Georgeocohama
Da
antologia de um poeta bissexto
(nOS eSCOMbros do MurO de bErLim)
A Waly
Salomão e
Torquato Neto |
São cinquenta e oito anos de inexistência.
Eu não sou nada. Eu não existo.
Eu sou ningúem.
O nada do nada do nada.
Ah! Não me falem que eu sou algúem.
Eu não sou.
Eu sou meu pai,
minha mãe, meus filhos, meus amores,
meus alunos, meus colegas e meus amigos.
Eu sempre fui Gilberto Gil,
Chico Buarque, Caetano e Tom Jobim,
Maiacovski, Lorca e Glauber Rocha,
Eu, Vinicius de Morais,
Dostoievski, Buñuel, Picasso e Thomas Mann.
Eu sempre fui ninguém.
No berimbau, fui Camafeu.
No candomblé, sou filho de mãe Senhora.
Eu fui Pelé, Garrincha e Didi,
o príncipe etíope, do meu querido Fluminense,
que esteve em Coaraci, com Guiomar,
nos idos da grande enchente.
Eu sou BAHIA.
Eu fui de Prestes a Ulisses,
de Jango a Brizola.
Eu nunca fui alguém.
Eu fui Gal, Betânia e Ellis Regina.
Eu sou João Gilberto e Dorival Caimmi.
Mesmo quando fui Lenin,
Marx, Engels e Mao Tsetung,
eu fui Berlinguer,
Gramsci, Poulantzas e Althusser,
fui Che, Fidel e Jean Paul Sartre.
Eu só não fui alguém.
E mesmo quando pleno de mim,
eu não me via,
eu flutuava no abstrato da objetividade,
eu e os meus poemas não publicados.
Eu, incorformado,
eu, preso em sessenta e quatro,
eu, preso em sessenta e oito.
Eu em todos os comícios
e passeatas.
Eu aqui e acolá,
eu sempre o Partido, mesmo quando achava
que tudo do nosso lado estava errado
Eu, Vital Duarte e Fernando Santana,
Adelmo e Chico Pinto.
Eu e Fernando Pessoa,
Drummond e Jorge Amado.
Eu e Jurandy Rebouças.
Eu e Pedro Castro,
Delcker, Zé Raimundo e Flodoardo.
Eu e Alberto Paraiso,
aprendendo a conhecer as mulheres.
Com as Bananeiras e os Urubus mobilizados
fui João Cabral de Melo Neto,
na educação pela pedra.
Pelas montanhas gerais de Turíbio Todo,
eu, "nonada", doido por Diadorim,
sou James Joyce tupiniquim.
E até nos cem anos de solidão,
quando, nos tempos do cólera, amava,
eu e Gabriel Garcia Marquez
nos bares de Habana Vieja.
Eu, Walt Whitman,
eu todos eles,
inclusive Woody Allen, Bergman e Fellini,
Jacques Tati, De Sica e Mastroianni.
São cinquenta e oito anos de inexistência.
E (ainda assim)
me dou conta de que não foi inútil viver.
De que a vida é um estar aí
sempre somando,
sempre se dividindo,
sempre se multiplicando
( como uma unidade )
nessa diversidade do Ser,
que tanto pode ser como não ser.
Mas, e daí?
Se tanto o instante como o eterno
é o próprio SER,
e nada sou que ele não seja,
e nada serei que não sejamos,
e nada que é tudo,
é tudo ou nada,
é todo o EU que sou agora,
os timbaleiros.
Ou quem sou EU?
Salvador, trinta do nove de mil novecentos e noventa e seis.
Georgeocohama,
o Povo, a Massa, a Multidão,
NINGUÉM.
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