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Georgeocohama 

ocohama@uol.com.br  

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


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Fortuna crítica: 


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Da Vinci, Madona Litta_detalhe.jpg

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), girl

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

 

 

 

 

 

Georgeocohama


 

Da antologia de um poeta bissexto

(nOS eSCOMbros do MurO de bErLim)

 

A Waly Salomão e
Torquato Neto



São cinquenta e oito anos de inexistência.
Eu não sou nada. Eu não existo.
Eu sou ningúem.
O nada do nada do nada.


Ah! Não me falem que eu sou algúem.
Eu não sou.


Eu sou meu pai,
minha mãe, meus filhos, meus amores,
meus alunos, meus colegas e meus amigos.


Eu sempre fui Gilberto Gil,
Chico Buarque, Caetano e Tom Jobim,
Maiacovski, Lorca e Glauber Rocha,
Eu, Vinicius de Morais,
Dostoievski, Buñuel, Picasso e Thomas Mann.


Eu sempre fui ninguém.
No berimbau, fui Camafeu.
No candomblé, sou filho de mãe Senhora.
Eu fui Pelé, Garrincha e Didi,
o príncipe etíope, do meu querido Fluminense,
que esteve em Coaraci, com Guiomar,
nos idos da grande enchente.
Eu sou BAHIA.


Eu fui de Prestes a Ulisses,
de Jango a Brizola.
Eu nunca fui alguém.


Eu fui Gal, Betânia e Ellis Regina.
Eu sou João Gilberto e Dorival Caimmi.


Mesmo quando fui Lenin,
Marx, Engels e Mao Tsetung,
eu fui Berlinguer,
Gramsci, Poulantzas e Althusser,
fui Che, Fidel e Jean Paul Sartre.
Eu só não fui alguém.


E mesmo quando pleno de mim,
eu não me via,
eu flutuava no abstrato da objetividade,
eu e os meus poemas não publicados.
Eu, incorformado,
eu, preso em sessenta e quatro,
eu, preso em sessenta e oito.
Eu em todos os comícios
e passeatas.
Eu aqui e acolá,
eu sempre o Partido, mesmo quando achava
que tudo do nosso lado estava errado


Eu, Vital Duarte e Fernando Santana,
Adelmo e Chico Pinto.


Eu e Fernando Pessoa,
Drummond e Jorge Amado.


Eu e Jurandy Rebouças.


Eu e Pedro Castro,
Delcker, Zé Raimundo e Flodoardo.


Eu e Alberto Paraiso,
aprendendo a conhecer as mulheres.


Com as Bananeiras e os Urubus mobilizados
fui João Cabral de Melo Neto,
na educação pela pedra.


Pelas montanhas gerais de Turíbio Todo,
eu, "nonada", doido por Diadorim,
sou James Joyce tupiniquim.


E até nos cem anos de solidão,
quando, nos tempos do cólera, amava,
eu e Gabriel Garcia Marquez
nos bares de Habana Vieja.


Eu, Walt Whitman,
eu todos eles,
inclusive Woody Allen, Bergman e Fellini,
Jacques Tati, De Sica e Mastroianni.


São cinquenta e oito anos de inexistência.
E (ainda assim)
me dou conta de que não foi inútil viver.
De que a vida é um estar aí
sempre somando,
sempre se dividindo,
sempre se multiplicando
( como uma unidade )
nessa diversidade do Ser,
que tanto pode ser como não ser.


Mas, e daí?
Se tanto o instante como o eterno
é o próprio SER,
e nada sou que ele não seja,
e nada serei que não sejamos,
e nada que é tudo,
é tudo ou nada,
é todo o EU que sou agora,
os timbaleiros.


Ou quem sou EU?


Salvador, trinta do nove de mil novecentos e noventa e seis.
Georgeocohama,
o Povo, a Massa, a Multidão,
NINGUÉM.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Empire of Flora

 

 

 

 

 

Georgeocohama


 

A primeira noite de abril

 

"Abril é o mais cruel dos meses"
T.S.Eliot.



Do poente de março
descem as botas sobre abril,
morrem as esperanças,
nasce o medo.


e entre o trinta e um e o primeiro
cai a insone noite,
a longa noite tropical
de sangue e lágrimas


E de março a março,
de abril a abril,
ano - a - ano,
corre um silêncio na noite orvalhda

..............................................

de sangue e lágrimas.


Corre, por toda a América Latina,
por sobre todas as ditaduras
de espada e fel,
na cidade, nos campos e nas montanhas,
por todos os rios de sofrimento e angústia,
(corre)
uma réstia de luz e um clamor de liberdade

.................................

que iluminam e que ressoam
em todos os homens,
em todas as mulheres,
que não seremos nós
enquanto não tirarmos de nossos ombros
essas pontas de estrelas soturnas
que nos ensanguentam
e que nos transfiguram
em pedras escarlates.
 

 

 

Octavio Paz, Nobel

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Adriana Zapparoli

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

 

 

 

Georgeocohama


 

O jardim de caminhos que se bifurcam

 

(Poema artezanalmente extraído e elaborado,
do conto "O Jardim de Caminhos que se bifurcam",
de Jorge Luis Borges, em "Ficções").

A Caetano Veloso



A tarde era íntima, infinita.
Pareceu-me incrível que esse dia
sem premonições ou símbolos
fosse o de minha morte implacável.


Depois refleti
que todas as coisas nos acontecem,
precisamente,
precisamente agora.


Séculos de séculos
e apenas no presente ocorrem os fatos;
inumeráveis homens no ar,
na terra e mar,
e tudo o que realmente sucede,
sucede a mim.


Não é em vão
que sou bisneto daquele T'ui Pen,
que foi governador de Yunan
e que renunciou ao poder temporal,
aos prazeres da opressão,
da justiça,
do numeroso leito,
dos banquetes e ainda da erudição
e enclausurou-se
no Pavilhão da Límpida Solidão
para escrever um romance
que fosse ainda mais populoso
que o Hung Lu Meng
e para edificar um labirinto
em que todos os homens se perdessem.


Um labirinto de marfim,
inviolado e perfeito,
no cume de uma montanha.


Um labirinto mínimo,
disfarçado por arrozais
ou debaixo d'água.


Um labirinto de símbolos,
infinito,
não já de quiosques oitavados
e de caminhos que voltam,
mas sim de rios e províncias e reinos.


Um labirinto de labirintos,
um sinuoso labirinto crescente
- um invisível labirinto de tempo -
que abarcasse o passado, o presente e o futuro.
Os vários futuros, não todos,
o jardim de caminhos que se bifurcam.


Não, não é verdade
que esta tarde ínfima, infinita
sem premonições ou símbolos
fosse a de minha morte implacável,
num jardim de caminhos que se bifurcam.
Tudo é abominavelmente irreal,
insignificante.


Concluído em 1985/ Georgeocohama
 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona

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Fábio Rocha