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Linaldo Guedes


 

Ciclo


não é só querer você por todos os janeiros
cultivando mitos
folha
a
folha
em seu pomar de atritos

não é só buscar fevereiro
definindo ritmos
passo a passo
na alegoria: triste arlequim

não, não é só procurar águas em março
submergindo
mares e rios
na felicidade de um naufrá(cio)

muito menos abrir portas
destravar cadeados
chave a chave
no quarto mês de nossa prisão

sei que é um pouco mais
um pouco maio
um pouco mouros perdidos na primavera

sei que quero junho
quero junto
quero jung
nada de freud
a explicar minha devoção junina

(silêncio em julho)
melhor sorrir a ausência de sorrisos
melhor contar um segredo a juliana

não estou bem certo é se rejeitaria a sina de imperador
:agosto
ao gosto agostinista
rituais nada agnósticos
- agnus dei
dai-me um cântico para não rezar

sei que sinto o bafo de vulcões
em setembro
a sete léguas de distância
do meu próprio império
como se fora sete pastores em busca de sete línguas e duas irmãs

outro mês se inicia, sim
já já anuncio outubro
outrora buscava ruínas
hoje cavo minas
para suar poemas que não vão lhe conquistar

novenas de meus encantos
novembro e seus prantos
novelos que se enroscam
metonímias da minha linguagem:
não quero só a parte que me cabe no seu todo

(dezembro é o ano inteiro
onde cabe todos os janeiros de mim em mim).


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium

 

 

 

 

 

Linaldo Guedes


 

Fábula


é durante
o encanto
que a dor existe

e
(só)
depois da dor
que o amor fica.


 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Bruno Miquelino

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904) - Phryne before the Areopagus

 

 

 

 

 

Linaldo Guedes


 

A flor e o espinho


o amor
o amor

- todos os caminhos
levam à dor

quando o teu cheiro sobra
ou o prazer vai embora
é do amor que falamos
é a dor que escondemos

num caso
falta o pedaço necessário
para se chegar ao paraíso

em outro
sobra o dicionário
para tentar explicar o sumiço da flor.

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Mignon Pensive

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Regina Lyra

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Linaldo Guedes


 

Memória erótica


teu corpo
já foi relva

(lembra da enchente em nossa alma
e do banho nas biqueiras da 21 de Abril?)

teu corpo
hoje é seiva

(lembra o gozo que veio para inundar a fonte
e semear a aridez do nosso solo esquecido!).

 

 

 

Henry J. Hudson, Neaera Reading a Letter From Catallus

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Henrique Marques Samyn

 

 

13/10/2005