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Um esboço de Da Vinci

 

 

Marcelino Botelho


Soneto de orbe e de infinito

 

 

 

Agora faço a viagem, que raios itinerantes, qual espírito,

Desentranham o sonho da matéria, enchem os espaços

De onde o dia se põe aceso e solta os pássaros,

Invadem a sala, mobíliam a casa de luz e de infinito.

 

Os pássaros itinerantes aliam-se aos ventos e aos rochedos

E, nessa viagem, de corpo inteiro, cada dia seu coletam.

Acordo então e ponho-me a pensar nesses segredos,

Em todos esses obstáculos de ave que em nós se hospedam.

 

E a buscar respostas nessas rarefeitas estâncias,

Do pêlo um desejo urgente cresce e me revista;

Na boca a fala em dentes se recama no revôo

 

De palavras secas e esquisitas, qual energia

Que cai nos poros e, liberta, como aves, se inicia

Na colheita da vida que nos cerca e nos irradia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Marcelino Botelho


Decodificação da oficina

 

 

A poesia a tudo pode haver-se  estática,

Paralisada; no sem-sentido

Habitar-se por longos anos. De tudo

Desentender-se, a poesia

Eclode do confins da dinâmica

Entre o ser e o nada.

 

 

E se existe literatura no nada,

Nem tudo é literatura, palma , poesia,

No entremundo das palavras, do sentido:

Fases múltiplas, som/ante-som: tudo

Que é viva ou morta estática

Do antivir da coisa dinâmica.

 

 

Louca ou acrobata é essa dinâmica,

E não sendo exata, exatamente como tudo

Que é humano, transpira de sua estática

O que lhe é próprio, diante do nada.

De que outros motivos o ser sentido

Faz-se palavra que cimenta poesia?

 

 

Quase sentido? Ou não é sentido o que diz poesia?

Nada mais que formigamento? De nada

Serve impedir a pena à dinâmica

Do dia colhido em corpo e estática

E sombra humanos; que nos serão isso tudo?

Lição ou poesia? Serventia do sentido?

 

 

 

Revira-se o código, a poesia, e o sentido

Que lhes damos(litterae nom estática),

Aos poucos se desencanta, e nada

Mais ocultamos, por sentido: a dinâmica

Se vai acionando com/sem poesia,

Arqueológica no seu nada: quase tudo.

 

 

Nunca conseguimos dizer-nos(tudo

Mesmo) por mais que esteja a dinâmica

Da máquina, da oficina, da alargança da poesia,

Impregnadas de motivos; sem sentido

Capto-a desorbitada, como que o nada

De palavras provesse sua estática.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Marcelino Botelho


Paisagem

 

 

 

Recife, mosca

               sem ai

               sem cais

               sem rio

               sem Bandeira

 

Uma coisa mosca o Recife,

Pousada na podridão do país.

Povo ao vento

Povo mosca           vida pouca.

Recife, não haverias

               sem ai

               sem cais

               sem rio

               sem Bandeira

 

E vives e te ausentas,

Todos os dias,

Como uma mosca,

Sem levantar suspeita.

Quem desconfiaria?

 

Teus rios despem-se vestindo virgens nuas,

E elas, mais despidas, se insinuam;

São assim: só tuas... só tuas:

As moças desta cidade, as ruas.

 

As minhas e as tuas saudades se achavam.

Deitavam tua paisagem, o momento à mímica,

À lírica, tudo numa só linguagem!

 

Merluza dos Aguaceiros, me encosta tua mão-aragem,

Tua franja gasta; arrasta esse teu companheiro,

Faze dessa saudade um exemplo à pátria, um alento:

 

Ó Recife, ó linda menina agarrada no tempo!

 

Os ratos... Capibaribe sombrio.

Rio-rato povo-gato cidade-cão

 

Enchem de manhã os nossos quartos;

As mãos, os nossos atos.

Povoam praças e os sonhos cúpidos

Dos bustos que o tempo e os arbustos consomem.

 

E vagam, dilatam e condensam

A palavra ao dia.

 

Não perdi o objeto do meu sonho

Nem a liberdade dos gestos

que na infância deixaram-se ser breve alegria.

 

Perdi a infância  — ganhei a poesia.

Voei vôos-ícaros, azuis mais místicos

De líricos violões: porque mulheres, porque músico.

 

Não fiz amigos — cobicei público.

E, no mas lúdico dos dias,

Perdi a fé — ganhei sabedoria?

 

 

 

 

 

 

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Marcelino Botelho


 

 

 

 

 

 

 

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Marcelino Botelho


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Marcelino Botelho


PINDORAMA PAU-BRASIL

 

I

 

 

Lá vem as naus de pau lusitanas,

Chacoalhando o mar, que as conduz:

— Terra à vista! O homem não se engana.

Deram-lhe o nome de Vera Cruz.

 

Da praia alguns homens nus

Espreitavam a presença humana.

Conheceriam o estrondo do arcabuz

E a morte que por ele ufana.

 

Como se chega do ventre à criatura,

Aqui, então, a colonização é chegada.

Sobrevivente e nua, à palmada,

Parindo assim a pedra duma

Civilização de raças misturadas!

 

 

II

 

 

morrer de pátria

patriota de medo

morre-se de fome

 

morre-se em templos isentos

do tempo da fome

(adeus, ó Pátria, de Deodoro a Figueiredo!)

morre-se de medo provinciano

 

 

por isso não falo seu idioma

sua palavra-goma

cuspo meu ideogramazedo

fluxo-carbonalis

 

armei assim o poema-garapa

para alimentar-me garfo e faca

e industrializar minha arca de palavras

iluminada por vaga-lumes

 

—zapa! zape! zapetrape!

leve um pássaro surge

por detrás do açude de n-u-v-e-n-s—n-a-v-e-s

 

a palavra coleta suas larvas inanimadas

e esconde-me sua face de poesia,

quando o medo é maior que a fome, que não sacia,

porque não alimenta, enfastia.

 

Zângão. A fêmea. A flor.

O vôo prende-me à sua  zoografia...

 

palavras brotam-se

mumificadas nos casulos;

poemas-estrumes

lançam-se para além dos muros

das orações, dos urros das canções,

porque os poetas do futuro

enganarão a morte,

trairão as palavras.

 

Mas abandonarão a Terra...