando, sou um autor que ainda está se descobrindo. Portanto, os meus temas são muito diversos'', explica. ''Se alguém fizer uma leitura comparativa, talvez encontre pontos comuns: não há como fugir da moral do autor, nossa visão de mundo, ela liga nossas obras. Mas quanto às temáticas, não. Elas não guardam nenhuma relação nesse sentido''.

Sobre Os Cactos, Emmanuel diz que o nome da peça é uma metáfora. ''O filho de uma das personagens criava um cactos, que é uma planta que reflete a beleza da resistência, porque sobrevive apesar das dificuldades, sobrevive com uns pingos de água e umas brechas de sol'', explica. ''Em qualquer regime totalitário, as perdas humanas são as únicas marcas que não se apagam jamais. A ideologia pode arrefecer, os sonhos podem morrer, mas as perdas humanas são indeléveis, pairam como um espectro sobre as gerações''.


SERVIÇO:
Mais informações sobre o Prêmio Carlos Carvalho (Concurso Nacional de Dramaturgia), promovido pela Secretaria da Cultura de Porto Alegre (RS), podem ser obtidas através do telefone (51).3221.6622 / ramais: 232 / 341.