O livro de poemas, de Linhares Filho, sob o título ´Notícias de bordo´, integra a lista das obras indicadas para o próximo vestibular da Universidade Federal do Ceará. Esse ensaio, motivo maior dessa edição, realiza uma interpretação bem apurada, com rigor teórico e sensibilidade de compreensão, desse livro que constitui uma seleção de poemas extraídos da produção geral do autor, em quarenta anos de intensa dedicação à poesia.
A poesia de Linhares Filho é cortês e refinada. O querido professor é exatamente assim: gentil e requintado. Na poesia deste poeta do Grupo SIN, há, sem dúvida, uma relação muito forte entre a vida e a ficção, porque, além desse refinamento (e isto é intrínseco, está dentro dos seus conceitos, como veremos adiante), a memória, tanto interior (que conduz ao encontro das pessoas), quanto exterior (que apresenta o mundo contemplado), parece compor uma vida, em todos os seus estágios. O livro Notícias de Bordo, que reúne poemas desde o primeiro publicado, nos dá uma visão mais ou menos inteira e acabada da feição da poética de Linhares Filho.
O refinamento, em sua poesia, dá-se de diversas formas. Independente da temática, ele é intrínseco: está no discurso e na visão dos narradores. Se observarmos seus textos sob este ponto de vista, notaremos que em Sumos do Tempo (1968), seu primeiro livro, a cosmovisão e a linguagem, que regerão toda a poética de Linhares Filho, já estão aí configuradas: o poeta já nasceu maduro e com um discurso acabado. Isto deve ser fruto das suas leituras, dos seus estudos e pesquisas como professor universitário, e, principalmente, da sua maneira de ver o mundo.
Procedimentos estilísticos
Comparando alguns poemas desse primeiro livro com, por exemplo, poemas do livro Cantos de Fuga e Ancoragem, de 2007, com a distância de 40 anos, portanto, notaremos que a linguagem e a cosmovisão estão muito próximas. Há, por isto, uma constância de procedimentos discursivos. O que mudou com o tempo foi a nova formulação de conceitos e algumas temáticas.
O metapoema, por exemplo, presente em quase todos os livros, reafirma alguns desses conceitos, além de nos mostrar também algumas atualizações no pensamento do poeta.
Vejamos um exemplo.
Em ´Poema Algo Cômico de Minha Essência´, Linhares Filho configura o perfil do poeta como aquele ser que vê, diferentemente, o mundo, o que, do ponto de vista da realidade, é correto, porque o artista vê aquilo que a grande maioria não consegue enxergar (o detalhe e a sensibilidade para ver isto é atributo do poeta).
A sensibilidade é o elemento que o diferencia do ser comum; ela é o guia, que o sensibiliza sobre as coisas do mundo, ou sobre os sentimentos que regem o universo da vida. É por isso que o homem comum não o entende, se concebê-lo como um homem comum: ´O que só me vê passar carregado de embrulhos, / enfrentando apressado os transeuntes / para tomar o ônibus das dezessete e trinta, / não me entende.´
O poeta, assim, solicita do homem comum mais aparatos sensoriais e mais percepções para enxergá-lo como poeta, como um artista que vê o mundo sob outro ponto de vista; solicita, portanto, dele (leitor), algo mais do que viver cotidianamente: isto é uma aprendizagem (aqui está, por exemplo, um dos refinamentos da poesia de Linhares Filho).
O homem comum somente começa a entender o poeta se visar alguns detalhes (este é o aprendizado): ´Se também me vê ficar insone alta noite, / empunhando a pena, o olhar longínquo, / os lábios em movimento, sem articular palavra, / talvez me entenda...´
Na primeira estrofe, também há outra linha refinada e sutil de conceitos: o narrador define-se pela visão do outro. Este é o apelo que o eu-lírico faz ao leitor comum, ou seja, para reconhecê-lo como uma pessoa-poeta.
Sobre o olhar do outro, ´empunhar a pena e ficar com o olhar longínquo´ tanto pode conotar uma postura mais romântica desse ser (o poeta que fica olhando para dentro de si, em busca de algo - inspiração? - para escrever), como pode conotar uma típica postura do pensador (aquele que racionaliza o discurso. O olhar longe tanto pode indicar o esperar - a inspiração - como o pensar - a razão). Existe aqui, portanto, uma visão racional sobre o discurso, ao mesmo tempo em que o narrador assume toda a postura de um ser que tem a ´capacidade de beijar a noite´. Com isto, ele volta s encobrir-se com o manto sutil da poesia, que lhe dá o direito (e até o dever) de fazer isto. É por este motivo que o narrador se contenta: quando o outro o vê desta forma.
Este jogo, com as palavras e com os conceitos (na segunda estrofe, o narrador define-se por ele mesmo - ´Sou, sobretudo, o que compõe sonatas´ -, diferentemente da primeira), trava um constante diálogo com o leitor atento. Digo atento, porque a poesia de Linhares Filho é intelectualizada, instiga o pensar. O nível de confissão da poética de Linhares Filho, portanto, sensibiliza o leitor de outra forma: através da reflexão. É isto que o faz partidário, também, da Geração-45.
O aspecto dual em sua poesia aparece em outros níveis, como, por exemplo, no da linguagem e no da retórica.
No poema em análise, Linhares Filho é metafórico e metonímico. É metafórico quando há a afirmação de que o poeta é aquele que ´beija a noite´. É metonímico, quando o narrador diz que toma um ônibus. Os dois lados do mundo estão aqui: o real e o imaginário. É o equilíbrio, por um lado; por outro, o instintivo, o espontâneo, o sem-regras. É dionisíaco e apolíneo, mesmo que haja uma predominância do segundo, em sua poética.
A metáfora e a metonímia também se configuram, nessa mesma estrofe, de outra maneira: ´Assim, sou um grande atento para as horas e os quilômetros. / Mas, esqueço, quase sempre, de dar corda ao relógio / e de obedecer à linguagem semafórica do trânsito... / (Quando me atrasar nos compromissos, saibam-me desculpar. / Quando me adiantar ao sinal, não me atropelem!...)
Horas e quilômetros constituem uma metáfora; relógio e semáforo são referenciais seguros do real.
Retoricamente, os dois pólos semânticos ficam bem configurados: o leitor (principalmente os que somente ´habitam´ o mundo real) devem ter sabedoria para distinguir os dois seres - o poeta e o homem comum.
Os dois pólos
Na terceira estrofe, esses dois pólos aparecem com mais nitidez, porque são antitéticos: céu/ terra; grande/pequeno; dor/prazer; um/outro; Deus/homem. A poesia de Linhares Filho é cortês e refinada. O querido professor é exatamente assim: gentil e requintado. Na poesia deste poeta do Grupo SIN, há, sem dúvida, uma relação muito forte entre a vida e a ficção, porque, além desse refinamento (e isto é intrínseco, está dentro dos seus conceitos, como veremos adiante), a memória, tanto interior (que conduz ao encontro das pessoas), quanto exterior (que apresenta o mundo contemplado), parece compor uma vida, em todos os seus estágios. O livro Notícias de Bordo, que reúne poemas desde o primeiro publicado, nos dá, assim, uma visão mais ou menos inteira e acabada da poética de Linhares Filho.
O refinamento, em sua poesia, dá-se de diversas formas. Independente da temática, ele é intrínseco: está no discurso e na visão dos narradores. Se observarmos seus textos sob este ponto de vista, notaremos que em Sumos do Tempo (1968), seu primeiro livro, a cosmovisão e a linguagem, que regerão toda a poética de Linhares Filho, já estão aí configuradas: o poeta já nasceu maduro e com um discurso acabado. Isto deve ser fruto das suas leituras, dos seus estudos e pesquisas como professor universitário, e, principalmente, da sua maneira de ver o mundo.
Comparando alguns poemas desse primeiro livro com, por exemplo, poemas do livro Cantos de Fuga e Ancoragem, de 2007, com a distância de 40 anos, portanto, notaremos que a linguagem e a cosmovisão estão muito próximas. Há, por isto, uma constância de procedimentos discursivos. O que mudou com o tempo foi a nova formulação de conceitos e algumas temáticas.
A metapoesia
O metapoema, por exemplo, presente em quase todos os livros, reafirma alguns desses conceitos, além de nos mostrar também algumas atualizações no pensamento do poeta.
Em ´Poema Algo Cômico de Minha Essência´, Linhares Filho configura o perfil do poeta como aquele ser que vê, diferentemente, o mundo, o que, do ponto de vista da realidade, é correto, porque o artista vê aquilo que a grande maioria não consegue enxergar (o detalhe e a sensibilidade para ver isto é atributo do poeta. A sensibilidade é o elemento que o diferencia do ser comum; ela é o guia, que o sensibiliza sobre as coisas do mundo, ou sobre os sentimentos que regem o universo da vida. É por isso que o homem comum não o entende, se concebê-lo apenas como um homem comum: ´O que só me vê passar carregado de embrulhos, / enfrentando apressado os transeuntes / para tomar o ônibus das dezessete e trinta, / não me entende.'
FIQUE POR DENTRO
Acerca da natureza do discurso lírico
Massaud Moisés, em seu Dicionário de Termos Literários, (São Paulo: Cultrix, 1974) define a poesia lírica como sendo a expressão do eu, compreendendo, assim, a poesia da confissão ou a poesia da emoção. Nesse sentido, por meio da confissão dos estados íntimos, o poeta comunica sentimentos que são acessíveis a toda a gente. Por conta disso, o caráter emocional da poesia lírica explicaria o consórcio com a música: esta, porque fluida, essencialmente sonora, isto é, não-vocabular, parece traduzir de modo flagrante os contornos íntimos e difusos do poeta. O emprego de metáforas (comparações implícitas) é um caminho por que os conteúdos vagos da subjetividade são expressos, sem que a sua natureza seja sequer alterada. Sendo assim, palavras e notas musicais, ordenadas num ritmo próprio, acabam por equivaler-se na comunicação dos estados oníricos.